14 Agosto 2020

A Amnistia Internacional e grupos locais de direitos humanos recolheram testemunhos de manifestantes na Bielorrússia que descrevem ter sido torturados ou submetidos a outros maus-tratos em centros de detenção, incluindo serem despidos, espancados e ameaçados de violação. Em Minsk, multidões concentradas nas imediações de um desses locais dizem que os gritos das vítimas de tortura podem ser ouvidos no exterior e existem imagens de vídeo que corroboram a afirmação.

As provas apontam para uma campanha generalizada de tortura e outros maus-tratos por parte das autoridades bielorrussas, que pretendem esmagar os protestos pacíficos a qualquer custo.

“O que estamos a ver na Bielorrússia é uma catástrofe de direitos humanos que exige ação urgente”

Marie Struthers, diretora regional para a Europa Oriental e Ásia Central da Amnistia Internacional

“Durante dias, o mundo assistiu horrorizado à polícia a disparar balas de borracha e gás lacrimogéneo contra multidões de manifestantes pacíficos, na Bielorrússia. Agora, tem ficado cada vez mais claro que os episódios sangrentos nas ruas são apenas a ponta do icebergue”, aponta a diretora regional para a Europa Oriental e Ásia Central da Amnistia Internacional, Marie Struthers.

“Pessoas que foram detidas revelaram que os centros de detenção se tornaram em salas de tortura, onde os manifestantes são forçados a ficar deitados no chão enquanto a polícia pontapeia-os e espanca-os com cassetetes. Eles descrevem que foram despidos e agredidos de forma sádica, enquanto ouviam os gritos de outras vítimas. São pessoas cujo único ‘crime’ foi sair às ruas em protesto pacífico. O que estamos a ver na Bielorrússia é uma catástrofe de direitos humanos que exige ação urgente”, denuncia.

A Amnistia Internacional pede aos líderes internacionais que pressionem o governo bielorrusso a parar com as violações em massa dos direitos humanos que estão a decorrer no país.

Forçados a ficar no chão

De acordo com vários testemunhos, os detidos são espancados com violência durante todo o período de detenção, a partir do momento em que são arrastados para as carrinhas da polícia. Os abusos continuam nas esquadras, onde é feita uma “triagem”, e nos centros de detenção temporária, onde são mantidos até serem libertados ou julgados.

“A abundância de relatos de tortura em todo o país, corroborados por vídeos e fotografias amplamente partilhados nas redes sociais, é tão comum que é altamente provável que esta abordagem tenha sido autorizada por altos responsáveis”

Marie Struthers, diretora regional para a Europa Oriental e Ásia Central da Amnistia Internacional

Katsyaryna Novikava contou à Amnistia Internacional que foi detida no centro de Minsk, na noite de 10 de agosto, quando caminhava até um supermercado. No total, passou 34 horas no Centro de Isolamento de Delinquentes (também conhecido como TsIP). Nesse local, o pátio estava cheio de detidos, que foram forçados a se deitarem no chão.

O relato de Katsyaryna Novikava dá ainda conta de que, dentro do TsIP, dezenas de homens foram obrigados a tirar a roupa e a ficar de gatas, enquanto eram pontapeados e espancados com cassetetes por agentes. A mulher também foi forçada a ajoelhar-se e a ouvir os gritos de outras vítimas.

A cela para onde foi encaminhada tinha capacidade para quatro pessoas, mas estava ocupada por 20. Todas dormiam no chão, não receberam água ou comida e foi-lhes vetado o acesso a cuidados médicos durante a detenção. Katsyaryna Novikava garante ainda que várias mulheres com quem esteve lhe disseram que foram ameaçadas de violação sexual por polícias.

No seu caso, só cerca de 22 horas depois de ter sido detida foi informada de que seria acusada de participar numa manifestação não-autorizada. Antes de ser libertada, no início da manhã de 12 de agosto, os agentes afirmaram: “Temos os teus dados. Se nos voltarmos a ver, matamos-te”.

Todos os pertences que tinha, incluindo passaporte e chaves de casa, não lhe foram devolvidos após a libertação.

“Pedimos às autoridades bielorrussas que encerrem esta campanha brutal e permitam que os manifestantes expressem as suas opiniões sem medo de represálias violentas”

Marie Struthers, diretora regional para a Europa Oriental e Ásia Central da Amnistia Internacional

Nikita Telizhenko, jornalista da publicação online russa Znak.com, foi detido a 10 de agosto. Num artigo, recordou o que viu: “Na carrinha da polícia, as pessoas continuavam a ser espancadas, por terem tatuagens ou cabelo comprido. ‘Tu és gay, agora vais ver na prisão’, gritaram [os agentes]”.

