3 Maio 2024

 

  • No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, a Amnistia Internacional realça como as autoridades dos países da África Oriental e Austral continuaram a impor severas restrições ao direito à liberdade de expressão e à liberdade dos meios de comunicação social durante o ano de 2023.

 

A Amnistia Internacional documentou intimidações, perseguições e detenções generalizadas de jornalistas em países de toda a região. As autoridades prosseguiram com a intimidação e repressão a todos aqueles que se atreveram a denunciar alegações de corrupção e violações dos direitos humanos.

Tigere Chagutah, diretor regional da Amnistia Internacional para a África Oriental e Austral, destaca que, entre as ações que implicam risco de prisão, detenção arbitrária ou morte, estão “o escrutínio de políticas, ações ou inação do governo, o ato de se manifestar contra estas e, ainda, a partilha pública de informações consideradas prejudiciais para o governo”.

A Amnistia Internacional também documentou o aumento propositado da interrupção da ligação à Internet e a promulgação de leis rigorosas de cibersegurança destinadas a silenciar os meios de comunicação social e a controlar a divulgação de informações.

 

© Amnesty International (Ilustração de Victor Ndula)

 

Esconder-se atrás da “lei”: silenciar jornalistas a todo o custo

Por toda a África Oriental e Austral, as autoridades recorreram às leis de segurança nacional, como a legislação antiterrorista e de cibersegurança, para violar o direito à liberdade de expressão, punir jornalistas e suprimir a liberdade dos meios de comunicação social.

Em Madagáscar, o Código da Cibercriminalidade e o Código da Comunicação forçaram os jornalistas a autocensurar-se devido ao receio de represálias. As disposições vagas e pouco definidas na legislação, tais como “ataques à segurança do Estado”, “difamação”, “disseminação de notícias falsas” e “incitamento ao ódio”, têm sido utilizadas para intimidar, assediar e atacar jornalistas.

No Zimbabué, em fevereiro deste ano, as autoridades proibiram dois jornalistas de cobrir funções governamentais na província de Midlands. Enquanto participavam numa reunião organizada pela Comissão de Género, Owen Ncube (ministro de Estado para os Assuntos Provinciais das Midlands e a Descentralização) ordenou a Sydney Mubaiwa (chefe do escritório do Mirror Midlands Newspaper) e a Stephen Chadenga (repórter do NewsDay) que não participassem em futuros eventos governamentais.

Em maio de 2023, o Zimbabué promulgou a alteração da Lei de Codificação e Reforma do Direito Penal (Patriot Bill), que ameaça a liberdade dos meios de comunicação social, uma vez que criminaliza a “ofensa intencional à soberania e aos interesses nacionais do Zimbabué”. Os jornalistas que participem numa reunião em que existam “razões para crer” que o seu objetivo é “considerar ou planear uma intervenção armada” podem ser acusados, mesmo que participem apenas com o objetivo de fazer uma reportagem.

No Sudão do Sul, a Amnistia Internacional documentou intimidação, assédio e censura de jornalistas, incluindo casos em que os agentes de segurança removeram artigos de jornais que consideravam críticos do governo de transição, impediram jornalistas de fazer a cobertura de alguns partidos políticos, confiscaram documentos de acreditação e equipamento jornalístico, e suspenderam ainda as operações de alguns órgãos de comunicação social.

Na República Democrática do Congo (RDC), as autoridades prosseguiram com os seus incessantes ataques ao direito à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa. O contexto nacional integrava eleições gerais realizadas em dezembro de 2023, violência intercomunitária em certas regiões e o crescimento da violência armada nas províncias orientais. Durante o ano passado, as autoridades encerraram arbitrariamente uma dúzia de meios de comunicação social e de programas, sob acusações que vão desde a “difusão de falsos rumores” à “incitação à revolta contra as autoridades estabelecidas” e à “difamação”.

