22 Abril 2020

por David Griffiths, chefe de gabinete do secretário-geral da Amnistia Internacional

O sofrimento causado pela pandemia de COVID-19, um marco histórico do nosso tempo, irá continuar muito depois dos apoios criados para o mitigar. Após o fim da crise, muitos irão experienciar perdas inimagináveis. Muitos terão perdido familiares que lhes eram queridos, um enorme número de pessoas terá perdido o emprego, e talvez a sua casa, e centenas de milhões terão sentido a ansiedade e a solidão do isolamento social.

Mas também teremos ganho algo – uma escolha.

Quando emergimos de um trauma coletivo podemos escolher regressar ao nosso antigo caminho ou podemos aprender desta experiência e fazer escolhas diferentes para o futuro.

Cada pessoa no planeta desempenha um papel no combate a este vírus. Tal como o diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, diz “temos uma oportunidade sem precedentes para nos unirmos como um só contra um inimigo comum: um inimigo contra a Humanidade”.

 

“Esta crise abriu os olhos de muitas pessoas para as fragilidades das circunstâncias de outros”

 

Apesar da pandemia ter trazido atos de xenofobia, principalmente no apontar de bodes expiatórios, também ficou marcada pelos milhões de atos de bondade que aproximaram comunidades. Se escolhermos rejeitar o racismo e o ódio, a comovente solidariedade a que assistimos nas semanas recentes pode ser traduzida em ação, a uma grande escala.

Podemos ir para lá do apoio aos nossos vizinhos e tomar a decisão coletiva de garantir segurança para as pessoas que estão em situação de sem-abrigo ou deslocadas. Esta crise abriu os olhos de muitas pessoas para as fragilidades das circunstâncias de outros ao expor as desigualdades que deixaram muitos numa necessidade urgente de abrigo e de cuidados de saúde. Podemos e devemos continuar a proteger estas pessoas após a pandemia ter sido contida.

Podemos dizer que já chega de medidas de austeridade como as que foram impostas em muitos países, ao longo da última década, muitas vezes atingindo as pessoas mais marginalizadas com maior gravidade. Ao responder às profundas consequências sociais e económicas da pandemia, os governos terão de fazer as coisas de forma muito diferente.

 

“Quando tudo isto terminar iremos simplesmente ligar os motores e voltar a destruir o planeta?”

 

Podemos escolher tornar-nos muito mais responsáveis face ao clima. As emissões caíram de forma dramática em algumas partes do mundo, dado que os aviões estão em terra e os carros desapareceram das estradas. O custo humano tem sido imoralmente elevado; mas quando tudo isto terminar, iremos simplesmente ligar os motores novamente? Ou vamos decidir lutar por um futuro mais sustentável, possível através de uma transição justa dos combustíveis fósseis? Estamos a assistir a um novo precedente para ação governativa e intervenções fiscais a uma grande escala de forma a salvaguardar a vida, a saúde e a economia face a uma grande ameaça. Poderá isto guiar-nos na nossa resposta à profunda ameaça existencial que ainda temos pela frente?

Temos de agarrar a oportunidade para fortalecer os sistemas de saúde e reivindicar a ideia de saúde para todos – com os recursos adequados. Esta crise já expôs a fragilidade dos sistemas de saúde de todo o mundo, incluindo aqueles que dependem da capacidade de cada um para poder aceder e pagar por cuidados. Esta pandemia mostrou-nos que cada um de nós apenas está protegido quando todos estamos protegidos.

 

“Muitos trabalhadores sem redes de segurança são fundamentais para facilitar o distanciamento social das outras pessoas”

 

Podemos escolher repensar a segurança social para uma nova era. A COVID-19 atingiu com maior impacto as pessoas em maior precariedade económica, desencadeando as piores consequências da desigualdade. Pessoas que ganham o seu sustento através da economia informal não têm qualquer rede de segurança, apesar de providenciarem serviços fundamentais para a sociedade; o mesmo se aplica às mulheres que realizam a maior parte do trabalho doméstico não remunerado em todo o mundo.

Muitos trabalhadores precários não podem dar-se ao luxo de simplesmente distanciarem-se. Contudo, pessoas como os motoristas de distribuição são fundamentais para facilitar o distanciamento social das outras pessoas. Iremos ganhar um novo respeito a estas formas de trabalho pela sua importância? Irá a pandemia provocar um estímulo a uma proteção mais inclusiva?

Podemos exigir que seja traçado um limite à vigilância e ao uso da tecnologia para controlo social. A China usou amplamente a tecnologia de vigilância nos seus esforços para rastrear e reduzir a propagação de COVID-19, um modelo aparentemente atraente e que gera curiosidade em muitos países. Mas uma vez implementado, não é assim tão simples para um país descartar estas tecnologias. Podemos recusar este acordo faustiano de ter que pagar o preço de uma vigilância sofisticada com a nossa saúde?

Por fim, podemos escolher recuperar a confiança. Em anos recentes, muitos políticos beneficiaram imenso por atacarem a experiência e os conhecimentos técnicos, e enfraqueceram as provas e a ciência. Tentaram silenciar a verdade com denúncias de “fake news” e atacaram incansavelmente os jornalistas. Mas agora que as nossas vidas dependem, obviamente, da ciência e do acesso a informação confiável e exata, conseguiremos restaurar a confiança pública nos factos?

Compete-nos a nós fazer estas escolhas – e vamos garantir que fazemos as escolhas certas. É a melhor forma de honrar todos os que sofreram devido a esta pandemia.

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