29 Junho 2020

 

O desporto, e o futebol em particular, espelham a sociedade, naquilo que ela tem de melhor e de pior.

Ao longo dos últimos anos vimos o profissionalismo, a solidariedade e o empenho que atletas deixam em campo pela sua equipa.

Vimos uma seleção que une todas as pessoas, com paixão e alegria desportiva em torno de Portugal campeão europeu e vencedor da Taça das Nações.

Vimos jogos de salutar respeito entre nações que politicamente se confrontam.

Vimos gestos de esforço até à última gota de suor, para transformar uma derrota em vitória, em jogos dos campeonatos distritais às ligas profissionais.

Vimos dezenas de milhares de crianças e jovens, praticantes de desporto federado, com mais saúde e mais amizade.

Vimos a paixão e o envolvimento de tantos milhões de pessoas à volta do seu clube e da seleção do seu país.

Mas vimos também ataques racistas, durante e depois dos jogos, ataques físicos a agentes do futebol nos seus locais de trabalho e treino.

Vimos equipas técnicas, jogadores, árbitros e adeptos receberem ameaças escritas e sofrerem agressões à porta dos seus locais de trabalho e das suas residências.

O futebol pode ser melhor. E pode ser metáfora e exemplo liderante de um mundo mais justo e solidário.

Isso começa por todos: adeptos com mais respeito, que se demarcam de todas as manifestações de ódio; clubes com mais noção da sua responsabilidade social; atletas e equipas técnicas que utilizam a sua influência mediática e a sua força para um mundo melhor e mais justo, onde todas as pessoas possam usufruir de direitos humanos.

 

O futebol como agente de Direitos Humanos

 

O Futebol detém uma enorme influência na nossa sociedade, e como tal, este efeito deve ser aproveitado para o bem comum e para a promoção e desenvolvimento de ações de responsabilidade social. O Futebol deve ser inclusivo e multicultural.

O futebol tem pontos em comum com os Direitos Humanos, no entanto, e simultaneamente, potencia comportamentos e ideais que desrespeitam completamente os DH.

Tendo em conta o clima de violência, desrespeito, racismo, intimidação e ameaças à integridade física (pessoal e familiar) aos agentes do futebol e o discurso de ódio que se tem sentido nos últimos tempos, a Amnistia Internacional vem apelar a todas as pessoas que se envolvam numa afirmação comum:

 

O que existe em comum e o que contraria com os Direitos Humanos?

O que o futebol e os Direitos Humanos têm em comum?

    • Regras (reconhecidas a nível mundial)
    • Igualdade
    • Equidade
    • Justiça
    • Respeito pelo outro
    • Pessoas / Entidades cuja função é gerir “o jogo” e fazê-lo cumprir de acordo com as regras

O que existe no futebol que contraria os fundamentos dos Direitos Humanos?

    • Racismo
    • Discriminação
    • Ameaças à integridade física (pessoal e familiar)
    • Discurso de ódio
    • Trafico humano

Para que todas as pessoas possam jogar pelos direitos humanos, estes são os jogadores que temos de eleger como titulares em cada jogo, em todos os jogos, por todos nós.

O 11 titular

 

JOGADOR 1
Fraternidade.
JOGADOR 2
Igualdade.
JOGADOR 3
Vida, Liberdade e Segurança.
JOGADOR 4
Futebol livre.
JOGADOR 7
Proteção.
JOGADOR 8
Justiça.
JOGADOR 12
Segurança.
JOGADOR 13
Livre circulação.
JOGADOR 23
Trabalho digno.
JOGADOR 26
Educação.
JOGADOR 30
Futebol positivo.

Jogador 1: Fraternidade

Artigo 1.º – Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

O artigo 1º é a base da sociedade. Todos os seres humanos nascem iguais em dignidade. Toda a diferença de dignidade que outros seres humanos lhe derem, constitui discriminação.
Todos os atletas, treinadores, dirigentes, árbitros e adeptos são iguais na sua dignidade.

 

Jogador 2: Igualdade

Artigo 2.º – Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação.

Não importa onde nascemos, a cor da nossa pele ou a religião que professamos e em que acreditamos, ou até se não acreditamos em nenhuma. Não importa o partido ou ideologia política, não importa a condição nacional, social, a riqueza ou a pobreza. Todos somos iguais e com direitos e liberdades. Todos nos devemos respeito, sem discriminação.

 

Jogador 3: Vida, Liberdade e Segurança

Artigo 3.º – Todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Todos temos direito a viver uma vida em liberdade e sem medo quanto à nossa segurança pessoal. Todos os agentes desportivos, todos os adeptos e simpatizantes dos clubes têm o direito de se sentir seguros na ida para o estádio e no regresso a casa, assim como no seu dia-a-dia.
Todos os espetadores têm o direito de fruir do desporto (artigo 27º).

