“COMO SE FOSSEMOS INIMIGOS NUMA GUERRA”

O governo chinês tem levado a cabo abusos massivos e sistemáticos contra pessoas de etnias predominantemente muçulmanas na Região Autónoma Uigur de Xinjiang. O sofrimento humano tem sido imenso. Inúmeras pessoas têm sido arbitrariamente detidas ou enviadas para campos de internamento ou prisões, num sistema que faz parte de uma campanha alargada de subjugação e assimilação forçada destas minorias étnicas de Xinjiang.

Os abusos perpetrados pelo governo têm continuado, num esforço tremendo para gerir a verdade dos factos em torno das suas ações. Ao mesmo tempo que impede milhões de pessoas a viver em Xinjiang, de se expressarem livremente sobre esta situação, nega também o acesso de jornalistas e investigadores à região. Para além disso, as pessoas que vivem no estrangeiro estão frequentemente impossibilitadas de obter informações sobre familiares em Xinjiang que tenham sido ou sujeitos a desaparecimento forçado ou que, se presume, que estejam detidos.

 

XINJIANG – CONTEXTO

A Região Autónoma Uigur de Xinjiang está situada a noroeste da República Popular da China (RPC). Com 1.66 milhões de km2, Xinjiang representa aproximadamente um sexto do território total chinês e faz fronteira com oito países: Mongólia, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Afeganistão, Paquistão e Índia.

Xinjiang é uma das regiões etnicamente mais diversificadas da China e uma das cinco regiões autónomas da RPC, onde às “minorias nacionais” é garantida representação formal nos órgãos do governo regional. A autonomia destas regiões conferida pela RPC é, no entanto, amplamente simbólica. Em Xinjiang, tal como no resto da RPC, as decisões políticas de relevo são tomadas pelo Partido Comunista Chinês (PCC).

O governo da China considera Xinjiang como parte inseparável da China há milénios. Mas esta versão da história é, não só, contestada por muitos historiadores, como pelos uigures, sendo que, alguns, veem a China como uma força colonizadora e da qual desejam independência.

A região tem sido um alvo importante para a reinstalação de populações oriundas do interior da China desde 1949. Com a chegada massiva de população chinesa de etnia Han nas décadas mais recentes, outros grupos étnicos têm-se sentido crescentemente marginalizados naquela que veem como a sua terra ancestral.

 

Em 2017, numa aparente campanha intensa contra o “terrorismo”, o governo chinês começou o que se considera ser os abusos históricos contra as minorias étnicas muçulmanas em Xinjiang. Um dos objetivos do governo parece ser o de erradicar as práticas e crenças islâmicas bem como as práticas etnoculturais muçulmanas da Turquia e substituí-las com visões e comportamentos das doutrinas seculares do Estado. Em suma, o governo pretende forçar a assimilação de pessoas pertencentes a estas minorias étnicas numa nação homogénea chinesa, com idioma e cultura unificados, e uma inabalável lealdade ao Partido Comunista Chinês.

O campo de internamento parece estar a funcionar totalmente fora do sistema criminal de justiça chinês e à margem de qualquer outra lei interna. De acordo com documentos do governo e testemunhos de autoridades governamentais, aplicar um procedimento criminal seria desadequado, porque as pessoas que estão nos campos, estão lá “voluntariamente” e não são criminosas. Conforme consta nas conclusões da investigação da Amnistia Internacional (consulte o relatório),a presença nos campos não é voluntária e as condições de vida são uma afronta à dignidade humana.
Uma outra forma de repressão – e de violação dos direitos humanos – é a restrição à liberdade de movimento colocada em prática pelo governo chinês às comunidades étnicas minoritárias, que pode constituir discriminação, direta ou indiretamente, e violação dos padrões legais gerais e internacionais sobre equidade e não-discriminação.