De acordo com Nikita Telizhenko, durante 16 horas, esteve no Escritório para os Assuntos Internos do distrito de Maskouski, onde “a polícia forçou os detidos a rezar. Aqueles que se recusaram foram espancados de todas as maneiras”. “Sentados no auditório da esquadra, ouvimos pessoas a serem espancadas nos andares em baixo e em cima de nós”, explicou.

“As pessoas ficavam muito tempo de joelhos ou no chão de pernas abertas. […] Foi assustador. Sou uma pessoa que já viu muitas coisas, mas foi assustador”, disse outro jornalista, Maksim Solopov, à imprensa. Este cidadão russo, que estava a trabalhar para o jornal online letão Meduza, foi vítima de um desaparecimento forçado durante 40 horas, depois de ser detido na noite de 9 de agosto. Visivelmente ferido, foi libertado após protestos públicos e a intervenção da embaixada russa.

De acordo com as provas recolhidas pelo grupo de direitos humanos Viasna, em algumas esquadras, os detidos foram forçados a ficar deitados no chão durante várias horas ou contra as paredes de corredores ou pátios, sendo espancados ao mínimo movimento. Isto é confirmado por vários testemunhos e vídeos que foram passados para fora.

“Não são incidentes isolados. A abundância de relatos de tortura em todo o país, corroborados por vídeos e fotografias amplamente partilhados nas redes sociais, é tão comum que é altamente provável que esta abordagem tenha sido autorizada por altos responsáveis”, aponta Marie Struthers.

“Mais uma vez, pedimos às autoridades bielorrussas que encerrem esta campanha brutal e permitam que os manifestantes expressem as suas opiniões sem medo de represálias violentas”, apela a responsável da Amnistia Internacional.

Detenções que equivalem a desaparecimentos forçados

O paradeiro de centenas de pessoas permanece desconhecido e as detenções de algumas podem equivaler a desaparecimentos forçados. Muitos estão sob custódia desde 9 de agosto.

De acordo com o Ministério do Interior da Bielorrússia, nos primeiros quatro dias de protesto, 6700 pessoas foram detidas. Familiares e advogados têm feito tentativas infrutíferas para descobrir o paradeiro de dezenas, ligando para esquadras e alertando os tribunais de que não podem julgar os detidos na ausência de um defensor legal.

“Monitores independentes devem ter acesso imediato, total e desimpedido a todas as instalações de detenção. Todos os envolvidos ou cúmplices de violações dos direitos humanos devem ser levados à justiça”

Marie Struthers, diretora regional para a Europa Oriental e Ásia Central da Amnistia Internacional

A 12 de agosto, a polícia de choque usou a força para dispersar cerca de 200 familiares de detidos que se reuniram pacificamente em frente ao centro de detenção de Akrestsyna.

Entre manifestantes pacíficos e pessoas que estavam a assistir aos protestos, há detidos “em regime de incomunicabilidade, numa violação das regras processuais mais básicas e em total desrespeito pelos seus direitos humanos fundamentais”, afirma Marie Struthers. “Em vários casos relatados, os indivíduos desaparecem durante dias a fio, o que equivale a desaparecimento forçado”, avisa a diretora regional para a Europa Oriental e Ásia Central da Amnistia Internacional.

“Apelamos às autoridades da Bielorrússia para que ponham imediatamente fim à tortura e outros maus-tratos de detidos e libertem todas as pessoas detidas arbitrariamente. Monitores independentes devem ter acesso imediato, total e desimpedido a todas as instalações de detenção. Todos os envolvidos ou cúmplices de violações dos direitos humanos devem ser levados à justiça – desde os agentes que andam nas ruas até aos comandantes que ordenaram ou fizeram vista grossa aos abusos”, conclui Marie Struthers.

Contexto

Pelo menos duas vítimas mortais foram confirmadas desde o início dos protestos. O primeiro manifestante faleceu a 11 de agosto, quando a polícia atirou granadas de atordoamento e gás lacrimogéneo contra uma multidão, em Minsk. A 12 de agosto, um homem de 25 anos morreu sob custódia policial, em Brest. Nesse dia, os agentes mobilizados na cidade tinham utilizado munições reais contra os manifestantes.

A 9 de agosto, foi relatada outra morte, existindo imagens de vídeo de um manifestante a ser atropelado por uma viatura policial, em Minsk, ficando imobilizado no chão. O paradeiro da vítima ou do seu corpo permanecem desconhecidos.

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