O trabalho sobre refugiados e migrantes na Europa

Maria Serrano é a diretora da campanha sobre as migrações no Escritório Europeu da Amnistia Internacional. Começou a colaborar com a Amnistia Espanha em 2005 a trabalhar com refugiados em Melilla. Desde 2015 trabalha no escritório europeu onde coordena as diversas áreas do trabalho relativo às migrações na Europa ocidental, oriental e Turquia.

NESTA REVISTA FALAMOS DE BARREIRAS, VEDAÇÕES, MUROS E AS PESSOAS PENSAM LOGO NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, NO MURO DO PRESIDENTE TRUMP. E NA EUROPA, TAMBÉM HÁ MUROS?

Temos muitos, uns mais visíveis do que outros. Há muros e vedações no sul de Espanha, na Hungria, na fronteira entre a Grécia e a Turquia, entre a Turquia e a Bulgária. Há muros e vedações que impedem o acesso físico a asilo. Uma das primeiras barreiras é sempre a embaixada nos diferentes países.
As fronteiras começam aí, onde as pessoas não têm acesso a um visto, ou à reunificação com a família, ou não conseguem viajar para trabalhar, ou para procurar proteção. As vedações começam fisicamente ainda antes de as pessoas terem chegado às fronteiras da Europa.
Depois quando chegam, há as vedações físicas, os guardas da fronteira, e todo o tipo de equipamento físico que faz parte da Fortaleza Europa. A juntar isto, há́ a legislação. Grande parte da legislação sobre asilo e migração é feita com o intuito de impedir as pessoas de chegarem, de pedirem asilo. As provisões na lei são feitas para rejeitar a entrada das pessoas, não para as proteger. Por isso, este é um sistema de rejeição de pessoas que têm necessidade de proteção, ou que precisam de ter acesso às suas famílias. A juntar à legislação, existem as práticas. Existem ainda as barreiras que representam a interpretação e comportamento dos guardas fronteiriços e das autoridades. Tudo isto faz parte de um sistema que procura excluir pessoas, deixá‐las de fora a todo o custo. E podemos ver esta tendência por toda a Europa.

DE ACORDO COM AS NAÇÕES UNIDAS, TEM VINDO A DESCER O NÚMERO DE REFUGIADOS E MIGRNATES QUE CHEGAM À EUROPA. POR OUTRO LADO, CONTINUA A AUMENTAR O NÚMERO DE PESSOAS DESLOCADAS NO MUNDO, COMO É QUE SE PODE EXPLICAR?

Parte da explicação para estes números pode ser encontrada nas políticas da União Europeia (UE), na política de externalizar o controlo das fronteiras e da proteção dos refugiados. Tivemos a situação em 2015, no auge da
crise na Síria, em que cerca de um milhão de pessoas chegou à Europa através da travessia da fronteira com a Turquia. Desde então a UE promoveu e implementou políticas que transferem a responsabilidade da proteção dos refugiados e migrantes para a Turquia.
Neste momento é a Turquia quem controla as entradas e está a fechar as fronteiras com a Síria. A Amnistia tem documentado situações de violação do princípio de non refoulement (não retorno) desde a Turquia para zonas
de guerra. Por um lado, a União Europeia reduziu as missões de busca e salvamento, por outro lado, a crescente hostilidade e criminalização das ONG que organizam missões de busca e salvamento, tem resultado na diminuição destas missões. Não só os governos europeus não estão a fazer, como estão a impedir outros de fazerem esses salvamentos.
A União Europeia está a colaborar com a Líbia, a equipar a guarda costeira italiana, e desta forma, está a contribuir para prender pessoas na Líbia. A guarda costeira italiana interceta as pessoas em alto mar, devolve‐as à Líbia que, por sua vez, as envia para os centros de detenção. Nestes centros as pessoas estão sujeitas a violações de direitos humanos. São estas as políticas da UE e explicam porque é que os números têm baixado.

E OS CASOS DE ATAQUES CONTRA OS ATIVISTAS QUE PRESTAM AJUDA HUMANITÁRIA, SERÁ UMA ATUAÇÃO DELIBERADA, TAMBÉM, DISSUADIR E INTIMIDAR QUEM QUER AJUDAR?