 

Jogador 4: Futebol livre

Artigo 4.º – Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos.

Em todo o mundo, principalmente na rota entre países em desenvolvimento económico e países onde a indústria do futebol é mais rica, muitas crianças e jovens são aliciados com promessas de jogarem futebol em grandes clubes, e de terem uma carreira fantástica.

Em muitos casos, estas crianças e jovens tornam-se assim vítimas de extorsão de fundos, pagando viagens e estágios em clubes que não os conhecem e não os esperam. Outras vezes caem em redes de tráfico de seres humanos.

 

Jogador 7: Proteção

Artigo 7.º – Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

O discurso de ódio e o incitamento à violência são uma afronta ao artigo 7º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Além disso são também um crime previsto no artigo 240º do código penal português. Insultar e ofender alguém publicamente, incitando ao ódio e violência e fazê-lo por forma de insultos racistas e discriminatórios é totalmente errado, mas frequente no futebol.

A discriminação, o racismo, o discurso de ódio não podem ter lugar nem no desporto, nem no mundo.

 

Jogador 8:Justiça

Artigo 8.º – Toda a pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais competentes contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei.

Todas as pessoas que se sintam ofendidas, discriminadas ou atacadas no exercício da sua profissão e/ou da sua vida em sociedade, têm direito a ser reparadas através de meios de justiça adequados.

 

Jogador 12: Segurança

Artigo 12.º – Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei.

Ninguém deve recorrer à violência, seja física, seja verbal. Nenhum interveniente desportivo ou adepto de desporto deve ver-se a si ou à sua família em situação de risco. O desporto deve ser uma festa e celebração de fairplay. Não pode haver lugar à insegurança.

 

Jogador 13: Livre circulação

Artigo 13.º
1. Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado.
2. Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país.

Todas as pessoas devem ser livres para legalmente se poderem deslocar. Além de o futebol ser pretexto para tráfico de seres humanos, ele é também pretexto para exploração laboral. Temos infelizmente, o exemplo de trabalhadores migrantes da construção civil para os novos estádios de futebol no Qatar, que se viram com os seus passaportes retidos, não podendo visitar a sua família ou sair do país.

 

Jogador 23: Trabalho digno

Artigo 23.º
1. Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual.
3. Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social.

A indústria do futebol movimenta recursos económicos de elevada quantidade. No entanto não garante condições equitativas de trabalho e salário dignos para todas as pessoas envolvidas, nos diversos níveis, e em diferentes países.

 

Jogador 26: Educação

Artigo 26.º
1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.
2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.

Existem milhares de atletas em formação em Portugal. Crianças e jovens, muitas vezes, sujeitos a uma pressão enorme de resultados por parte de pais, treinadores, clubes que exigem excelentes prestações e que vençam jogos para conquista de simples campeonatos locais em escalão de formação. Também nestes ambientes os insultos aos árbitros por parte de adeptos e adeptas são presença assídua, sendo este um péssimo exemplo para as crianças e jovens atletas.

O desporto e o futebol de formação são sobretudo educativos, pretendendo capacitar os jovens para a prático de desporto coletivo, para hábitos de saúde física e psicológica, bem como para o saudável convívio e construção de relações sociais adequadas.

 

Jogador 30: Futebol Positivo

Artigo 30.º – Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada de maneira a envolver para qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de se entregar a alguma atividade ou de praticar algum ato destinado a destruir os direitos e liberdades aqui enunciados.

Os direitos humanos são indivisíveis.

Nenhum direito deve ser considerado menos importante que outro. Nenhum desafio desportivo deve colocar em causa os Direitos Humanos de cada pessoa.

O futebol, pelo contexto mediático, tem de ser influência positiva de respeito e cumprimento de Direitos Humanos por parte de todos os intervenientes. Atletas e equipas técnicas, dirigentes, adeptos, claques, entidades que regulam e organizam o futebol em Portugal, ministérios e secretarias de estado da tutela têm um papel a desempenhar e a cumprir no fenómeno mediático que é o desporto. Urge que o futebol seja exemplo e influência positiva na sociedade, onde deixem de existir episódios de racismo, violência, discriminação e desrespeito.

Agir

Porque acreditamos que o desporto pode unir-nos por uma causa comum, e ser um espaço de mudança positiva, por um mundo em que os direitos humanos são vividos em pleno, junte-se a nós, assine o nosso manifesto #EuJogoPelosDireitosHumanos, e contribua assim para que esta seja uma realidade.

