3 Setembro 2025

 

  • Vídeos e testemunhas revelam que 46 mulheres e homens drusos foram mortos deliberadamente e à margem da lei
  • Execuções extrajudiciais foram levadas a cabo por forças governamentais e outras leais ao governo, com uniformes militares e de segurança, alguns deles com insígnias oficiais
  • Execuções tiveram lugar numa praça pública, habitações, numa escola, num hospital e num salão cerimonial na província de Sueida
  • A Amnistia Internacional insta o governo sírio a deter os membros das forças militares e de segurança responsáveis pelas execuções extrajudiciais das 46 mulheres e homens drusos

 

A Amnistia Internacional juntou novas provas documentais que revelam que forças governamentais e outras leais ao governo foram responsáveis pelas execuções extrajudiciais de pessoas drusas a 15 e 16 de julho, em Sueida (no original, As-Suwayda ou Sweida). Entre estas provas, contam-se vídeos verificados de homens armados em uniformes militares e das forças de segurança, alguns deles com insígnias oficiais, a executar pessoas desarmadas nas suas casas, numa praça pública, numa escola e num hospital. A 31 de julho, o ministro da Justiça criou um comité para investigar os acontecimentos que ocorreram em Sueida e deter os seus responsáveis.

“Quando forças de segurança ou militares, deliberadamente e à margem da lei, matam alguém, ou quando forças afiliadas o fazem, com a cumplicidade ou a concordância do governo, isso constitui uma execução extrajudicial, que é um crime ao abrigo da lei internacional. O governo sírio deve investigar essas execuções de forma rápida, independente, imparcial e transparente, e responsabilizar os perpetradores em processos justos, sem recorrer à pena de morte”, disse Diana Semaan, investigadora da Amnistia Internacional para a Síria.

“O governo sírio deve investigar essas execuções de forma rápida, independente, imparcial e transparente, e responsabilizar os perpetradores em processos justos, sem recorrer à pena de morte”

Diana Semann

“As terríveis violações dos direitos humanos em Sueida são mais um lembrete sombrio das consequências mortais da impunidade dos assassinatos por motivos sectários na Síria, que encorajou o governo e as forças afiliadas a matar sem medo de serem responsabilizados. Após os assassinatos ilegais de centenas de civis da minoria alauita e a contínua ausência de justiça, esta violência contra membros da minoria drusa deixa outra comunidade devastada, alimenta mais agitação e mina a confiança de que o governo irá, de forma credível, proporcionar verdade, justiça e reparações a todos aqueles no país que sofreram décadas de crimes ao abrigo do direito internacional e outras graves violações dos direitos humanos”.

Entre 11 e 12 de julho, as tensões aumentaram no sul da Síria entre grupos armados drusos e combatentes tribais beduínos, levando a confrontos armados. A 15 de julho, as forças governamentais afirmaram ter entrado na cidade de Sueida para “restaurar a estabilidade” e impuseram o recolher obrigatório. No mesmo dia, Israel lançou ataques aéreos contra veículos militares sírios, matando pelo menos 15 membros das forças governamentais. Relatos emergentes de violações dos direitos humanos por parte do governo e forças afiliadas em Sueida desencadearam novos combates com grupos armados drusos, levando a uma escalada significativa da violência, que terminou com a retirada das forças governamentais na madrugada de 16 de julho.

A Amnistia Internacional documentou o tiroteio e o assassinato de 46 pessoas drusas (44 homens e duas mulheres), assim como a execução simulada de duas pessoas idosas, a 15 e 16 de julho. Estas execuções pelas forças governamentais e afiliadas ao governo ocorreram numa praça pública, em residências, numa escola, num hospital e num salão cerimonial na província de Sueida.

Amnistia Internacional documentou o assassinato de 46 pessoas drusas, assim como a execução simulada de duas pessoas idosas

Nos dias em que essas execuções extrajudiciais foram cometidas, homens armados em Sueida dirigiram slogans sectários a membros da comunidade drusa e submeteram homens religiosos a tratamentos humilhantes, como o barbear forçado dos seus bigodes, que são culturalmente significativos.