O condicionamento à liberdade religiosa é uma outra ferramenta repressiva praticada em Xinjiang. Os muçulmanos são impedidos de praticar a sua religião. Pessoas que já estiveram detidas e outras residentes em Xinjiang entre 2017 e 2021, entrevistadas pela Amnistia internacional descreveram o ambiente como hostil à prática do Islão. Na altura em que estas pessoas deixaram a China, nenhuma se sentia confortável a mostrar símbolos de prática religiosa e todos acreditavam que se o fizessem seriam detidos ou levados para um campo. De acordo com estas testemunhas, várias práticas islâmicas consideradas como essenciais para a sua religião e que não eram explicitamente proibidas por lei em Xinjiang, são agora, efetivamente, proibidas. Os muçulmanos são impedidos de rezar, de ir às mesquitas, ensinar religião, vestir indumentária religiosa, e de atribuir às crianças nomes que possam ter alguma ligação islâmica.

NOTÍCIAS SOBRE DETIDOS EM XINJIANG

 

Investigação Amnistia

 

Desde 2017 tem havido cada vez mais documentação sobre a repressão da China contra uigures, cazaques e outras minorias étnicas predominantemente muçulmanas de Xinjiang.

Em 2021, o relatório da Amnistia Internacional resultante de uma investigação de dois anos sobre estes abusos, demonstrou que as prisões em massa, a tortura e as perseguições sistemáticas planeadas pelo Estado – perpetradas pelas autoridades chinesas – eram crimes contra a humanidade.

Este relatório compreendeu a análise de informação proveniente da recolha de testemunhos em primeira-mão recolhidos junto de ex-detidos em campos de internamento e de outras pessoas que estiveram em Xinjiang desde 2017, assim como da análise de imagens de satélite e outras.

A investigação da Amnistia Internacional sobre Xinjiang constitui o apuramento mais completo e abrangente de sempre sobre a vida nos campos de internamento. As provas que a Amnistia reuniu proporcionam uma base factual para a conclusão de que o governo da China cometeu pelo menos os seguintes crimes contra a humanidade: detenções arbitrárias, tortura e perseguição.

O relatório completo conta a história de mais de 60 casos de pessoas alvo de desaparecimento forçado ou que foram detidas e mais tarde  libertadas.

A maior parte das pessoas entrevistadas pela equipa de investigação da Amnistia Internacional, nunca tinha falado publicamente sobre aquilo que vivenciou.

Estes testemunhos representam assim uma parte significativa de todos os testemunhos públicos recolhidos desde 2017 sobre a situação existente dentro dos campos de internamento.

RELATÓRIO EM INGLÊS

 

 

Pessoas desaparecidas e detidas

Imagine que era arbitrariamente detido num campo de internamento ou sentenciado a uma pena de anos de prisão apenas …

…pela sua etnia;

…por ter viajado, vivido ou estudado no estrangeiro;

….pelo número de filhos que tem;

…pela sua religião;

…por ter WhatsApp no telemóvel;

…ou pelas suas chamadas que realizou a pessoas amigas e da família que vivem no estrangeiro.

 

Esta é a realidade para um grande número de pessoas predominantemente muçulmanas – provavelmente 1 milhão ou mais – detidas em Xinjiang desde 2017. Muitas têm sido arbitrariamente detidas por aquilo que parecem ser os padrões normais e dentro da conduta legal.

Conheça algumas das suas histórias e junte-se a nós na luta contra esta injustiça.

 

As autoridades chinesas estão à procura de qualquer motivo para te condenar

Familiar de uma pessoa detida

As minorias étnicas que vivem em Xinjiang há muito que enfrentam discriminação e perseguição. Muitas atividades absolutamente dentro da lei e as quais tomamos como certas, em Xinjiang podem ser consideradas suficientes para se ser enviado para um campo de internamento ou uma prisão, onde os detidos estão sujeitos, entre outras formas de maus tratos, a uma implacável campanha de doutrinação, tortura física e psicológica.

