18 de maio de 2023
Desde a declaração do estado de emergência, em março de 2020, para tentar conter a propagação da Covid-19, as forças de segurança angolanas em várias províncias têm recorrido a força desnecessária, excessiva, abusiva e até letal para lidarem com infrações às medidas de saúde pública e manifestações pacíficas.
A Amnistia Internacional e a OMUNGA, uma organização de direitos humanos angolana, documentaram vários protestos pacíficos que foram reprimidos com violência pela polícia. As organizações reportaram também vários assassinatos cometidos pelas forças de segurança angolanas, nomeadamente agentes da Polícia Nacional de Angola (PNA) e militares das Forças Armadas Angolanas (FAA).
Entre março e setembro de 2020, a Amnistia Internacional e a OMUNGA documentaram dez assassinatos pelas forças de segurança angolanas, nomeadamente agentes da Polícia Nacional de Angola (PNA) e militares das Forças Armadas Angolanas (FAA). As organizações acreditam que o verdadeiro número de mortos pode ser muito mais elevado.
Em setembro de 2020, com o aprofundar da crise social e económica e o seu impacto na subsistência dos angolanos, a onda de descontentamento popular aumentou e a população saiu à rua para protestar contra as promessas que o governo não cumpriu, a fome a pobreza. As autoridades responderam com violência e as forças de segurança agrediram pessoas nas ruas com bastões e armas de fogo.
Na noite de 1 de setembro de 2020, o pediatra Sílvio Dala estava sozinho no seu carro quando foi abordado por agentes da PNA por não estar a usar máscara facial. Os agentes conduziram Sílvio à esquadra de Catotes, na área de Rocha Pinto, município de Luanda. As circunstâncias da morte do médico são pouco claras e estão a ser investigadas. Os agentes da PNA dizem que Sílvio se sentiu mal, desmaiou e caiu, tendo sofrido um ferimento na cabeça em consequência dessa queda que o levou à morte.
Vanildo Sebastião Futa, Vado para os amigos, foi morto a 22 de agosto por um militar das forças armadas no bairro Zango 3, a cerca de 500 metros de sua casa. Vado e dois amigos saíram de sua casa e dirigiram-se a uma cantina próxima. Durante este percurso, um dos amigos de Vado, Lucas Gaboa, foi interpelado por militares por não estar a usar máscara facial. Estes exigiram-lhe 2000 Kwanzas para que ficasse em liberdade. Não tendo dinheiro suficiente para pagar aos militares, Lucas fugiu. Nesta sequência, Vado foi atingido com um tiro nas costas.
José Quiocama Manuel, mais conhecido por Cleide, estava a caminho da casa do amigo Maurício Mucongo no bairro do Prenda, quando ouviu as pessoas gritarem que “a polícia estava a chegar”. Cleide e Maurício Mucongo, com 16 anos de idade, tentaram esconder-se mas foram atingidos pelos disparos das forças policiais. Maurício foi atingido num ombro mas Cleide foi morto. O porta-voz do Comando Provincial de Luanda da Polícia Nacional disse ter sido um incidente de trabalho em que um dos seus colegas acidentalmente disparou.
A 4 de julho de 2020, Clinton foi mortalmente baleado no bairro da Boa Esperança 1, município do Cacuaco. Clinton tinha acabado de jantar em casa da tia e regressava a casa, quando percebeu que seis agentes das forças de segurança perseguiam alguns suspeitos e começou a correr para se proteger. Clinton foi primeiro baleado nas costas e os agentes percebendo que era “inocente” pediram água aos vizinhos e deitaram-na na cara do rapaz. Os vizinhos dizem ter ouvido um segundo tiro e quando as autoridades se afastaram verificaram que Clinton tinha sido baleado na cara. A polícia informou os pais de Clinton que os agentes suspeitos de serem responsáveis pela morte de Clinton estavam presos mas que não tinha mais informação sobre o processo.