A Amnistia Internacional entrevistou 13 pessoas em Sueida e duas pessoas daquela localidade que vivem no exterior. Entre os 15 entrevistados, oito tinham familiares que foram assassinados, um dos quais testemunhou as execuções dos seus familiares e outro as execuções de um grupo de pessoas em primeira mão. Cinco entrevistados visitaram locais de execução separados e viram os corpos dos seus familiares e de outras pessoas. Os pais de uma mulher foram sujeitos a uma execução simulada e dois outros entrevistados foram detidos com as suas famílias e ameaçados à mão armada enquanto homens armados em uniforme militar revistavam a sua casa.

O Evidence Lab, a equipa de investigações digitais da Amnistia Internacional, verificou 22 vídeos e fotos partilhados com os seus investigadores ou publicados nas redes sociais entre 15 de julho e 10 de agosto e realizou análises de armas. A Amnistia Internacional também recolheu depoimentos de testemunhas e familiares das pessoas que foram executadas ou cujos corpos eram visíveis nos vídeos. A organização também analisou fotos e vídeos tirados em Sueida e arredores entre 14 e 17 de julho de 2025 e publicados pelos meios de comunicação social.

A Amnistia Internacional recebeu ainda relatos fiáveis de sequestros cometidos por grupos armados drusos e combatentes tribais beduínos entre 17 e 19 de julho. A organização está atualmente a investigar esses relatos.

A 12 de agosto, a Amnistia Internacional escreveu aos ministros do Interior e da Defesa da Síria, partilhando as suas conclusões preliminares e solicitando informações sobre o andamento da investigação do governo sobre os eventos, incluindo o papel das forças estatais, as medidas tomadas para responsabilizar os perpetradores e as medidas tomadas antes, durante e após os combates para proteger as pessoas de violações e abusos. Nenhuma resposta havia sido recebida até o momento da publicação desta notícia.

Enviados para “proteger”

Todas as 46 execuções extrajudiciais documentadas pela Amnistia Internacional ocorreram na cidade de Sueida ou nos seus arredores, nos dias 15 e 16 de julho, após as forças governamentais terem entrado na cidade e declarado um recolher obrigatório, e antes da sua retirada.

O ministro da Defesa sírio disse, a 22 de julho passado, estar ciente “violações chocantes e graves cometidas por um grupo desconhecido que vestia uniformes militares na cidade de Sueida”.

A 22 de julho, o ministro da Defesa afirmou estar ciente das “violações chocantes e graves cometidas por um grupo desconhecido que vestia uniformes militares na cidade de Sueida”. Dois meses antes, a 23 de maio, o ministro da Defesa anunciou que os maiores grupos armados anteriormente ativos na Síria tinham sido integrados no exército sírio e deu aos restantes grupos, mais pequenos, um prazo de 10 dias para se submeterem ou enfrentarem uma resposta severa.

De acordo com as provas compiladas pela Amnistia Internacional, os homens envolvidos na execução das mortes usavam vários tipos de vestuário: uniformes militares identificáveis pelo padrão camuflado ou pela cor bege ou verde-oliva, roupas civis com coletes de estilo militar e uniformes pretos sem insígnias, semelhantes aos usados pelas forças de segurança oficiais – alguns dos quais ostentavam a insígnia “Segurança Geral”.

A maioria dos homens armados com uniformes militares e de segurança visíveis nos vídeos e imagens verificados pela Amnistia Internacional não usava insígnias identificáveis. No entanto, a Amnistia Internacional verificou vídeos que mostravam homens armados de uniforme, sem insígnias, a conduzir camiões claramente marcados com o logótipo do Ministério do Interior, e vídeos que mostravam homens armados a usar uniformes diferentes, alguns sem e outros com insígnias governamentais claras, a trabalhar em conjunto imediatamente antes de uma execução no hospital nacional.

Pelo menos quatro homens armados em uniformes militares que apareceram em vídeos verificados pela organização usavam um emblema preto com a declaração de fé islâmica, um símbolo comumente associado ao Estado Islâmico (EI). No entanto, o EI não reivindicou a responsabilidade nem comentou os ataques em Sueida. Três desses combatentes, incluindo um que usava um uniforme preto liso, foram filmados a trabalhar ao lado de membros das forças de segurança sírias. A Amnistia Internacional também encontrou duas fotos, de maio e janeiro de 2025, nas quais membros das forças militares e de segurança sírias aparecem a usar o mesmo emblema.