 

Ler manifesto

 

O Desporto é uma das poucas atividades humanas que consegue transpor todas as fronteiras. Ele pode criar esperança, influenciar pessoas e governos e até mesmo quebrar as barreiras raciais.

Disse Nelson Mandela: “O desporto tem o poder de mudar o mundo. Tem o poder de inspirar, tem o poder de unir as pessoas de uma forma como pouco mais o consegue fazer. Fala aos jovens num idioma que eles entendem. O desporto pode criar esperança, onde antes só havia desespero. É mais poderoso do que os governos para derrubar barreiras raciais. Ele ri diante de todos os tipos de discriminação”.

O Desporto / Futebol, em si, é inclusivo e multicultural e detém uma enorme influência na nossa sociedade, e como tal, este efeito deve ser aproveitado para o bem comum e para a promoção dos valores humanos e desportivos. O Desporto / futebol tem vários pontos em comum com os Direitos Humanos: defende o respeito pelo outro, a igualdade e a equidade; fomenta a Justiça e o cumprimento de normas; fomenta o espirito de equipa e o trabalho conjunto por um bem comum; tem regras reconhecidas a nível mundial e existem pessoas / entidades cuja função é gerir “o jogo” e fazê-lo cumprir de acordo com as regras.

Simultaneamente, temos assistido a situações em que são potenciados comportamentos, práticas e ideais que contrariam totalmente o fundamento dos mesmos: racismo, discriminação, ameaças à integridade física (pessoal e familiar), discurso de ódio e tráfico humano. É por isso tão importante reiterar o compromisso contínuo de garantir que no futebol não há espaço para atitudes ou comportamentos que não sejam condicentes com os direitos humanos.

Considerando que ocorreram já diversas situações em que essa foi uma realidade e que inclusivamente envolveram os agentes do futebol, adeptos e claques dos clubes, a Amnistia Internacional e as entidades parceiras neste projeto instam a que, juntos, nos comprometamos com a sensibilização e a defesa dos Direitos Humanos no desporto e em concreto no futebol.

Este é um papel de todas as pessoas ligadas ao desporto e ao futebol, começando com cada adepto. Mas têm um especial papel as entidades que regulam e organizam o futebol (desporto) em Portugal, que podem fazer a mudança acontecer. Estas entidades precisam de estar atentas às situações ocorridas no contexto desportivo que contrariam a essência dos Direitos Humanos, precisam de atuar de forma célere e de reforçar os regulamentos para que as práticas ilegais sejam devidamente punidas.

Juntos, podemos fazer do futebol e do desporto uma atividade de promoção dos direitos humanos e de união por um mundo melhor.

TEXTO A ENVIAR*

Exms. Srs.

O desporto, e em concreto o futebol tem vários pontos em comum com os Direitos Humanos: defende o respeito pelo outro, a igualdade e a equidade; fomenta a Justiça e o cumprimento de normas; fomenta o espirito de equipa e o trabalho conjunto por um bem comum; tem regras reconhecidas a nível mundial e existem pessoas e entidades cuja função é gerir “o jogo” e fazê-lo cumprir de acordo com as regras.
Simultaneamente, temos assistido a situações em que são potenciados comportamentos, práticas e ideais que contrariam totalmente o fundamento dos mesmos: racismo, discriminação, ameaças à integridade física (pessoal e familiar), discurso de ódio e tráfico humano. É por isso tão importante reiterar o compromisso contínuo de garantir que no futebol não há espaço para atitudes ou comportamentos que não sejam condicentes com os direitos humanos.

Considerando que ocorreram já diversas situações em que essa foi uma realidade e que inclusivamente envolveram os agentes do futebol, adeptos e claques dos clubes, torna-se imperativo que haja um compromisso conjunto com a sensibilização e a defesa dos Direitos Humanos no desporto, e em concreto no futebol.

Este é um papel de todas as pessoas ligadas ao desporto e ao futebol, começando com cada adepto. Mas têm um especial papel as entidades que regulam e organizam o futebol (desporto) em Portugal, que podem fazer a mudança acontecer. Estas entidades precisam de estar atentas às situações ocorridas no contexto desportivo que contrariam a essência dos Direitos Humanos, precisam de atuar de forma célere e de reforçar os regulamentos para que as práticas ilegais sejam devidamente punidas.

Juntos, podemos fazer do futebol e do desporto uma atividade de promoção dos direitos humanos e de união por um mundo melhor.

Atentamente.

*(este texto será enviado às autoridades que regulam o desporto em Portugal)

 

 


 

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