A 3 de julho de 2020, Mabiala Rogério Ferreira Mienandi, mais conhecido por Kilson, estava com os amigos no Condomínio, campo onde os adolescentes costumam praticar desporto no bairro de Mabore, município de Cazenga, quando um veículo da polícia se aproximou e começou a disparar sem qualquer aviso. Kilson foi atingido por disparos e pontapeado por três polícias, afastando-se quando perceberam que este estava a sangrar.
Ainda o transportaram para o hospital mas Kilson viria a falecer.
No dia 17 de junho, João de Assunção Eliseu, saiu do quarto e foi à casa de banho comum da vila onde vivia. No bairro do Palanca, quando dois agentes da PNA o interpelaram por não estar a usar máscara facial. João explicou que iria só à casa de banho mas os agentes obrigaram João a fazer cambalhotas enquanto lhe apontavam armas ao rosto. Um dos agentes disparou para o ar, perto de João, que caiu no chão, imobilizado. João foi conduzido ao hospital duas horas depois onde acabou por falecer.
No dia 5 de junho de 2020, Altino Holandês Afonso, mais conhecido por Hernani, era jogador no Inter, clube desportivo local. Após um treino, dirigiu-se à cantina da família, situada perto de sua casa, para ver a avó e a tia, quando ouviu disparos das autoridades para dispersar pessoas na rua. A tia escondeu-se imediatamente atrás do balcão e Altino correu para casa, tendo sido atingido por um polícia mesmo à porta de casa. Altino foi levado para o hospital, mas faleceu momentos depois. Testemunhas alegam que o agente de autoridade estaria embriagado, encontrando-se em prisão preventiva a aguardar acusação formal e julgamento.
No dia 13 de maio de 2020, a mãe de Mário Palma Romeu, carinhosamente conhecido por Marito, pediu-lhe que fosse comprar açúcar na praça da praia das Tombas, município de Benguela. Tentando dispersar a população que se encontrava na praia, um agente da polícia disparou duas vezes para o ar. O segundo tiro atingiu Marito na cabeça, que teve morte imediata.
O Comandante-geral da PNA comprometeu-se publicamente a investigar e levar à justiça todos os agentes policiais responsáveis por assassinar cidadãos durante a implementação dos regulamentos da Covid-19 em 2020.
Apelamos ao governo de Angola para que tome medidas concretas para pôr fim à violação dos direitos humanos pelas forças de segurança angolanas e implemente reformas sistemáticas que assegurem o cumprimento das leis, regulamentos e códigos de conduta que regem o funcionamento da polícia, de acordo com o direito e as normas internacionais em matéria de direitos humanos.
A associação Mãos Livres está a oferecer assistência jurídica com o objetivo de garantir a investigação imediata, exaustiva, independente e imparcial das violações e abusos de direitos humanos, levando à justiça os responsáveis pelos assassinatos e obtendo justiça e recursos eficazes, nomeadamente indemnização adequada, para as famílias.
A 12 de setembro de 2020, tiveram lugar manifestações pacíficas em várias províncias angolanas, incluindo Benguela, Bié, Cabinda, Cunene, Kwanza-Sul, Huíla, Luanda, Moxico e Namibe.
Os protestos reuniram milhares de pessoas de todo o país, que exigiram o fim dos abusos da polícia em Angola, a reforma da PNA e a exoneração do Ministro do Interior, Eugênio Laborinho, que se remeteu ao silêncio sobre as mortes dos jovens pela polícia.
A manifestação decorreu pacificamente e não se registou qualquer incidente de violência. Frustrados com as precárias condições de vida no país, os angolanos, em particular os jovens, encheram as ruas para protestar sem violência e exercer os seus direitos de liberdade de expressão e reunião pacífica. As autoridades responderam com força excessiva, desnecessária e indiscriminada. Dezenas de pessoas foram presas, muitas delas ficaram feridas e pelo menos uma terá perdido a vida.
Salvador Freire, Diretor Executivo da Associação Mãos Livres – Advogados pelos Direitos Humanos
No dia 24 de outubro de 2020, a polícia reprimiu violentamente manifestações pacíficas contra as condições de vida precárias e exigência de eleições autárquicas, nas ruas das províncias de Luanda e do Huambo.