O que temos visto é que esta atuação corresponde a uma tendência mais ampla que se está a verificar na Europa e que consiste em investigar, perseguir e processar judicialmente ativistas.
Pondo em causa a legitimidade das suas ações e atividades de promoção dos direitos humanos. E verificámos estes procedimentos em diversos países, como em França, na Itália, na Croácia, na Grécia. Temos casos em Espanha e na Suíça. A Amnistia está a investigá‐los e a recolher informação para confirmar esta tendência. Quando falamos com estas pessoas que estão a ser alvo destas campanhas negativas, em algumas vemos a sua determinação, estão cada vez mais empenhadas em continuar a ajudar, a partilhar a sua comida e documentar as violações de direitos humanos. Naturalmente, há́ outras que, perante a perseguição e processos judicias contra os seus colegas, ficam com receio de continuar.
A Amnistia está a acompanhar todos estes casos, a perceber as tendências e padrões e ponderar agir para, em alguns deles, trazê‐los ao conhecimento do público, assistir aos julgamentos, apoiar indivíduos e ONG. Desta forma, estaremos a apoiar o trabalho destes ativistas e ao mesmo tempo impedir que a situação dos refugiados e migrantes piore. Em muitos casos os indivíduos e as organizações estão a fazer o trabalho que devia ser feito pelas autoridades, como seja providenciar serviços e acesso a necessidades básicas. E acreditamos que devemos preservar a solidariedade que é muito importante enquanto valor para a nossa sociedade.

A UNIÃO EUROPEIA ESTÁ A RECORRER À INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PARA CONTROLAR AS FRONTEIRAS. UM DOS VÁRIOS PROJETOS EM DISCUSSÃO É O iBorderCtrl. QUE POSIÇÃO TEM A AMNISTIA SOBRE ESTE E OUTROS TIPO DE CONTROLO COM BASE NA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL? 

Este projeto, o iBorderCtrl, é um dos muitos projetos com base em inteligência artificial que a União Europeia está a querer implementar para reforçar as fronteiras. À partida, se já há preocupações com a atuação do policias e guardas de fronteira no controle das fronteiras e com a sua atuação, imagine-se o que a inteligência artificial pode trazer para o assunto.
Na prática este projeto consiste no reconhecimento facial gerado por computador e avalia a veracidade das respostas que a pessoa der ao “guarda fronteiriço” virtual. Significa que o sistema consegue ler os sentimentos, a cara, a identidade e consegue dizer se as respostas são verdadeiras ou não.
Há muitos problemas relacionados com este sistema e um deles é a falta de transparência na criação e uso desta tecnologia. Como é que o sistema funcionará, como é que será implementado? E claro as garantias, as salvaguardas para as pessoas submetidas a estes sistemas. Não sabemos como serão criados nem de que forma serão programados para avaliar as respostas. Ser rejeitado na fronteira significa que a pessoa vai ser devolvida a um país onde vai estar em risco. Tudo isto faz parte das mais recentes medidas da Fortaleza Europa para reforçar as fronteiras. Este é dos vários projetos, com base em inteligência artificial, em estudo. Estão a testar diferentes elementos e isto significa que as fronteiras no futuro serão controladas por robôs.

A PERCEÇÃO DAS PESSOAS HOJE SOBRE OS REFUGIADOS E MIGRANTES É DIFERENTE DAQUELA QUE HAVIA EM 2013, QUANDO A AMNISTIA LANÇOU A CAMPANHA “EU ACOLHO” SOBRE OS REFUGIADOS?

Penso que a resposta é neste momento um pouco complicada. Há alguns governos e setores da opinião publica que nos dão sinais de esperança, mas é difícil dizer que houve mudanças na opinião pública. Estamos a ver na sociedade civil que cada vez mais indivíduos estão a resistir e, mais importante, cada vez mais indivíduos, nas suas comunidades, tentam acolher os refugiados. Há iniciativas para apadrinhar refugiados, há muitas e boas iniciativas a nível local, mas por vezes estas iniciativas não são muito conhecidas e divulgadas, e como sempre, o que se ouve mais são as vozes negativas. Os políticos, por exemplo, aqueles mais populistas, e que os meios de comunicação para amplificar as suas mensagens contra os refugiados e migrantes. Mas eles não são a maioria, e precisamos de nos lembrar desse facto.

O QUE DIRIA A QUEM QUER AJUDAR OS REFUGIADOS E MIGRANTES?

Neste contexto cada pessoa pode ajudar. Não é preciso iniciativas heroicas, não é necessário ir para as fronteiras ou para campos de refugiados. Há muitos refugiados que estão nos vários países e que precisam de ajuda. Há trabalho ao nível da comunidade, em que determinadas profissões como professores, por exemplo, são necessárias. Podem juntar‐se a organizações para promover ativamente o acolhimento e integração dos refugiados. Há muito exemplos e bons de comunidades que ajudaram os refugiados a reconstruírem as suas vidas. São estes exemplos que são a chave para não nos deixarmos cair na armadilha da retórica do ódio. Já para não mencionar como as comunidades ficam mais ricas com este encontro e partilha de culturas.