Diga ao Presidente Xi Jinping que liberte imediatamente todas as pessoas arbitrariamente detidas em campos de internamento e em prisões em Xinjiang. Faça o seu tweet agora e partilhe com os seus amigos, família e contactos!

AGIR AGORA!

 

 

Vigilância abusiva e detenções arbitrárias

 

Longe de ser uma resposta legítima à pressuposta ameaça de “terrorismo”, a campanha do governo chinês evidencia uma clara intenção de controlar a população de Xinjiang com base na religião e etnia e de fazer uso de violência severa e de intimidação para erradicar as crenças religiosas islâmicas e as práticas muçulmanas de origem turca, fazendo cumprir uma agenda de doutrinação política. Com este propósito, o governo concretizou uma campanha de detenções arbitrárias em massa, com o propósito de enviar estes homens e mulheres para o que o chama de centros de “treino” ou de “educação”, mais vulgarmente conhecidos como campos de internamento.

Direitos humanos violados

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Esta campanha de subjugação e assimilação forçada a que são submetidas as minorias étnicas muçulmanas em Xinjiang, viola vários direitos humanos, entre os quais:

  • O direito à liberdade e à segurança;
  • O direito à privacidade;
  • O direito à liberdade de movimento;
  • O direito à liberdade de opinião e expressão;
  • O direito ao pensamento livre, de consciência, religião e crenças;
  • O direito a participar na vida cultural;
  • O direito à equidade e à não-discriminação.

Estas violações são perpetradas a uma tal escala, e de forma tão sistemática, que se tornaram numa inexorável condicionante para as vidas de milhões de pessoas pertencentes a minorias étnicas predominantemente muçulmanas em Xinjiang.

 

As pessoas entrevistadas no âmbito da investigação da Amnistia Internacional, disseram que os motivos que lhes foram apresentados como justificação para as suas detenções não estavam ligadas a ações específicas, mas porque foram classificados como “suspeitos”, “duvidosos”, “terroristas” ou “extremistas”. Quando ações específicas eram mencionadas, normalmente eram bastante vagas e cabiam em categorias abrangentes.

  1. Uma categoria inclui ofensas relacionadas com países estrangeiros. Vários antigos detidos foram presos por viver, viajar, estudar, ou falar com pessoas no estrangeiro. Muitas foram inclusivamente detidas por estarem “ligadas” a pessoas que tinham alguma relação ao estrangeiro.
  2. Outra categoria inclui aqueles que foram detidos por ofensas relacionadas com a utilização de software ou de tecnologias de comunicação digital não autorizadas. Muitos foram detidos por terem aplicações proibidas nos seus telemóveis.
  3. Uma outra prática frequente é aquela que inclui qualquer coisa relacionada com a religião. Várias pessoas entrevistadas foram enviadas para os campos pelas suas crenças ou práticas islâmicas, incluindo trabalhar numa mesquita, orar, ter um tapete de oração ou ter uma imagem ou vídeo com um tema religioso.

 

Analisadas em conjunto com outros testemunhos e provas documentais reunidas por jornalistas e outras organizações, as provas que a Amnistia recolheu demonstram que as pessoas pertencentes a minorias étnicas muçulmanas em Xinjiang foram frequentemente detidas no contexto daquilo que é considerado “culpa por associação”. Muitos foram internados em consequência das suas relações ou alegadas relações, com família, amigos ou membros da comunidade – muitos, se não a maioria dos quais, inocentes de qualquer ofensa criminal internacionalmente reconhecida.

 

As provas que a Amnistia Internacional reuniu providenciam uma base factual para a conclusão de que o governo chinês cometeu pelo menos os seguintes crimes contra a humanidade: prisão ou outras privações graves de liberdade física violando as regras fundamentais da lei internacional; tortura; e perseguição.

