30 Setembro 2009

“Esta nação esquece tudo. Esquecem as vítimas. Mas nunca vou esquecer o que me aconteceu.” – Sabiha, entrevistada pela Amnistia Internacional.

“Não sei se é possível punir este crime. Não sei se a justiça existe mesmo… Talvez noutro lugar mas não na Bósnia!” – Bakira entrevistada pela Amnistia Internacional.

Os sucessivos governos da Bósnia e Herzegovina falharam na medida em que não proporcionaram justiça a milhares de mulheres e raparigas que foram violadas sexualmente durante a guerra de 1992-1995, afirmou a Amnistia Internacional num relatório publicado a 30 de Setembro.

“Durante a guerra, milhares de mulheres e raparigas foram violadas, muitas vezes com extrema brutalidade; muitas foram mantidas em campos de prisioneiros, hotéis, casas privadas onde eram exploradas sexualmente. Muitas delas foram assassinadas,” disse Nicola Duckworth, Director do Programa da Europa e Ásia Central da Amnistia Internacional.

 “Até hoje, tem sido negada a justiça às sobreviventes destes crimes. Os responsáveis pelo seu sofrimento foram membros das forças militares, grupos paramilitares que permanecem livres e sem qualquer acusação. Alguns mantêm-se em posições de chefia ou vivem na mesma comunidade que as vítimas.”

 “O governo da Bósnia e Herzegovina tem a obrigação de garantir às vítimas de violações do Direito Internacional Humanitário e de crimes contra a humanidade, o acesso à justiça e à completa reparação a que têm direito.” 

“Para que isto aconteça, as autoridades devem assegurar investigações exaustivas que resultem em julgamento pelos crimes de guerra que representa a violência sexual no país. Sem justiça significativa e sem total e efectivas indemnizações, as vítimas continuarão a sofrer os efeitos destes crimes horríveis.”

 O relatório, Whose justice? Bosnia and Herzegovina’s women still waiting, sublinha o fracasso do sistema de justiça naquele país. Centra-se também sobre o insucesso das autoridades na atribuição de indemnizações às mulheres pelos crimes dos quais foram vítimas e pela violação dos seus direitos.

 “Muitas mulheres que sobreviveram à violência sexual durante a guerra não conseguem obter qualquer reparação devido às estruturas complexas dos sistemas de segurança social e de justiça no país. Em comparação com as vítimas de outros crimes de guerra, elas sofrem discriminação no acesso aos benefícios sociais,” disse Nicola Duckworth.

 Jasmina, sobrevivente de violência sexual durante a guerra, disse à Amnistia Internacional: “Não consigo dormir sem tomar comprimidos. Continuo a irritar-me facilmente quando as pessoas falam da guerra. Uma imagem, uma memória, um anúncio de televisão pode ser o catalisador. Não consigo aguentar… Preciso de ajuda.” 

As autoridades na Bósnia e Herzegovina falharam ao não providenciar o acesso adequado a cuidados de saúde e apoio psicológico, de que estas mulheres necessitam, que apenas é garantido por organizações não governamentais (ONG) que trabalham com recursos limitados. 

Uma Organização Não Governamental da Bósnia disse à Amnistia Internacional que a grande maioria das sobreviventes dos crimes de guerra de violência sexual não estão a receber o apoio psicológico necessário. 

Milhares de mulheres sobreviventes também perderam membros da família. Muitas não conseguem encontrar ou manter o emprego devido à sua condição psicológica. Muitas continuam sem uma fonte estável de rendimento e vivem na pobreza, impossibilitadas de comprar os medicamentos de que necessitam.

 Como a violação sexual continua a ser um assunto tabu, na maioria dos casos a mulher enfrenta estigmatização em vez do reconhecimento e da assistência vital que necessita para reconstruir a sua vida. 

“As autoridades devem trabalhar com as organizações não governamentais no desenvolvimento de uma estratégia abrangente para assegurar que as sobreviventes recebem indemnizações, incluindo pensões adequadas, assistência no acesso a emprego e os melhores cuidados de saúde possíveis. O Governo deve apoiar as sobreviventes do crime de guerra que é a violência sexual, deve dar-lhes voz para que exijam os seus direitos e para que combatam a discriminação e a estigmatização que enfrentam no seu dia-a-dia.,” afirmou Nicola Duckworth.   

O Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia foi estabelecido em 1993 para julgar as violações ao Direito Internacional Humanitário, incluindo a violência sexual.  

No entanto, o Tribunal Penal Internacional para a Jugoslávia julgou apenas um número reduzido de violações ao Direito Internacional Humanitário que tiveram lugar durante as guerras na ex-Jugoslávia. Desde Julho de 2009, o Tribunal Penal Internacional para a Jugoslávia julgou 18 casos relacionados com violência sexual na Bósnia e Herzegovina.  

A Câmara de Crimes de Guerra dos Tribunal do Estado de Bósnia e Herzegovina foi criada em 2005 para investigar e julgar crimes que não possam ser julgados pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia. Até à data apenas 12 homens foram condenados por crimes de violência sexual. 

A Amnistia Internacional apelou ao Parlamento da Bósnia e Herzegovina para prorrogar o mandato dos juízes e procuradores internacionais uma vez que ajudaram a construir o sistema judiciário do país através da sua competência, imparcialidade e independência.

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