29 Agosto 2008

Decorria o ano de 1982 quando El Salvador mergulhou num sangrento conflito interno. Maria Victoria Franco encontrava-se junto às suas duas filhas, Ernestina e Erlinda, de sete e três anos, respectivamente, quando o Exército as capturou numa operação militar. Maria Victoria nunca mais as viu, nada foi investigado e ninguém foi culpabilizado. Passaram já 25 anos sobre o seu desaparecimento.

Foi também há vinte e cinco anos que o mundo despertou para o problema dos desaparecimentos forçados e para o drama das suas famílias, no seguimento da iniciativa da Federação Latino-Americana de Associações de Familiares de Detidos-Desaparecidos, que na altura propôs o dia 30 de Agosto para Dia Internacional dos Desaparecidos. Desde então, a Amnistia Internacional e dezenas de outras organizações aproveitam este dia para recordar as vítimas e apelar ao fim dos desaparecimentos forçados.
 

Uma forte arma política
A Amnistia Internacional entende por desaparecimento forçado a detenção de alguém, pelo Estado ou pelos seus agentes, negando estes depois que a vítima esteja sob a sua custódia e ocultando o seu paradeiro. Consideramos, por isso, que é uma forma grave de violação dos Direitos Humanos e um crime que viola não apenas o direito à vida e à liberdade dos detidos, mas também os direitos dos seus familiares, que passam a viver numa angústia constante.

Os desaparecimentos forçados são prática comum em mais de 80 países, desde que as ditaduras militares latino-americanas os implementaram nos anos 70. Desde então, são particularmente utilizados em países como o Sri Lanka, a Rússia, El Salvador, Marrocos, Iraque, Tailândia, Paquistão, Bósnia, Guiné Equatorial, Egipto e Argentina. Além destes, nos últimos anos este crime chegou também ao Ocidente, tendo sido adoptado como uma forte “arma” na “guerra ao terror”.

Uma manobra de contra-terrorismo que está a ser particularmente utilizada pela Agência Central de Informações Norte-americana, conforme comprovam relatos que chegam de prisões como Guantánamo e segundo afirmou o próprio presidente George W. Bush. Em Setembro de 2006 o governante admitiu estar em curso um programa de detenção prolongada em locais secretos, não tendo os alegados “terroristas” possibilidade de contacto com o exterior ou com os seus familiares.

Tudo isto depois de, em Dezembro de 2006, as Nações Unidas terem formalmente reconhecido as detenções forçadas como crime, com a adopção da Convenção Internacional para a Protecção de Todas as Pessoas Contra os Desaparecimentos Forçados. Segundo o documento legal, este crime deve ser prevenido e, quando ocorrer, devem-se procurar os seus autores e prever compensações para as vítimas. Acrescente-se que a Convenção não entrou ainda em vigor, por falta de ratificações.

Neste Dia Internacional dos Desaparecidos destacamos dois casos recentes de desaparecimentos forçados. Com estes exemplos, a Amnistia Internacional Portugal pretende recordar as vítimas deste crime hediondo e apelar aos Estados, nomeadamente ao Português, para que ratifiquem a Convenção das Nações Unidas. Até hoje apenas quatro Estados o fizeram – a Albânia, a Argentina, as Honduras e o México –, sendo necessárias mais dezasseis ratificações para que o documento legal entre em vigor.

 

Filipinas

 altDois activistas, Luísa Posa-Dominado, porta-voz da SELDA (Sociedade pela Libertação dos Ex-Detidos, Contra a Detenção e pela Amnistia), e Nilo Arado, coordenador regional da Anakpawis (Toiling Maces), seguiam num carro em direcção a casa, depois de uma acção de campanha decorrida em Ilo Ilo, a 12 de Abril de 2007, quando um grupo de homens armados, não identificados, mandaram parar o veículo. O motorista foi ferido e os dois activistas levados. Os sequestradores envergavam roupas militares.

Os oficiais nunca chegaram a ser encontrados e os dois activistas nunca mais foram vistos. Também não se têm registado quaisquer progressos nas investigações, segundo denunciou à Amnistia Internacional a filha de Luísa Posa-Dominado, May Wan. Recorde-se que nas Filipinas continuam a ser perpetuados assassinatos por motivos políticos e desaparecimentos forçados, ao mesmo tempo que é negada justiça às testemunhas e às famílias das vítimas. Tudo isto continua a ser prática comum mesmo após a denúncia feita em 2006 pela Amnistia Internacional, quando foi lançado o relatório Philippines: Political Killings, Human Rights and the Peace Process.

Perante isto, a Amnistia Internacional relança agora a Campanha Testemunhando a Justiça – Quebrar a Corrente da Impunidade. Entre outras acções, na semana passada foi enviada uma Carta Aberta ao Presidente Filipino, assinada por diversas secções da AI, incluindo a Portuguesa, apelando a que investigue todos os casos de execuções extrajudiciais e de desaparecimentos forçados, julgando os seus autores. Para ler a Carta Aberta e saber mais informações sobre esta campanha, consulte o site oficial.

 

Chade

altIbni Oumar Mahamat Saleh, líder de um partido político da oposição e porta-voz de uma coligação política, foi levado de sua casa, na capital do Chade, N’Djaména, a 3 de Fevereiro de 2008, por membros das forças de segurança do país. A detenção ocorreu algumas horas após o Exército do Chade ter conseguido travar uma ofensiva armada feita por grupos rebeldes. Desde então, o activista político nunca mais foi visto.

O que aconteceu a Ibni Saleh é muito semelhante àquele que tem sido o destino de várias outras pessoas no Chade. Recorde-se que, em Abril de 2006 e em Novembro de 2007, vinte Chadianos, oficiais e civis de altos cargos, foram presos, desconhecendo-se desde então o seu paradeiro. A 13 de Abril de 2006 mais de 14 oficiais armados e civis foram detidos pelas forças de segurança na sequência de movimentos armados da oposição. Entre eles encontrava-se o Chefe do Estado-Maior do Exército, Abdouramane Youssouf Seid.

Até hoje, apenas um dos desaparecidos forçados chadianos voltou a aparecer. Trata-se de Haroun Mahamat Adboulaye, Sultão do departamento de Dar Tama, que foi libertado em Maio de 2008 de uma instalação de segurança em N’Djaména. Relativamente aos outros detidos, as autoridades Chadianas têm recusado divulgar qualquer informação. Os delegados da Amnistia Internacional já visitaram o país, em Maio deste ano, tendo discutido o assunto com diversos oficiais, incluindo o Primeiro-Ministro e o Ministro da Justiça. Espera-se que a situação no país venha a melhorar.

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