18 Dezembro 2014

Pela primeira vez um tribunal da Guiné-Bissau emitiu sentenças de pena efetiva pelo crime de mutilação genital feminina, com as condenações de três pessoas a três anos de prisão, num sinal de mudança de mentalidades no país em prol da erradicação daquela prática violadora dos direitos humanos de raparigas e mulheres.

“Esta sentença é uma batalha vencida. É uma vitória pelas mulheres e raparigas e é uma vitória dos direitos humanos”, congratulou-se, em entrevista à Amnistia Internacional Portugal, a presidente do Comité Nacional para o Abandono de Práticas Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança da Guiné-Bissau, Fatumata Djau Baldé.

O Tribunal Regional de Bissau emitiu esta sentença na quarta-feira, 17 de dezembro, a três pessoas dadas como responsáveis pela mutilação genital feminina de três crianças do sexo feminino, com um, cinco e sete anos de idade. A pena de prisão efetiva foi dada às mães das crianças e à pessoa que fez a excisão. O crime de mutilação genital feminina tem a pena máxima de nove anos neste país.

Fatumata Djau Baldé acredita que “esta sentença terá um efeito dissuasor, não apenas dentro da Guiné-Bissau mas também na diáspora guineense pelo mundo fora”.  “Até há cinco anos a mutilação genital feminina fazia-se por todos os cantos da Guiné-Bissau, abertamente, nas férias escolares, era a prática recorrente e aceite. Agora é feita às escondidas e um dia as pessoas que fazem isto também vão deixar de ter onde se esconder”, entende a antiga secretária de Estado da Solidariedade e do Emprego e antiga ministra dos Negócios Estrangeiros guineense.

“Mas temos a consciência de que não são as leis que vão mudar as práticas, antes a educação e a consciencialização é que conduzirão à mudança de comportamentos. São as sessões de educação, o trabalho dos órgãos de comunicação social, os programas radiofónicos de divulgação, e o que é feito pelas próprias comunidades, a passagem destes princípios nos currículos escolares, na formação dos técnicos de saúde: é este o caminho para um ganho de consciência das comunidades para abandonarem esta prática violadora dos direitos humanos”, explica Fatumata Djau Baldé.

O crime de mutilação genital feminina fora julgado já antes na Guiné-Bissau, em 2011, em Gabu (no leste do país), tendo então os arguidos sido condenados a penas suspensas. Daí para cá houve também “uma mudança de consciência no poder judicial”, nota Fatumata Djau Baldé. “A lei que criminaliza a mutilação genital feminina entrara em vigor a 6 de setembro de 2011 e 25 dias depois estava a ser violada e em julgamento. Congratulamo-nos muito por esta decisão agora, pela evolução a que se assistiu de 2011 para 2014, e sabemos que não é fácil também para os juízes tomarem decisões contra uma prática enraizada”, prossegue.

No âmbito da discussão parlamentar em Portugal em torno da criminalização autónoma da mutilação genital feminina, a Amnistia Internacional Portugal apresentou, em fevereiro de 2014, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias um conjunto de recomendações. Estima-se que a mutilação genital feminina afete 3 milhões de mulheres e raparigas todos os anos, estando Portugal identificado pela Organização Mundial de Saúde como um dos 13 países em risco na Europa.

A Amnistia Internacional tem sido uma das organizações a promover campanhas pela erradicação da mutilação genital feminina, quer a nível europeu, quer a nível mundial – tendo inclusive publicado no mês passado, em parceria com o  Conselho da Europa, um guia que visa colocar no topo da agenda política o combate à mutilação genital feminina.

 

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