21 Outubro 2021

Detenções generalizadas de ativistas palestinianos 

Uso ilegítimo de força sobre manifestantes palestinianos

Tortura de detidos palestinianos 

Falha em proteger palestinianos de ataques planeados por grupos supremacistas judeus 

A polícia israelita cometeu múltiplas violações contra palestinianos em Israel e Jerusalém Oriental ocupada, realizando uma campanha repressiva discriminatória, composta por detenções em massa, uso ilegítimo da força contra manifestantes pacíficos e submissão de detidos a tortura e outros maus-tratos, durante e após as hostilidades armadas em Israel e Gaza, referiu hoje a Amnistia Internacional.

A polícia israelita também falhou na proteção de cidadãos palestinianos de Israel dos ataques premeditados por grupos armados de supremacistas judeus, mesmo quando os planos foram divulgados antecipadamente e a polícia tinha conhecimento deles, ou deveria ter.

“As provas recolhidas pela Amnistia Internacional traçam um quadro repressivo de discriminação e força excessiva pela polícia israelita contra palestinianos em Israel e Jerusalém Oriental ocupada”, disse Saleh Higazi, diretor-adjunto para o Médio Oriente e Norte de África na Amnistia Internacional.

“A polícia tem a obrigação de proteger todas as pessoas sob controlo israelita, quer sejam judias ou palestinianas. Em vez disso, a grande maioria das pessoas detidas na repressão policial que se seguiu ao deflagrar de violência intercomunitária era palestiniana. Os poucos cidadãos judeus de Israel detidos foram abordados com maior clemência. Os supremacistas judeus continuam a organizar manifestações, enquanto os palestinianos enfrentam repressão.”

Investigadores da Amnistia Internacional falaram com 11 testemunhas, e o seu Laboratório de Provas de Crise verificou 45 vídeos e outras formas de media digitais para documentar mais de 20 casos de violações da polícia israelita, entre 9 de maio e 12 de junho de 2021. Centenas de palestinianos foram feridos na repressão e um rapaz com 17 anos de idade foi abatido a tiro.

 

Repressão discriminatória

Desde 10 de maio, enquanto as manifestações se alastravam a cidades com populações palestinianas, no interior de Israel, a violência intercomunitária eclodiu. Várias pessoas ficaram feridas, e dois cidadãos judeus de Israel e um cidadão palestiniano foram mortos. Foram vandalizadas sinagogas e cemitérios muçulmanos. A 13 de maio, em Haifa, 90 carros pertencentes a palestinianos foram destruídos, e foram atiradas pedras para as suas casas. Em Jerusalém Oriental, colonos israelitas continuaram a assediar violentamente residentes palestinianos.

Em resposta, a 24 de maio, as autoridades israelitas lançaram a “Operação Lei e Ordem”, dirigida particularmente a manifestantes palestinianos. Os meios de comunicação israelitas declararam que a operação pretendia “ajustar contas” com os envolvidos e “dissuadir” mais manifestações.

A 10 de junho, de acordo com Mossawa, um grupo palestiniano de direitos humanos, a polícia prendeu mais de 2,150 pessoas – onde mais de 90% eram cidadãos palestinianos de Israel ou residentes de Jerusalém Oriental. O grupo também disse que foram apresentadas 184 acusações contra 285 acusados. Segundo Adalah, outro grupo de direitos humanos, um representante do Ministério Público disse a 27 de maio que apenas 30 cidadãos judeus de Israel se encontravam entre os indiciados.

A maioria dos palestinianos detidos foi presa por atos tais como “insultar ou agredir um agente policial” ou “participar numa reunião ilegal”, e não por ataques violentos a pessoas ou propriedades, segundo o Comité de Acompanhamento dos Cidadãos Árabes de Israel.

“Esta repressão discriminatória foi orquestrada como um ato de retaliação e intimidação para terminar com manifestações pró-palestinianas e silenciar aqueles que se pronunciam para condenar a discriminação institucionalizada e a opressão sistémica de palestinianos por Israel”, disse Saleh Higazi.

