20 Abril 2017

A interminável espiral de violência e de repressão que marcou os protestos recentes na Venezuela está a mergulhar o país numa crise da qual será difícil sair, ameaçando as vidas e a segurança da população, avalia a Amnistia Internacional na sequência dos relatos de mortes, feridos e centenas de detenções durante as manifestações que ocorreram esta quarta-feira, 19 de abril.

As autoridades venezuelanas confirmaram a morte de Paola Ramírez, de 23 anos, e de Carlos Moreno, de 17, ambos mortos a tiro em San Cristóbal, capital do estado de Táchira, e em Caracas, a capital do país, respetivamente.

“Sair às ruas quando estão a decorrer manifestações na Venezuela não pode ser uma sentença de morte”, frisa a diretora da Amnistia Internacional para as Américas, Erika Guevara-Rosas. “A combinação trágica de crescente violência, de uma repressão descontrolada e da falta de ação por parte das autoridades para garantirem a liberdade de expressão e a justiça é uma mistura tóxica que não faz mais nada se não perpetuar a violência”, prossegue.

A perita da organização de direitos humanos explica que “as autoridades venezuelanas têm de assegurar imediatamente o direito das pessoas a saírem às ruas e expressarem pacificamente as suas opiniões, assim como investigar todos os relatos de abusos de direitos humanos cometidos durante os protestos”.

Na véspera das manifestações desta quarta-feira, o Governo venezuelano ativou o “Plano Zamora”, mecanismo de segurança no país que ativa a mobilização de civis lado a lado com a polícia e as forças militares para “preservar a ordem pública”. “O ‘Plano Zamora’ chama os civis a envolverem-se num uso de força ilegítimo. É claramente uma receita para o desastre. E isto é especialmente preocupante dado os repetidos relatos de abusos cometidos pelos grupos civis armados”, alerta ainda Erika Guevara-Rosas.

Violência em escalada há semanas

A Amnistia Internacional fizera uma vez mais soar alarme no início deste mês de abril, reiterando a obrigação do Estado venezuelano em garantir o exercício da liberdade de expressão e as manifestações pacíficas da população no país.

Em protestos ocorridos na primeira semana de abril, organizados por grupos críticos ao Governo, junto ao gabinete do Provedor de Justiça, as forças de segurança dispersaram violentamente os manifestantes com gás lacrimogéneo e balas de borracha – do que foram prestados testemunhos de pessoas feridas e afetadas pelos efeitos asfixiantes do gás. E, posteriormente, relatos de que fora morto um jovem estudante durante um protesto em Altos Mirandinos, perto de Caracas.

A Amnistia Internacional registou também relatos nos órgãos de comunicação social locais de atos de violência contra estudantes na Universidade de Carabobo, em que dois estudantes foram alvejados a tiro.

“É imperativo que as autoridades venezuelanas garantam a liberdade de expressão e ponha fim imediato ao uso excessivo da força contra aqueles que estão a exercer o direito de protestar pacificamente. Em vez de lançarem mãos dos seus recursos para perseguir e reprimir teimosamente aqueles que pensam de forma diferente, o Governo da Venezuela deve centrar esforços em dar solução à crise humana que se agrava a cada dia que passa no país”, instava Erika Guevara-Rosas logo a 7 de abril passado.

A organização de direitos humanos reiterou profunda apreensão face a estes incidentes, em particular perante os vários apelos feitos por responsáveis do Estado para que sejam usadas armas de fogo contra os manifestantes que criticam o Governo. E desde o início da vaga de repressão que instava para que fosse declarado repúdio forte e inequívoco da violência cometida por grupos armados pró-Governo no contexto dos protestos. A Amnistia Internacional exortava também as forças de segurança venezuelanas a garantirem que os protestos agendados, incluindo o de 19 de abril, decorressem sem nenhumas restrições nem medo de perseguição.

“Caça às bruxas” de líderes e membros da oposição

A vaga recente de detenções de líderes e membros da oposição que a Amnistia Internacional assinalou no início deste ano apontava já para um padrão sistemático de abusos contra aqueles que na Venezuela ousam expressar opiniões contrárias à do Governo.

Nos dias 11 e 12 de janeiro, o deputado parlamentar Gilber Caro, do partido da oposição Voluntad Popular, os deputados municipais Roniel Farias e Jorge Gonzalez e os ativistas políticos Steicy Escalona e Irwin Roca foram privados da liberdade depois de responsáveis governamentais de elevado nível os terem acusado publicamente de desenvolverem “atividades terroristas” e de ligações a Lilian Tintori, mulher do prisioneiro de consciência Leopoldo López.

“Parece que o Governo do Presidente [venezuelano, Nicolás] Maduro continua com a sua caça às bruxas contra quem quer que ouse expressar uma opinião contrária às suas políticas. Este uso de argumentos absurdos de conspiração para justificar detenções irregulares revela a ausência de compromisso da Venezuela na promoção e proteção dos direitos humanos básicos de todas as pessoas no país”, criticou a diretora da Amnistia Internacional para as Américas, no dia seguinte àquelas detenções.

Erika Guevara-Rosas exortou ainda as autoridades venezuelanas a garantirem que “são cumpridos os direitos processuais das pessoas detidas, em particular o direito de serem levados a juízes de instância civil, sob acusações credíveis e com provas, e em tempo célere, assim como o acesso pronto a familiares e a representantes legais”. “O Governo venezuelano tem é de encontrar soluções eficazes e justas para ultrapassar a grave crise humana e de direitos humanos que está a afetar a população, e não esforçar-se a perseguir quem pensa de forma diferente”, remata.

A Amnistia Internacional reitera às autoridades venezuelanas que têm de garantir o direito de liberdade de expressão e de reunião pública e pacífica, sem qualquer espécie de discriminação.

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