- COP30 não permitiu consenso sobre um pacote muito necessário, incluindo planos concretos para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis e o fim da desflorestação, bem como um aumento do apoio baseado em subsídios para os países de menor rendimento
- Número recorde de lobistas na COP30 mostrou quem tinha o acesso real, deixando a humanidade, especialmente os mais marginalizados, a sofrer as consequências mortais dos seus planos de continuar a expansão dos combustíveis fósseis
- “Governos devem impor imediatamente impostos adicionais sobre lucros e parar de subsidiar a produção e uso de combustíveis fósseis, já que essas medidas contribuiriam muito para angariar recursos para o financiamento climático urgente, necessário e que não gera dívida” – Ann Harrison
Os líderes da COP30 no Brasil não conseguiram chegar a um acordo para colocar as pessoas acima dos lucros, pois a falta de unidade, responsabilidade e transparência prejudicou a implementação das medidas climáticas urgentes e eficazes necessárias, embora tenha havido alguns pontos positivos, afirmou a Amnistia Internacional no final da cimeira climática anual da ONU.
A decisão principal da COP30, a “Global Mutirão”, pretendia alcançar um consenso global sobre uma série de ações climáticas prioritárias durante esta cimeira, apelidada de “COP da verdade”. No entanto, o documento final evitou qualquer menção aos combustíveis fósseis, o principal motor das alterações climáticas, não conseguindo desenvolver ou mesmo reafirmar o compromisso de “transição” dos combustíveis fósseis acordado na COP28.
Documento final evitou qualquer menção aos combustíveis fósseis, o principal motor das alterações climáticas, não conseguindo desenvolver ou mesmo reafirmar o compromisso de “transição” dos combustíveis fósseis acordado na COP28.
O final conturbado não permitiu obter consenso sobre um pacote muito necessário, incluindo planos concretos para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis e o fim da desflorestação, bem como um aumento do apoio baseado em subsídios para os países de menor rendimento. O financiamento climático é uma obrigação dos países de rendimentos elevados que os países de rendimentos mais baixos vêm exigindo há anos, especialmente para fornecer muito mais apoio para os ajudar a adaptar-se aos impactos devastadores atuais e futuros das alterações climáticas, pelos quais não são responsáveis, com necessidades estimadas em, pelo menos, 260 mil milhões de euros por ano.
“A Presidência brasileira da COP30 prometeu garantir que ninguém seria deixado para trás e que todas as vozes seriam ouvidas, e envidou esforços árduos para ampliar a participação, o que deve ser replicado. No entanto, a falta de negociações participativas, inclusivas e transparentes deixou, tanto a sociedade civil como os povos indígenas, que responderam em grande número ao apelo global do mutirão, fora do processo real de tomada de decisões”, afirmou Ann Harrison, consultora de justiça climática da Amnistia Internacional.
“A falta de negociações participativas, inclusivas e transparentes deixou, tanto a sociedade civil como os povos indígenas, que responderam em grande número ao apelo global do mutirão, fora do processo real de tomada de decisões.”
Ann Harrison
“Ao mesmo tempo”, continuou a responsável, “um número recorde de lobistas de combustíveis fósseis na COP30 mostrou quem tinha o acesso real, deixando a humanidade, especialmente aqueles que já são os mais marginalizados, a sofrer as consequências mortais dos seus planos de continuar a expansão dos combustíveis fósseis e de serem os responsáveis por extrair o último barril de petróleo”.
Ann Harrison disse ainda que, “no entanto, o poder popular – incluindo os povos indígenas, entre eles aqueles em cujas terras ancestrais a conferência foi realizada – estava em força. Recusando-se a render-se aos contratempos, foi fundamental para alcançar um compromisso para desenvolver um mecanismo de Transição Justa, que irá simplificar e coordenar os esforços atuais e futuros para proteger os direitos dos trabalhadores, outros indivíduos e comunidades afetados pela eliminação gradual dos combustíveis fósseis”.
“Saudamos todos aqueles cujas vozes e ações levaram a este resultado bem-sucedido e continuaremos a pressionar para que os direitos humanos, incluindo os dos povos indígenas, sejam respeitados e protegidos à medida que o mecanismo for sendo desenvolvido”, revelou.
Falta sistémica de inclusão, conformidade e responsabilização
Seguindo uma tendência estabelecida nas recentes COP, grande parte do chamado processo Mutirão na COP30 foi conduzido à porta fechada, apenas com delegações estatais, resultando assim numa falta de supervisão por parte da sociedade civil, que não pôde observar os procedimentos.
Essa falta de transparência, juntamente com o processo de consenso conturbado e a influência descontrolada da indústria de combustíveis fósseis, continua a representar problemas fundamentais e dá mais força aos apelos por reformas na cúpula e no seu órgão organizador, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC).
Como Leonela Moncayo, uma jovem ativista ambiental que acompanhou a Amnistia Internacional à COP30, disse, “não vim a Belém para pedir favores. Vim para lembrar a todos os Estados que respeitem os direitos humanos e que cuidar do ambiente não é uma despesa — é o melhor investimento social e cultural que um governo pode fazer. Permitir a poluição e as violações de direitos não é uma demonstração de força política, é uma demonstração de indiferença”.
“Não vim a Belém para pedir favores. Vim para lembrar a todos os Estados que respeitem os direitos humanos e que cuidar do ambiente não é uma despesa — é o melhor investimento social e cultural que um governo pode fazer.”
Jovem ativista ambiental
As futuras cimeiras sobre o clima só produzirão resultados eficazes se todos puderem, não só acompanhar o que está a acontecer em tempo real, mas também criticar, reunir-se e manifestar-se pacificamente, e influenciar, de forma significativa, a conceção e os resultados de políticas globais eficazes em matéria de clima.