“Em vez de temerem a justiça, homens em uniformes militares e de segurança, e outros homens afiliados filmaram-se a executar pessoas em Sueida. Uma investigação independente e imparcial é crucial para identificar os perpetradores, responsabilizá-los e combater a impunidade”, disse Diana Semana.

“Uma investigação independente e imparcial é crucial para identificar os perpetradores, responsabilizá-los e combater a impunidade”

Diana Semaan

Execuções filmadas por homens armados

Vídeos verificados pelo Laboratório de Provas da Amnistia Internacional mostram homens armados em uniformes militares a executar pelo menos 12 homens a tiro – um numa escola, oito numa praça pública e três num apartamento residencial. A organização entrevistou parentes próximos e residentes para confirmar as suas identidades.

Um vídeo mostrava, pelo menos, oito homens em uniformes militares armados com espingardas do tipo AK dentro de um apartamento residencial. Dispararam contra três homens da família al-Arnous enquanto os forçavam a saltar da varanda. Um familiar das vítimas disse à Amnistia Internacional que o incidente ocorreu a 16 de julho e que um quarto membro da família, Bashar al-Arnous, que não aparece no vídeo, foi executado no mesmo dia. O seu corpo foi encontrado com três tiros no peito, cabeça e estômago, a cerca de 12 metros dos corpos dos seus dois filhos adultos e do seu sobrinho adulto. O edifício residencial está localizado a, aproximadamente, 150 metros do edifício da Polícia Militar, que as forças governamentais tomaram quando entraram na cidade de Sueida, a 15 de julho.

Um vídeo verificado, filmado por um dos perpetradores, mostra oito homens vestidos com roupas civis rodeados por homens armados. Os homens são escoltados por uma estrada que leva à praça por, pelo menos, 12 homens armados com espingardas do tipo AK e que vestiam uniformes militares com diferentes insígnias ou equipamento tático. Um dos homens armados usava um uniforme preto liso.

Dois outros vídeos mostram os oito homens ajoelhados na praça Tishreen com as mãos na cabeça. Os homens armados gritam com os homens antes de abrir fogo – ouvem-se vários fuzis a disparar continuamente por mais de 15 segundos. A análise das sombras indica que os vídeos foram filmados por volta das 7h00. Uma testemunha disse à Amnistia Internacional que, a 16 de julho, entre as 6h00 e as 7h00, viu homens armados em uniformes militares a disparar contra vários homens que estavam ajoelhados na praça. A organização verificou outros vídeos, corroborados pela testemunha, que mostram forças governamentais e forças afiliadas ao governo na praça Tishreen e arredores, a 16 de julho.

Outro vídeo verificado mostra um homem em roupas civis sentado na entrada de uma escola pública na aldeia de Tha’la, na zona rural de Sueida, a ser interrogado por três homens armados em uniformes militares, armados com variantes do padrão AK, incluindo pelo menos um AKM. No vídeo, os homens armados perguntam-lhe se ele é “muçulmano ou druso”. O homem responde que é sírio. Quando um deles pergunta novamente, o homem responde que é druso, levando os homens armados a disparar sobre ele. Três pessoas da aldeia de Tha’la disseram à Amnistia Internacional que a execução do homem na escola pública ocorreu a 15 de julho e que homens armados em uniformes militares com várias estampas e homens em uniformes pretos lisos com insígnias da Segurança Geral entraram na aldeia com maquinaria pesada, incluindo tanques, no início daquele dia.