 

O governo da China pôs em prática outras políticas de grande impacto para restringir gravemente o comportamento de todos os membros de grupos étnicos predominantemente muçulmanos, incluindo aqueles que nunca chegaram a ser enviados para um campo ou prisão. A eficácia e escala tremenda da campanha do governo deve-se ao uso, sem precedentes, de tecnologia de vigilância, associada à sua capacidade de colocar grande parte da população desta região a concretizar os seus objetivos. O governo confia numa operação que combina vigilância pessoal e eletrónica desenhada para garantir que o comportamento das minorias étnicas é continuamente monitorizado e avaliado. Um governo omnipresente e controlador, forças de segurança violentas e um sistema legal não-independente agem no sentido da vigilância e reforçam políticas de violação de direitos.
Os muçulmanos a viver em Xinjiang são provavelmente a população mais vigiada do mundo. O governo da China empenhou recursos tremendos para reunir informação incrivelmente detalhada sobre suas as vidas. Esta vigilância massiva e sistematizada é conseguida através da combinação de políticas e práticas que violam os direitos das pessoas à privacidade, à liberdade de movimento e de expressão. De acordo com os testemunhos de pessoas que já residiram em Xinjiang, o sistema de vigilância envolve uma monitorização pessoal e eletrónica extensa e invasiva, através de:

  • Recolha de dados biométricos, incluindo a captura de imagem da íris e do rosto;
  • Entrevistas invasivas por oficiais do governo;
  • Buscas regulares e interrogatórios por forças de segurança;
  • Estadias em casa das pessoas por parte de funcionários do governo com o intuito de viver com famílias de minorias étnicas;
  • Uma rede omnipresente de câmaras de vigilância, incluindo de reconhecimento facial;
  • Uma vasta rede de postos conhecidos como “estações de polícia de conveniência”;
  • Acesso sem restrições aos aparelhos de comunicação pessoal das pessoas e ao seu histórico financeiro.

 

Esta operação permite que as autoridades constituam um registo aprofundado de uma vasta quantidade de informação pessoal – em tempo real – as comunicações, deslocações, ações e comportamentos das populações étnicas minoritárias em Xinjiang.
 

“Quando comprei o bilhete para o comboio, eles não confirmaram nada, mas aos Uigures sentados ao meu lado, controlaram bilhetes e telefones… Quando cheguei à estação havia duas filas [de segurança], uma para Uigures e outra para pessoas Han sem reconhecimento facial, apenas com um detetor de metais. A linha para os uigures era muito longa… enquanto que eu pude apenas passar…”

 

Os muçulmanos em Xinjiang não se podem deslocar livremente. O governo permite apenas que viajem dentro de Xinjiang ou dentro da China. O governo torna extremamente difícil – ou mesmo impossível – que estas pessoas, particularmente Uigures, viajem para o estrangeiro. Todas as pessoas pertencentes a esta comunidade em Xinjiang foram forçadas a entregar os seus passaportes entre 2016 e 2017. Muito poucas pessoas os reaveram.

São centenas de milhares – possivelmente um milhão ou mais – que, desde 2017, já foram enviados para campos de internamento. Alguns campos foram criados em antigas escolas ou outros edifícios estatais reutilizados para o novo propósito de alojar os detidos e prevenir fugas. Em 2018, os detidos que estavam nos campos iniciais foram transferidos para complexos de maior dimensão, construídos com esse o propósito.

 

“Eu estava ali… A polícia tirava as pessoas das suas casas… com as mãos presas atrás das costas com algemas… E punham-lhes capuzes pretos… Ninguém conseguia escapar. Imagina se de repente um grupo [policial] entrasse [na tua casa], te algemasse e te pusesse [um capuz preto] na cabeça… É muito triste… [Mais tarde] Chorei… Naquela noite fizeram 60 detenções… E foi apenas num bairro [de muitos onde as pessoas estavam a ser detidas]… Todos os dias prendiam mais pessoas.”