Em Luanda, a Polícia Nacional de Angola (PNA) montou barricadas para impedir os manifestantes de se juntarem no ponto de encontro e prendeu arbitrariamente 103 manifestantes e transeuntes, nomeadamente jornalistas, mães com crianças e adolescentes menores de 16 anos.
A polícia retirou à força dois jornalistas da Rádio Essencial, um fotógrafo do jornal Valor Económico e o seu motorista e agrediu-os fisicamente. Segundo os seus testemunhos, a polícia levou os quatro profissionais para o Comando Provincial de Luanda, onde ficaram detidos durante dois dias. A 26 de outubro, foram libertados sem qualquer acusação. O seu equipamento eletrónico, incluindo telemóveis e uma câmara fotográfica, foi confiscado pela polícia.
Os 103 manifestantes que foram presos, foram submetidos a um julgamento sumário entre 26 de outubro e 1 de novembro de 2020. O Tribunal Provincial de Luanda condenou 71 pessoas pelo crime de “desobediência” e condenou cada uma delas a uma pena de um mês de prisão, convertida em multa.
Os manifestantes interpuseram recurso para o Tribunal Supremo, que ainda não se pronunciou sobre o caso. Os que foram presos relataram que, enquanto estiveram sob custódia policial, foram transportados das celas da prisão para o tribunal em veículos sobrelotados, apesar dos riscos colocados pela Covid-19, e passaram os seus dias em celas sobrelotadas, que não lhes permitiam praticar o distanciamento físico exigido pelos regulamentos de saúde pública – ironicamente, a razão na origem da sua condenação.
No dia anterior às manifestações planeadas para 24 de outubro, o Presidente da República emitiu o decreto presidencial n° 276/20, no qual o artigo 29° proíbe ajuntamentos superiores a cinco pessoas na via pública.
No seguimento das manifestações ocorridas a 24 de outubro, movimentos base convocaram novas manifestações em todo o país, no dia 11 de novembro de 2020, para assinalar os 45 anos da independência de Angola.
As pessoas protestaram nas ruas contra o elevado custo de vida, pedindo a realização de eleições autárquicas nas províncias de Benguela, Cuanza Norte, Huíla, Huambo, Luanda e Namibe. Em várias províncias, as forças de segurança bloquearam estradas e montaram barricadas para impedir que as pessoas se juntassem nos pontos de encontro. As forças de segurança usaram canhões de água, balas de borracha, bastões e gás lacrimogéneo para dispersar os manifestantes.
A Amnistia Internacional e a OMUNGA foram informadas de bolsas de violência isoladas por alguns manifestantes, em resposta ao uso de força brutal e indiscriminada pela polícia. Várias pessoas ficaram feridas e algumas foram levadas para o hospital. Um número indeterminado de pessoas foram presas arbitrariamente e libertadas horas depois sem qualquer acusação.
Inocêncio Alberto de Matos, de 26 anos de idade, estudante de engenharia informática na Universidade Agostinho Neto, em Luanda, sofreu ferimentos graves e morreu. Aguardam-se resultados da autópsia para confirmar a causa da sua morte.
A 10 de novembro, numa tentativa de impedir a realização da manifestação planeada, as forças de segurança angolanas detiveram arbitrariamente jovens ativistas envolvidos nos seus preparativos. As forças de segurança prenderam três jovens no município de Cabinda e outros três no município de Balombo, província de Benguela. A 18 de novembro, o Tribunal Provincial de Benguela rejeitou a acusação de crime de desobediência e ordenou a libertação dos três jovens que foram presos no município de Balombo.
A Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, avisou recentemente os governos de todo o mundo sobre a resposta a protestos com força excessiva e desproporcionada e, falando em particular sobre os abusos cometidos pelas forças armadas nigerianas, declarou:
Michelle Bachelet, Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos
O direito à liberdade de expressão e reunião pacífica estão seriamente ameaçados em Angola, país que vive uma profunda crise social, económica, política e climática.
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