Os homens armados perguntam-lhe se ele é “muçulmano ou druso”. O homem responde que é sírio. Quando um deles pergunta novamente, o homem responde que é druso, levando os homens armados a disparar sobre ele

“Eles mataram-nos a sangue-frio”

Uma mulher recordou como ela e outras famílias pensavam que, como civis, estariam a salvo. “Em vez disso, mataram-nos a sangue-frio”, disse ela. Descreveu ainda como tinham visto tanques a ir e vir na vizinhança durante todo o dia antes de três homens armados vestidos com uniformes militares bege e armados baterem à sua porta: “Um deles disse: «Abram a porta, vocês estão a salvo». O meu irmão abriu imediatamente a porta… e recebeu-os… Eles revistaram a casa. Levaram [todos] os homens para um prédio inacabado ao lado da nossa casa… [Então] ouvi os tiros. Espreitei pela porta. Vi os dois soldados, não vi o terceiro…”

A mulher disse que um dos soldados a viu a espreitar e disparou sobre ela. Os homens não voltaram naquela noite: “No dia seguinte, quando as forças governamentais partiram, acordámos com o som de gritos. Os nossos vizinhos encontraram os homens mortos no edifício inacabado [ao lado].”

No mesmo dia, 16 de julho, numa residência perto da praça Tishreen, homens armados vestindo uniformes militares dispararam sobre num homem de 70 anos em cadeira de rodas, juntamente com dois dos seus parentes, de acordo com um familiar próximo.

A 15 de julho, um pai que decidiu mudar a sua família para o campo, devido aos relatos crescentes de que homens drusos estavam a ser executados, descreveu como os seus três filhos e três sobrinhos foram mortos a tiro num posto de controlo guarnecido por dois homens vestidos com uniformes pretos. Ele e a sua esposa iam à frente num carro, enquanto o seu filho os seguia noutro carro, acompanhado pelos seus dois irmãos e três primos.

“As forças de segurança perguntaram-me se o carro atrás estava comigo. Eu disse que sim. Os dois agentes dirigiram-se então para o carro do meu filho. Eu observei pelo espelho retrovisor. Vi o meu filho sorrir para eles e dizer salam aalykom[que a paz esteja convosco]. Um dos agentes recuou, retribuiu a saudação e, de repente, abriu fogo – assim, sem mais nem menos. Então, o segundo agente também começou a disparar. O que mais me magoou foi ver o corpo do meu filho a dançar enquanto as balas o perfuravam”, relatou o pai.

“Vi o meu filho sorrir para eles e dizer ‘salam aalykom’ [que a paz esteja convosco]. Um dos agentes recuou, retribuiu a saudação e, de repente, abriu fogo – assim, sem mais nem menos”

Um pai

A Amnistia Internacional verificou imagens do local após o incidente, que mostram um carro sedan com janelas estilhaçadas e pelo menos 60 marcas de projéteis disparados de dois ângulos diferentes.

Execução no hospital

A Amnistia Internacional também documentou a execução de um profissional de saúde num hospital em Sueida por homens armados em uniformes militares, na presença de outros homens armados e de um membro da Segurança Geral.

Imagens verificadas de câmaras de vigilância mostram, pelo menos, 15 homens armados na entrada do hospital, a 16 de julho. Doze deles vestem uniformes militares, dois dos quais com emblemas pretos com a declaração de fé islâmica. Três vestem uniformes da Segurança Geral. Outros três estão vestidos à civil.

Um vídeo, com data e hora registadas às 15h24 do dia 16 de julho, mostra sete homens armados, alguns vistos no vídeo anterior, incluindo aquele que usa o uniforme da Segurança Geral e outro que usa o emblema com a declaração de fé islâmica, a entrar no átrio do hospital. Reúnem, pelo menos, 38 pessoas, a maioria com batas médicas, e obrigam-nas a ajoelhar-se com as mãos para cima.

Um profissional de saúde, Mohammed Rafiq al-Bahsas, parece tentar dialogar com os homens armados, mas, aparentemente sob as ordens do homem de uniforme preto, é retirado do grupo, golpeado na cabeça e derrubado, ficando deitado no chão e cercado por homens armados. Al-Bahsas parece implorar pela sua vida, levantando as mãos. Um homem armado com uniforme militar pega numa espingarda e dispara duas vezes à queima-roupa. É imediatamente baleado com uma pistola por outro homem, também com uniforme militar. Vinte e sete segundos depois, outro homem armado com uniforme militar arrasta o corpo de Al-Bahsas para longe.

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