9 Junho 2016

As respostas falhadas ao aumento acentuado nos crimes de ódio por toda a Alemanha – incluindo ataques a abrigos e centros de acolhimento para requerentes de asilo – estão a expor a necessidade urgente de reforçar a proteção a estas pessoas e em abrir inquéritos independentes a possíveis preconceitos existentes no seio das agências de segurança, alerta a Amnistia Internacional em novo relatório publicado esta quinta-feira, 9 de junho.

Este relatório – intitulado “Living in insecurity: How Germany is failing victims of racist violence” (Viver na insegurança: a Alemanha está a falhar às vítimas de violência racista) – detalha que foram reportados 16 vezes mais crimes contra abrigos de asilo em 2015 (1 031) do que em 2013 (63). E, mais generalizadamente, os crimes racistas violentos contra minorias étnicas, raciais e religiosas aumentaram em 87%, de 693 registados em 2013 para 1 295 em 2015.

“Com os crimes de ódio em crescendo na Alemanha, as falhas e deficiências na resposta das agências de segurança à violência racial, de longa data e bem documentadas no país, têm de ser corrigidas”, insta o investigador da Amnistia Internacional Marco Perolini, perito nos países da União Europeia. “As autoridades federais e dos estados alemães têm de pôr em execução estratégias abrangentes de avaliação de riscos para prevenir os ataques contra os abrigos que acolhem requerentes de asilo. É urgentemente precisa maior proteção policial para os abrigos identificados como estando em mais elevado risco de ataque”, prossegue.

Apesar de os cidadãos alemães estarem entre os que, na Europa, melhor acolhem os refugiados, houve uma média de seis protestos e manifestações contra os refugiados por semana ao longo do ano de 2015 no país. Muitos requerentes de asilo e refugiados que foram atacados, ou cujos amigos ou conhecidos foram alvos de ataques, testemunharam aos investigadores da Amnistia Internacional que vivem agora imersos no medo e que já não se sentem seguros na Alemanha.

“Todos os meus amigos ficaram com medo depois de eu ter sido atacado. Fugi da guerra na Síria e não preciso de ter de enfrentar esta tensão na Alemanha. Só gostava de poder trabalhar… ter uma vida boa, como tinha antes da guerra”, desabafou Ciwan B., curdo que conseguiu fugir da Síria e foi atacado na cidade alemã de Dresden em setembro de 2015.

Combater o racismo institucional

O fracasso das autoridades alemãs em investigarem, agirem judicialmente e condenarem os crimes raciais de forma eficaz constitui uma preocupação de longa data que antecede a chegada de cerca de um milhão de refugiados e requerentes de asilo ao país no ano passado.

Muitas das deficiências foram expostas nas investigações mal conduzidas à vaga de homicídios cometidos, entre 2000 e 2007, pelo grupo de extrema-direita Nationalsozialistischer Untergrund (NSU, Clandestino Nacional Socialista, numa tradução livre).

As investigações às mortes de oito homens de ascendência turca, um de ascendência grega e de um agente da polícia alemã não resultaram na identificação de motivação racista dos ataques nem prosseguiram a análise de pistas que apontavam nesse sentido. Em simultâneo, familiares das vítimas reportaram sentirem-se pressionados pela polícia.

“Ao longo de todos estes anos nunca nos trataram como vítimas. Fomos sempre tratados como suspeitos, pela polícia ou pelos políticos, como se escondêssemos algo. Ninguém nos pediu a nossa opinião nem nos ouviu”, recordou Yvonne Boulgarides, viúva de Theodorus Boulgarides, um serralheiro que foi assassinado, quando estava na sua loja em Munique, por membros do NSU a 15 de junho de 2005.

No âmbito de inquéritos feitos às falhas nas investigações aos ataques do NSU foram emitidas recomendações, as quais foram executadas pelas agências de segurança alemãs. Porém, não foi resolvida a questão premente de apurar se o racismo institucional está a contribuir para o continuado falhanço em identificar, registar e investigar diligentemente possíveis crimes racistas.

Outra vítima de ataque violento foi Abdurrahman, de nacionalidade turca, que ficou em risco de vida devido aos ferimentos sofridos numa agressão de que foi alvo por um grupo de nove homens, os quais o atacaram quando estava a fechar a sua loja de kebabs na estação de comboios de Bernburgo, em setembro de 2013.

Abdurrahman, e também o seu sócio e um amigo que testemunharam o ataque, descrevem que a polícia que acorreu ao local entregou uma das provas usadas na agressão – uma bomba de ar – aos atacantes. Chegado o caso a tribunal, a motivação racista não foi plenamente avaliada e a falta de provas ajudou a fortalecer a argumentação da defesa dos acusados de que tinham agido, em parte, em autodefesa.

Algumas destas falhas resultam do complexo sistema alemão para a classificação e recolha de dados sobre crimes com motivação política, no que se incluem os crimes de ódio. Esse sistema, de forma consciente ou não, consagra parâmetros muito elevados para uma ofensa ser considerada e investigada como um crime racial.

Quaisquer ofensas criminais que possam ser percecionadas como motivadas racialmente – seja pela vítima ou qualquer outra pessoa – têm de ser classificadas como crimes de ódio pela polícia.

“Há muitos fatores que indiciam a existência de racismo institucional nas agências de segurança alemãs. Esta pergunta tem de ser feita e tem de ser respondida. Não é possível haver verdadeiro progresso na forma como as agências de segurança abordam os crimes racistas sem que essas mesmas agências estejam preparadas para examinarem as suas condutas e formas de pensar”, considera Marco Perolini.

O investigador da Amnistia Internacional frisa que “não é altura para complacências, mas sim para as agências de segurança se olharem longa e duramente ao espelho”. “É urgentemente necessário que seja aberto um inquérito público independente e abrangente, para reanalisar as investigações aos homicídios cometidos pelo NSU e para determinar em que medida o racismo institucional na Alemanha pode está a contribuir para o mais amplo fracasso das agências de segurança em resolverem de forma eficaz os crimes racistas”, remata o perito da organização de direitos humanos.

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