21 Dezembro 2020

As forças da Arménia e do Azerbaijão cometeram crimes de guerra durante os recentes combates em Nagorno-Karabakh, ocorridos a partir do final de setembro. A denuncia da Amnistia Internacional segue-se à verificação de um conjunto de vídeos que mostram a decapitação de prisioneiros e a profanação de cadáveres de soldados de forças inimigas.

“Durante os recentes combates em Nagorno-Karabakh, os militares dos dois lados em conflito comportaram-se de forma atroz”

Denis Krivosheev, diretor de Investigação para a Europa Oriental e Ásia Central da Amnistia Internacional

Execuções sumárias, maus-tratos a prisioneiros de guerra e outras pessoas em cativeiro são outras práticas que também constam nos 22 vídeos analisados. As imagens foram partilhadas em contas e grupos privados do Telegram, nas últimas semanas. O Crisis Evidence Lab da Amnistia Internacional utilizou técnicas de verificação digital para confirmar a sua autenticidade.

“Durante os recentes combates em Nagorno-Karabakh, os militares dos dois lados em conflito comportaram-se de forma atroz”, classifica o diretor de Investigação para a Europa Oriental e Ásia Central da Amnistia Internacional, Denis Krivosheev.

O responsável nota que “a depravação e falta de humanidade captadas nos vídeos mostram a intenção deliberada de causar dano e humilhação às vítimas, em clara violação do direito internacional humanitário”. “Tanto as autoridades do Azerbaijão quanto da Arménia devem conduzir imediatamente investigações independentes e imparciais, e identificar todos os responsáveis. Os autores – bem como quaisquer comandantes que ordenaram, permitiram ou perdoaram estes crimes – devem ser levados à justiça”, apela.

Além da autenticação das imagens, que confirmam que os vídeos não foram manipulados, os detalhes dos ferimentos foram verificados de forma independente por um patologista forense externo à Amnistia Internacional.

Brutalidade dos dois lados

Um dos vídeos mostra um grupo de homens com uniformes militares do Azerbaijão a segurar um homem, enquanto outro decapita-o com uma faca. O carrasco é identificado como militar azeri, tendo por base o tipo de camuflagem do fardamento, a bandeira do país no ombro e uma marca com o seu tipo de sangue numa manga – um padrão utilizado entre os soldados do Azerbaijão. A vítima está sem camisa e veste apenas cuecas e calças. Após ser decapitado, uma multidão aplaude e comemora ruidosamente.

Um segundo vídeo do mesmo incidente revela que a cabeça da vítima foi colocada junto à carcaça de um porco. Os homens falam em azeri e o microfone da câmara capta-os a dirigir comentários à vítima, como “não tens honra, é assim que nos vingamos pelo sangue dos nossos mártires” e “é assim que nos vingamos, com cabeças cortadas”. Fontes confirmaram à Amnistia Internacional que a vítima era um civil arménio.

Noutro incidente, um vídeo mostra dois homens que vestiam uniformes consistentes com os dos militares do Azerbaijão – incluindo uma bandeira do país no ombro direito e um tipo de capacete normalmente reservado para as forças de operações especiais. A vítima tem roupas civis e é mais velha, encontrando-se imobilizada no chão. Durante a gravação, implora por misericórdia, dizendo repetidamente: “Por amor de Deus, imploro-vos”. Apesar defalar azeri, não tem sotaque do Azerbaijão. A Amnistia Internacional acredita que se tratava provavelmente de um residente arménio de Nagorno-Karabakh.

Um dos homens afirma: “Pega este aqui” e entrega uma faca a outra pessoa, que começa a cortar brutalmente a garganta da vítima. O vídeo termina, depois, de forma abrupta.

Um terceiro incidente foca-se num homem com um uniforme de patrulha da fronteira do Azerbaijão, deitado no chão, enquanto é amordaçado e amarrado. O responsável pela gravação fala em arménio e, posteriormente, aproxima-seda vítima, atingindo-a com uma faca na garganta.

Os meios de comunicação do Azerbaijão descreveram que este homem, identificado como Ismail Irapov, morreu. No vídeo, não é percetível que isso aconteceu, mas uma análise patológica independente confirmou que o ferimento sofrido teria provocado a sua morte em minutos.

Tratamento desumano

Outros 11 vídeos mostram violações cometidas por forças da Arménia. Em várias gravações, militares do país são vistos a cortar a orelha de um soldado morto do Azerbaijão, a arrastar um cadáver pelo chão com uma corda amarrada nos pés da vítima ou a pisarem um corpo.

A Amnistia Internacional analisou também mais sete vídeos com violações cometidas por forças azeris, onde aparecem soldados a pontapear e espancar prisioneiros arménios amarrados e vendados. Os mesmos são forçadosa fazer declarações de oposição ao seu governo.

“Tanto as autoridades do Azerbaijão quanto da Arménia devem conduzir imediatamente investigações independentes e imparciais, e identificar todos os responsáveis”

Denis Krivosheev, diretor de Investigação para a Europa Oriental e Ásia Central da Amnistia Internacional

O direito internacional humanitário proíbe expressamente atos de violência contra qualquer pessoa detida, incluindo prisioneiros de guerra, a mutilação de cadáveres e a filmagem de confissões ou denúncias para fins de propaganda.

A terceira Convenção de Genebra indica que “os prisioneiros de guerra devem ser sempre tratados com humanidade”. “Em especial, nenhum prisioneiro de guerra poderá ser submetido a uma mutilação física […] Os prisioneiros de guerra devem também ser sempre protegidos, principalmente contra todos os actos de violência ou de intimidação, contra os insultos e a curiosidade pública. São proibidas as medidas de represália contra os prisioneiros de guerra”, refere o documento.

Homicídio intencional, tortura ou tratamento desumano e o atentar contra a dignidade pessoal – em particular, o tratamento humilhante ou degradante e a profanação de cadáveres – são crimes de guerra.

Contexto

No dia 27 de setembro, eclodiram intensos combates entre o Azerbaijão e a Arménia, que tem o apoio de outras forças na região de Nagorno-Karabakh. Os meses que se seguiram ficaram marcados pela troca de tiros de artilharia e foguetes entre os dois lados envolvidos no conflito.

A Amnistia Internacional apelou a todas as partes para que respeitassem totalmente o direito internacional humanitário e protegessem os civis dos efeitos das hostilidades. Os combates terminaram com a assinatura de um acordo de cessar-fogo, no passado dia 9 de novembro.

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