 

 

A vida nos campos de internamento

Nos campos de internamento, todos os detidos foram sujeitos a uma doutrinação sem cessar assim como a tortura física e psicológica e outras formas de maus-tratos.
Desde o momento em que entraram no campo, passaram a viver de forma extremamente regimentada. Foi-lhes retirada a autonomia pessoal, e todos os aspetos das suas vidas passaram a ser ditados. Quem se desviou da conduta prescrita pelas autoridades do campo – incluindo desvios que parecem ser inócuos – foram repreendidos e castigados fisicamente, frequentemente com os seus companheiros de cela.

Os detidos não tinham privacidade. Eram monitorizados a todo o momento, incluindo quando comem, dormem e usam a casa de banho. Eram proibidos de falar com outros detidos. Quando os detidos tinham autorização para falar – com outros detidos, guardas ou professores – era-lhes exigido que falassem em mandarim, uma língua que, para muitos deles, especialmente para as pessoas com mais idade, não falavam ou compreendiam. Os detidos eram fisicamente castigados por falar outra língua que não o mandarim.

Todos os detidos tinham que “trabalhar”, em turnos de uma ou duas horas com os seus companheiros de cela, todas as noites. Muitos ex-detidos reportaram terem sido obrigados, sobretudo nos primeiros dias e semanas, às vezes meses, a estar sentados sem se mexer, frequentemente em posições terríveis – todo o dia.

A dado momento após a sua chegada, todos os detidos eram sujeitos a aulas altamente regulamentadas. O horário habitual incluía três ou quatro horas de aulas após o pequeno-almoço. Depois almoçavam e faziam um pequeno momento de “descanso”, que incluía estarem sentados num banco ou com as cabeças nas secretárias. Depois de almoço tinham mais três ou quatro horas de aulas e depois o jantar, seguido de algumas horas para sentar ou ajoelhar-se e silenciosamente “rever” o material do dia ou assistir a mais vídeos “educativos”. Durante as aulas era-lhes dito para olhar sempre em frente e não falar com os colegas. As aulas incluíam frequentemente a memorização e a entoação de canções “vermelhas” – ou seja, canções revolucionárias que enaltecem o Partido Comunista Chinês e a República Popular da China.

Ensinar chinês era o objetivo primordial da “educação” que os detidos recebiam nos campos. Além das aulas de idioma, a maior parte dos detidos reportou que assistiram a aulas que combinavam história, lei e ideologia ou, como muitos indicaram, aulas de “educação política”. Estas aulas focavam-se sobretudo em doutrinar de forma forçada os detidos sobre “os males” do Islão e sobre o quão próspera, poderosa e benevolente é a China, o Partido Comunista Chinês e o Presidente Xi Jiping.

 

“Penso que o propósito [das aulas] era o de destruir a nossa religião e de nos assimilar… Disseram que não podíamos dizer ‘as-salamu alaykum’ e que se nos perguntassem sobre a nossa etnia que deveríamos responder ‘chinesa’… Disseram que não podia ir às orações de sexta-feira… E que não era Alá que nos tinha dado tudo, mas sim Xi Jiping. Que eu não deveria agradecer a Alá, mas a Xi Jiping.”

Yerulan, ex-detido.

 

Os detidos eram questionados ou interrogados regularmente. Era-lhes também pedido que escrevessem cartas de “confissão” ou de “autocrítica”. Além de confessarem os seus “crimes”, a autocrítica compreendia a descrição daquilo que o detido tinha feito de “errado”, explicando que a educação que estavam a receber lhes permitia reconhecer o que fizeram de “errado” e de “transformar” a sua maneira de pensar, expressando gratidão pela educação do governo, e prometendo não retomar os seus antigos hábitos.

Todos os ex-detidos entrevistados pela Amnistia Internacional foram torturados ou sujeitos a tratamentos ou castigos cruéis, desumanos e degradantes durante o seu internamento. A tortura e os maus-tratos que os detidos experienciam dentro dos campos de internamento seguem, em geral, duas categorias.

