2 Outubro 2019

Um ano após a execução extrajudicial de Jamal Khashoggi, a Arábia Saudita continua a ser um terrível exemplo em matéria de direitos humanos. Mesmo assim, há quem desafie o sistema e rejeite calar-se pela liberdade, honrando o legado do jornalista assassinado na Turquia.

A diretora de investigação da Amnistia Internacional no Médio Oriente, Lynn Maalouf, lembra a necessidade de o regime saudita libertar “dezenas de pessoas que continuam a definhar na prisão e a correr o risco de ser alvo de tortura e outros maus-tratos apenas por terem expressado a sua opinião de forma pacífica”. Entre estes estão, pelo menos, 30 prisioneiros de consciência que cumprem penas de prisão de cinco a 30 anos, por exercerem os direitos à liberdade de expressão, associação e reunião.

A Amnistia Internacional documentou ainda a detenção de 14 ativistas da sociedade civil e escritores ou familiares destes, nos últimos seis meses. Em todos os casos não foi formalizada qualquer acusação.

As liberdades das mulheres continuam a ser motivo de preocupação. Apesar de várias ativistas terem sido libertadas, Loujain al-Hathloul, Samar Badawi, Nassima al-Sada e Nouf Abdulaziz permanecem sob detenção arbitrária, desde maio do ano passado.

“Dezenas de pessoas […] continuam a definhar na prisão e a correr o risco de ser alvo de tortura e outros maus-tratos apenas por terem expressado a sua opinião de forma pacífica”

Lynn Maalouf, diretora de investigação da Amnistia Internacional no Médio Oriente

A falta de independência e transparência do sistema de justiça, que está muito abaixo das leis e dos padrões internacionais de direitos humanos, continua a ser motivo de preocupação. Até porque há relatos de detidos pressionados para assinar “confissões” e aceitar sentenças de prisão predeterminadas de forma a evitar detenções arbitrárias prolongadas.

Em 2018, a Arábia Saudita estava no terceiro lugar dos países que executaram mais prisioneiros em todo o mundo (149). Já este ano, a pena capital foi usada como arma política contra a minoria xiita, numa execução em massa de 37 homens. Atualmente, a Amnistia Internacional está a fazer campanha por três jovens – Ali al-Nimr, Dawood al- Marhoon e Abdullah al-Zaher – que estão no corredor da morte. Todos eles eram menores de idade quando foram condenados, o que contraria a lei internacional.

Khashoggi, um processo pouco transparente

Jamal Khashoggi terá sido estrangulado pouco tempo depois de entrar no consulado da Arábia Saudita na Turquia, no dia 2 de outubro de 2018. Um relatório das Nações Unidas, divulgado em junho deste ano pela relatora especial sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, Agnes Callamard, concluiu que o jornalista foi vítima de “uma execução extrajudicial pela qual a Arábia Saudita é responsável à luz da lei de direitos humanos”. Durante a investigação, as autoridades de Riade nunca se mostraram disponíveis para cooperar.

O julgamento dos 11 suspeitos da morte de Khashoggi começou em janeiro, mas as sessões foram fechadas ao público e todo o processo carece de transparência. As autoridades sauditas não permitiram a monitorização independente do caso e cinco pessoas enfrentam a pena de morte, a pedido da acusação.

“A responsabilidade de Mohamed bin Salman pela morte de Jamal Khashoggi será apenas mais um golpe fracassado de relações públicas se não for seguido de ações significativas”

Lynn Maalouf, diretora de investigação da Amnistia Internacional no Médio Oriente

Até ao momento, também não existe qualquer informação sobre a forma como a investigação foi realizada e se os suspeitos ​​tiveram acesso adequado a advogados. Desconhece-se ainda se os restos mortais de Khashoggi foram entregues à família.

Recentemente, o príncipe saudita Mohamed bin Salman admitiu responsabilidades na morte de Khashoggi. “Aconteceu sob a minha administração”, disse em entrevista a uma cadeia de televisão norte-americana.

“A responsabilidade de Mohamed bin Salman pela morte de Jamal Khashoggi será apenas mais um golpe fracassado de relações públicas se não for seguido de ações significativas, concretas e imediatas. Isso deve incluir o fim da repressão e a libertação de todos os defensores dos direitos humanos, por um lado, e o acesso rápido e sem limitações de monitores independentes de direitos humanos no país, inclusivamente para observar e monitorizar o julgamento”, afirma a diretora de investigação da Amnistia Internacional no Médio Oriente, Lynn Maalouf.

Voz pela liberdade

No primeiro ano após a morte de Jamal Khashoggi, ativistas sauditas que vivem no estrangeiro, apoiados pela Amnistia Internacional, lançam um podcast intitulado The Great Saudi Arabia (“A Grande Arábia Saudita”). O objetivo da iniciativa passa por mostrar que, apesar de a repressão ser uma realidade, as vozes que clamam liberdade jamais vão ser caladas.

“O podcast será uma poderosa plataforma para jornalistas, académicos e ativistas sauditas combaterem a campanha de propaganda e desinformação liderada pelo Estado. Vai envolver o povo, através de debates invulgares e livres, em questões como a participação dos cidadãos, o Estado de direito, o feminismo e outros temas relacionados com direitos humanos”, explica a académica e ativista Hala al-Dosari.

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