21 Janeiro 2016

O ataque do governo turco a cidades e bairros curdos, que inclui toques de recolher obrigatório ininterruptos e cortes em alguns serviços, está a colocar em risco a vida de mais de 200.000 pessoas e constitui um castigo coletivo, avalia a Amnistia Internacional no lançamento de mais uma investigação.

As pesquisas desenvolvidas no terreno, em zonas sob recolher obrigatório, e os relatos de residentes de áreas atualmente inacessíveis a observadores externos, revelam as dificuldades extremas vividas pelas populações face às duras e arbitrárias medidas impostas pelo governo.

Muitos relatos dão conta que as forças de segurança estão a impedir as ambulâncias de entrarem nas zonas sob recolher obrigatório e os doentes de receberem tratamento.

“Os cortes no fornecimento de água e de eletricidade, juntamente com os perigos inerentes a tentar aceder a alimentação ou a cuidados médicos debaixo de fogo, estão a ter um efeito devastador nos residentes e a situação tende a piorar, rapidamente, se nada for feito”, alerta o diretor da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central, John Dalhuisen.  

“Em algumas zonas foram impostos toques de recolher obrigatório incapacitantes, que não permitem às pessoas deixarem as suas casas e estão em vigor há mais de um mês, o que na verdade coloca bairros inteiros sob cerco”, continua o perito. “É urgente que as autoridades turcas assegurem que os moradores afetados podem aceder a alimentação e a serviços essenciais”, insta.

Uma testemunha contou à Amnistia Internacional que um parente seu, residente em Silopi, foi assassinado na própria casa quando os confrontos aconteceram no seu bairro. A família teve de ficar com o corpo em decomposição em casa durante 12 dias. Só então foi recolhido para ser enterrado”.

Outro morador do mesmo distrito disse à Amnistia Internacional que no último mês ele e a sua família não tiveram acesso a água durante 20 dias e a eletricidade durante 15 dias. Não puderam tomar banho durante duas semanas e tiveram de racionar a água que bebiam. Na semana passada o fornecimento voltou de forma inesperada e tem estado intermitente.

Os toques de recolher obrigatório têm sido impostos no seguimento de operações policiais e, cada vez mais, pelos militares. Acontecem em cidades e localidades na zona leste e sudeste da Turquia desde julho de 2015, quando o processo de paz entre o governo e o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) fracassou.

Relatos dão conta de mais de 150 moradores assassinados nas zonas sob recolher obrigatório, quando as forças estatais procuram combater o Movimento da Juventude Patriótica Revolucionária (YDGH), a fação jovem do PKK. Mulheres, crianças e idosos estão entre os mortos.

A 13 de janeiro, a explosão de um carro armadilhado colocado frente à sede da polícia de Çýnar peloPKK resultou na morte de um polícia e cinco civis, entre eles duas crianças pequenas. O ataque, claramente indiscriminado, terá ainda deixado feridas 39 pessoas, na sua maioria civis.

Armamento pesado e atiradores furtivos têm sido usados pela polícia e pelos militares dentro das zonas residenciais, o que coloca em perigo as vidas dos cidadãos comuns que não representam qualquer ameaça.

Na missão de terreno levada a cabo pela Amnistia Internacional, após o recolher obrigatório de setembro de 2015, foram encontradas provas de que muitos dos assassinatos são feitos por atiradores furtivos em zonas longe do local onde decorrem os confrontos. Entre os mortos contam-se crianças, mulheres e idosos, que dificilmente estariam envolvidos nos próprios confrontos com as forças de segurança.

Relatos mais recentes de outros assassinatos referem o uso do mesmo padrão de atuação preocupante. E as investigações aos assassinatos não têm mostrado qualquer progressão.

“As autoridades turcas podem adotar medidas legítimas para assegurarem a segurança e prenderem suspeitos, mas ao mesmo tempo têm de cumprir as suas obrigações ao nível dos direitos humanos”, insta John Dalhuisen. “As operações que estão a ser conduzidas com recolher obrigatório de 24 horas seguidas estão a colocar em risco a vida de dezenas de milhares de pessoas e começam a parecer-se com castigos coletivos”.

As autoridades turcas impediram observadores independentes de associações de advogados e organizações de direitos humanos de entrarem em áreas sob recolher obrigatório, o que torna difícil perceber de forma precisa o que está a acontecer. Além disso, as pessoas que estão a denunciar as violações a que têm sido sujeitas sofrem ameaças, investigações criminais e outras formas de intimidação.

Por exemplo, a 9 de janeiro a Procuradoria abriu uma investigação criminal ao apresentador e a outros colaboradores do programa televisivo de entrevistas ‘Beyaz show’, acusando-os de “fazerem propaganda a uma organização terrorista”. O que aconteceu foi que um espetador que ligou para o programa instou as pessoas a não ficarem em silêncio quando há mulheres e raparigas a serem mortas no sudeste do país.

“As autoridades turcas parecem determinadas a silenciar as críticas internas, enquanto a comunidade internacional pouco diz”, acusa John Dalhuisen. “As alegadas violações graves aos direitos humanos não devem ser ofuscadas por considerações estratégicas, como as relacionadas com o conflito na Síria ou com os esforços em obter a ajuda da Turquia para travar o fluxo de refugiados que tenta chegar à Europa”. O perito termina com um apelo: “a comunidade internacional não deve ignorar o que se passa”.

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