Uma delas inclui tortura física e outros maus tratos vivenciados por todos os detidos em resultado de efeitos cumulativos ao longo da vida quotidiana nos campos, durante interrogatórios ou em castigos por “mau-comportamento”, tais como:

  • ser obrigado a sentar, ajoelhar ou ficar em posições exigentes durante horas, todos os dias;
  • privação de sono;
  • escassez de comida, água, exercício, cuidados de saúde, de salubridade e de higiene, ar puro e exposição à luz natural;
  • espancamentos;
  • choques elétricos;
  • posições de stress;
  • estar preso a uma parede;
  • estar sujeito a temperaturas extremamente frias.

 

A segunda, inclui o abuso psicológico que foi concretizado com recurso a:

  • “reeducação” sob ameaça de castigo grave;
  • não saber quando é que a detenção iria terminar;
  • estar impedido de comunicar livremente com a família ou com qualquer pessoa fora do campo;
  • não poder falar na língua mãe;
  • viver sob a ameaça constante de violência ou outros abusos;
  • ser sujeito a ver e ouvir outros detidos a serem torturados ou a serem vítimas de maus-tratos.

A combinação destes tratamentos físicos e não-físicos, juntamente com a total perda de controlo e de autonomia pessoal nos campos, tem um impacto de sofrimento mental e físico grave que constitui tortura e tratamentos cruéis, desumanos e degradantes.

Os testemunhos recolhidos pela Amnistia Internacional reportam um padrão consistente de tratamento praticado pelas autoridades dos campos de internamento, que reflete padrões de tortura e outros maus-tratos que as forças de segurança chinesas levaram a cabo em Xinjiang e outras regiões da China ao longo de décadas.

 

Mansur, um agricultor, descreveu como foi torturado várias vezes em dois campos durante o período da sua detenção – durante os interrogatórios e em sessões de castigo:

“Dois guardas levaram-me da cela e deixaram-me ali [na sala onde fui interrogado]. [Perguntaram o que eu fazia no Cazaquistão] ‘Rezavas lá? O que faziam os teus pais?’ Eu disse que ficava apenas com a minha família, que cuidava dos animais, e que não fazia nada de ilegal… perguntaram-me sobre a mesquita e oração… Se eu lhes dissesse que rezava, tinha ouvido dizer que isso dava uma sentença de 20 ou 25 anos… Então disse-lhes que nunca rezava. Ficaram aborrecidos. ‘Todo aquele tempo com os animais, e tornaste-te tu também num animal!’ E então bateram-me com uma cadeira até se partir… Caí no chão. Quase desmaiei… E então puseram-me na cadeira novamente. Disseram, ‘este tipo ainda não mudou, tem de ficar [no campo] mais tempo’”.  

AGIR AGORA!

 

 

O apelo

 

O governo da China tem de fechar imediatamente os campos de internamento e libertar todas as pessoas detidas em campos de internamento ou outras instalações de detenção – incluindo prisões – em Xinjiang, a menos que haja provas suficientemente credíveis e admissíveis de que cometeram um crime internacionalmente reconhecido. O governo tem de revogar ou retificar todas as leis e regulamentações, e terminar todas as políticas e medidas práticas que abusivamente restringem os direitos humanos de uigures, cazaques, e outros membros de grupos étnicos muçulmanos, incluindo o direito a livremente deixar e regressar à China e de escolher e praticar a sua religião.

Uma investigação independente e eficaz aos alegados crimes contra a humanidade e outras violações graves de direitos humanos documentadas neste relatório é necessária. Todos aqueles de quem se suspeita que possam ter responsabilidade criminal devem ser levados à justiça em julgamentos justos. Em particular, o Conselho para os Direitos Humanos nas Nações Unidas e a Assembleia Geral das Nações Unidas têm de estabelecer um mecanismo internacional independente para investigar estes crimes e outras violações graves de direitos humanos ao abrigo da lei internacional, com vista a garantir a responsabilização dos suspeitos perpetradores.

AGIR AGORA!