Ainda na RDC, em setembro de 2023, o jornalista Stanis Bujakera foi detido e processado por “falsificação” e por “espalhar falsos rumores”, na sequência da publicação pela revista Jeune Afrique de um artigo que envolvia os serviços de segurança no assassinato do político Chérubin Okende. Em março de 2024, Stanis Bujakera foi condenado a seis meses de prisão, apesar de as autoridades não terem demonstrado a existência de qualquer infração penal e responsabilidade no caso. Após um período de detenção superior a seis meses, o jornalista acabou por ser libertado. Atualmente, pelo menos mais três jornalistas estão detidos na RDC devido a acusações fraudulentas.

No Burundi, a jornalista Floriane Irangabiye está a cumprir uma pena de dez anos de prisão por declarações críticas que fez sobre o governo do Burundi durante um programa online de rádio. Em janeiro de 2023, o Tribunal Superior de Mukaza considerou-a culpada de “pôr em perigo a integridade do território nacional”. Recorreu da decisão por duas vezes, mas sem sucesso. O Supremo Tribunal confirmou a sua condenação a 13 de fevereiro de 2024.

Na Zâmbia, a 13 de abril de 2024, as autoridades prenderam os jornalistas Rodgers Mwiimba e Innocent Phiri na cidade de Kafue, enquanto filmavam uma briga entre agentes da polícia e dois dirigentes de partidos da oposição. Foram detidos na esquadra da polícia de Kafue, obrigados a apagar as suas filmagens e libertados duas horas mais tarde.

No Malawi, o jornalista Macmillan Mhone foi preso e acusado de “publicação de notícias suscetíveis de provocar medo e alarme” por causa de um artigo que escreveu, em agosto de 2023, sobre as atividades fraudulentas de um empresário que tinha sido acusado de conspiração para defraudar o governo do Malawi.

Na Etiópia, no contexto de conflitos armados persistentes desde 2020, a autoridades utilizaram as leis do estado de emergência para prender arbitrariamente jornalistas. Desde agosto de 2023, foram detidos pelo menos nove jornalistas e cinco continuam sob custódia. Entre eles, três enfrentam acusações de terrorismo, que podem levar à pena de morte se forem condenados.

Na Somália, os jornalistas foram alvo de  ameaças, assédio, intimidação, espancamentos, detenções arbitrárias e ações judiciais. Em fevereiro de 2023, um tribunal de Mogadíscio condenou Abdalle Ahmed Mumin, jornalista e secretário-geral do Sindicato de Jornalistas da Somália (SJS), a dois meses de prisão por “desobediência às ordens do governo”. A condenação surgiu na sequência de uma conferência de imprensa realizada pelo SJS para protestar contra as diretivas emitidas pelo Ministério da Informação sobre a cobertura de uma ofensiva contra o grupo armado al shabab.

Em Moçambique, o contexto para os jornalistas é de frequente intimidação, assédio, ameaças de morte, violência e até assassinatos. João Fernando Chamusse, editor do jornal Ponto por Ponto e comentador na TV Sucesso, foi morto na sua casa em Maputo em dezembro de 2023. A TV Sucesso tem sido alvo de intimidações crescentes e o seu diretor-geral, Gabriel Júnior, foi recentemente ameaçado de morte.

No Lesoto, o jornalista de investigação Ralikonelo Joki – conhecido como Leqhashasha – foi vítima de uma emboscada e mortalmente baleado à porta do estúdio da Tšenolo FM em Maseru, em maio de 2023.

 

Apelo da Amnistia Internacional

Aproveitando o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o diretor regional da Amnistia Internacional para a África Oriental e Austral reitera o seu apelo às autoridades da África Oriental e Austral para que “libertem os jornalistas detidos ilegalmente, deixem de visar a imprensa apenas por esta fazer o seu trabalho e terminem com a utilização abusiva do sistema judicial para silenciar jornalistas e críticos e para reprimir a liberdade dos meios de comunicação social”.

“Libertem os jornalistas detidos ilegalmente, deixem de visar a imprensa apenas por esta fazer o seu trabalho e terminem com a utilização abusiva do sistema judicial”

Tigere Chagutah

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