As decisões devem ser tomadas com base numa avaliação transparente da melhor ciência disponível. No entanto, a ameaça da crescente reação anticientífica global também afetou a COP30, com alguns países a tentarem confundir factos com posições dogmáticas sobre ciência e género, incluindo a tentativa de minar o IPCC como fonte autorizada em ciência climática.
Lacunas no financiamento climático
A COP30 não conseguiu obter compromissos firmes dos países de altos rendimentos para aumentar o financiamento baseado em doações de que os países de baixos rendimentos precisam para adaptação, limitando-se a exortá-los a “aumentar a trajetória da sua provisão coletiva”, deixando indivíduos e comunidades em risco cada vez maior de danos relacionados com as alterações climáticas.
As empresas de combustíveis fósseis continuam a receber dos governos triliões em subsídios todos os anos e a gerar lucros enormes. Como parte do processo em curso para desenvolver uma Convenção Fiscal da ONU, cuja última ronda de negociações decorreu em paralelo à COP, em Nairobi, os governos devem introduzir uma sobretaxa de poluidor-pagador aplicada aos lucros globais das empresas de combustíveis fósseis.
As empresas de combustíveis fósseis continuam a receber dos governos triliões em subsídios todos os anos e a gerar lucros enormes.
“No entanto, os governos não têm de esperar que as regras fiscais globais sejam acordadas. Devem impor imediatamente impostos adicionais sobre os lucros e parar de subsidiar a produção e o uso de combustíveis fósseis, medidas que contribuiriam muito para angariar recursos para o financiamento climático urgente, necessário e que não gera dívida”, apontou Ann Harrison.
Perspetivas para 2026
Independentemente do que estiver incluído nos documentos finais da COP, o recente Parecer Consultivo do Tribunal Internacional de Justiça confirmou que os Estados são obrigados por lei a “envidar esforços de boa-fé” para combater a crise climática, que limitar o aquecimento a 1,5 graus é o objetivo principal e que os Estados têm o dever para com as gerações atuais e futuras de proporcionar reparação e indemnização pelos danos relacionados com o clima, incluindo responsabilizar os grandes poluidores.
Todos os olhos estarão agora voltados para a COP31. A Turquia e a Austrália, que estão a partilhar as funções de presidência, devem demonstrar liderança climática, tomando medidas decisivas e transparentes para combater as alterações climáticas, em conformidade com as suas obrigações internacionais, bem como facilitando resultados significativos da COP que realmente proporcionem uma eliminação completa, rápida, justa e financiada dos combustíveis fósseis e a prestação de apoio à adaptação.
Todos os olhos estarão agora voltados para a COP31. A Turquia e a Austrália, que estão a partilhar as funções de presidência, devem demonstrar liderança climática, tomando medidas decisivas e transparentes para combater as alterações climáticas, em conformidade com as suas obrigações internacionais.
Os dois países devem também garantir uma COP inclusiva e acessível, onde os direitos de todos sejam protegidos e respeitados antes, durante e após a conferência. As experiências vividas e as soluções dos povos indígenas, das comunidades afetadas, das mulheres, das crianças e dos jovens, das pessoas de ascendência africana, das pessoas com deficiência e dos trabalhadores devem ser centrais para avançar na consecução da justiça climática à escala e ritmo necessários.
A Austrália deve cumprir o seu compromisso de trabalhar em estreita colaboração com as nações do Pacífico, que continuam a enfrentar as ameaças mais imediatas e existenciais impostas pela crise climática, para garantir que as suas necessidades e prioridades não sejam mais ignoradas.
“Contra a corrida para o fundo do poço na COP, impulsionada pela exigência processual de consenso, um raio de esperança foi o anúncio de iniciativas fora do processo da UNFCCC. A Colômbia anunciou a Primeira Conferência Internacional sobre a Transição Justa para Afastar-se dos Combustíveis Fósseis, a ser coorganizada com os Países Baixos em abril próximo”, disse Ann Harrison.
“Contra a corrida para o fundo do poço na COP, impulsionada pela exigência processual de consenso, um raio de esperança foi o anúncio de iniciativas fora do processo da UNFCCC. A Colômbia anunciou a Primeira Conferência Internacional sobre a Transição Justa para Afastar-se dos Combustíveis Fósseis, a ser coorganizada com os Países Baixos em abril próximo.”
Ann Harrison
“Reunirá os Estados que desejam avançar na desfossilização das suas economias, protegendo, ao mesmo tempo, os trabalhadores, as comunidades e os detentores de direitos, através de uma transição ‘rápida, justa e totalmente financiada´. Isto irá alimentar dois roteiros inclusivos e baseados na ciência, a serem desenvolvidos pela presidência brasileira, sobre a transição para longe dos combustíveis fósseis e sobre o fim da desflorestação”, acrescentou a responsável.
“A Amnistia Internacional acompanhará de perto ambos os conjuntos de iniciativas para garantir que as obrigações em matéria de direitos humanos sejam mantidas no centro das discussões”, concluiu.
O que é a COP30 e qual a sua importância no contexto das alterações climáticas?
▼Que críticas são feitas à organização da COP30 em relação aos direitos humanos?
▼Como é que o "poder popular" se tem manifestado durante a COP30?
▼Quais são os principais desafios enfrentados pelas comunidades indígenas na COP30?
▼Por que razão se afirma que a humanidade pode "vencer" apesar dos obstáculos na COP30?
▼Que papel desempenham as grandes corporações nas negociações da COP30?
▼Fonte: Amnistia Internacional
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