 

 

Uso ilegítimo de força contra manifestantes

A Amnistia Internacional documentou a utilização de força desnecessária e excessiva pela polícia israelita para dispersar manifestantes palestinianos contra os desalojamentos forçados em Jerusalém Oriental, bem como contra a ofensiva em Gaza. Os protestos foram maioritariamente pacíficos, embora uma minoria tenha atacado propriedade policial e atirado pedras. Por outro lado, os supremacistas judeus continuam a organizar manifestações livremente. A 15 de junho, milhares de colonos e supremacistas judeus marcharam provocatoriamente nos bairros palestinianos de Jerusalém Oriental.

Através de relatos de testemunhas e vídeos comprovados, confirma-se que, a 9 de maio, num protesto no bairro da colónia alemã de Haifa, a norte de Israel, um grupo de cerca de 50 manifestantes estava a protestar pacificamente, sem recorrer a qualquer conduta provocatória, quando foi atacado por polícia armada, que espancou algumas pessoas.

A 12 de maio, Muhammad Mahmoud Kiwan, um rapaz com 17 anos, foi baleado na cabeça perto de Umm el-Fahem, norte de Israel, e morreu uma semana depois. Algumas testemunhas da situação referiram que a vítima estava sentada num carro, perto de um protesto, quando a polícia israelita disparou. A polícia contesta a alegação e disse que se encontrava a investigar o sucedido.

No mesmo dia, vários agentes policiais dispersaram, violentamente e sem aviso, um protesto pacífico de cerca de 40 pessoas em St Mary’s Well Square (Nazareth), norte de Israel, agredindo fisicamente manifestantes.

“A polícia israelita devia estar a proteger o direito à liberdade de reunião, e não a perpetuar ataques contra manifestantes pacíficos. A Comissão de Inquérito do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, estabelecida em maio de 2021, deve investigar o padrão preocupante de violações pela polícia israelita”, disse Saleh Higazi.

A polícia israelita também usou força ilegítima em Jerusalém Oriental ocupada. A 18 de maio, um polícia atingiu a tiro, nas costas, Jana Kiswani, de apenas 15, enquanto ela entrava em sua casa, em Sheikh Jarrah. Algumas horas antes, tinha tido lugar um protesto frente à sua casa. O seu pai, Muhammad, relatou à Amnistia Internacional que, devido às lesões nas suas vértebras, os médicos não sabem se ela voltará a andar. As imagens de vídeo verificadas mostram Jana Kiswani a cair para o chão ao ser atingida de costas. Um outro vídeo verificado, mostra um agente da polícia israelita a disparar despreocupadamente um lançador de granadas Stand Alone IWI GL 40 contra uma pessoa, que não é possível ver no vídeo, mas ao qual se segue um momento de gritos.

 

 

Violência policial, tortura e outros maus-tratos 

Ibrahim Souri sofreu um disparo na cara, por agentes da polícia israelita, enquanto usava o seu telemóvel, na varanda da sua casa, para filmar a polícia a patrulhar a rua, em Jafa, sul de Telavive, no dia 12 de maio.

Num vídeo verificado, um dos agentes policiais é ouvido a dizer: “O que é que ele está a segurar?” Ibrahim Souri grita em resposta: “Estou a filmar, isso não é permitido? Disparem, está tudo registado.” Mais tarde, ele confirmou à Amnistia Internacional: “Eu não imaginei que eles disparassem mesmo. Pensei que tinha direitos, e que estava seguro, num país democrático.” Fotografias revistas pela patologia forense da Amnistia Internacional e relatórios médicos indicam que foi, provavelmente, atingido por um projétil de impacto cinético de 40mm, que fraturou os seus ossos faciais.

A Amnistia Internacional registou ainda casos de tortura na esquadra de polícia do Complexo Russo (Moskobiya) em Nazareth, a 12 de maio. Uma testemunha disse ter visto forças especiais a espancarem um grupo de, pelo menos, oito detidos amarrados, que tinham sido presos num protesto:

“Era como num campo de prisioneiros de guerra. Os agentes atingiam os jovens com paus de vassoura e pontapeavam-nos com botas de biqueira de aço. Quatro deles tiveram de ser levados de ambulância, e um tinha um braço partido”, disse ele.

O advogado de Ziyad Taha, outro manifestante detido no centro de detenção de Kishon, perto de Haifa, a 14 de maio, disse que o seu cliente foi amarrado, pelos seus pulsos e tornozelos, a uma cadeira, e privado de sono durante nove dias.

 

Falha em proteger palestinianos de ataques de supremacistas judeus

A polícia também falhou em proteger palestinianos de ataques organizados por grupos armados de supremacistas judeus, que divulgaram, frequentemente, os seus planos com antecedência.

A Amnistia Internacional verificou 29 mensagens de texto e áudio de canais abertos no Telegram e no WhatsApp, revelando como as aplicações foram usadas para recrutar homens armados e organizar ataques contra palestinianos em cidades com populações judias e árabes, tais como Haifa, Acre, Nazaré e Lod, entre 10 e 21 de maio.

As mensagens incluíam instruções sobre como e quando deveriam reunir, tipos de armamento a utilizar, e mesmo o vestuário adequado para evitar confundir judeus originários do Médio-Oriente com árabes palestinianos. Membros do grupo partilharam ‘selfies‘ com armas e mensagens tais como: “Esta noite, não somos judeus, somos nazis”.

A 12 de maio, centenas de supremacistas judeus juntaram-se na marginal de Bat Yam, centro de Israel, em resposta a mensagens recebidas do partido político Jewish Power, e outros grupos. Imagens de vídeo verificadas mostram inúmeros ativistas a atacar negócios de proprietários árabes e a encorajar atacantes. Uma das pessoas espancadas foi Said Musa, também atropelado por uma motorizada de atacantes judeus. Apenas seis israelitas estão a enfrentar acusação devido ao ataque.

Políticos e funcionários do governo também incitaram à violência. A 11 de maio, iniciaram motins, após Itamar Ben-Gvir, representante parlamentar do partido Jewish Power, ter mobilizado apoiantes a dirigirem-se a Lod, e outras cidades, e apelado a que os atiradores de pedras fossem abatidos.

Um dia antes, Musa Hassuna foi morto a tiro por um cidadão judeu de Israel em Lod, durante violência intercomunitária. Um vídeo mostra-o a ser atingido enquanto estava perto de um grupo de palestinianos que atiravam pedras. O seu pai culpou o autarca da cidade, Yair Revivo, por “convocar extremistas para fazerem esta violência”, em referência a uma declaração, na qual o autarca descreveu os eventos em Lod como um massacre contra judeus. Quatro suspeitos foram detidos pelo assassinato, mas libertados, sob fiança, três dias depois. O ministro da Segurança Pública de Israel, Amir Ohana, condenou abertamente as detenções, apelidando-as de “terríveis”.

Em mais um exemplo de discriminação, Kamal al-Khatib, vice-presidente do Movimento Islâmico do Norte, foi preso a 14 de maio, e acusado de incitamento à violência e de apoio a uma organização terrorista, devido a declarações públicas nas quais expressou orgulho na solidariedade para com as pessoas em Gaza e Jerusalém Oriental e disse que alterações ao estatuto dos lugares sagrados de Jerusalém conduziram à violência entre palestinianos e judeus.

“A falha repetida da polícia israelita em proteger palestinianos de ataques organizados por grupos armados de supremacistas judeus, e a falta de responsabilização por tais ataques, é vergonhosa e mostra o desprezo das autoridades pela vida palestiniana”, disse Molly Malekar, diretora da secção da Amnistia Internacional de Israel.

“O facto de ter sido permitido a cidadãos judeus de Israel, nomeadamente a figuras proeminentes, que incitassem, de forma explícita, à violência contra palestinianos, sem serem responsabilizados por tal ato, destaca a extensão da discriminação institucionalizada enfrentada pelos palestinianos e a necessidade urgente de proteção.”

Artigos Relacionados