19 Junho 2019

Um grupo de Salvador, no nordeste do Brasil, combina a palavra e ferramentas de mobilização da Amnistia Internacional para transformar a maneira como as pessoas olham para a sua cidade. Desde a criação de um espaço cultural até ao trabalho com mulheres na prisão, o coletivo Sarau da Onça faz da poesia um manual de direitos. Senhoras e senhores, embarquem nesta história com Evanilson Alves.

“A poesia mudou a minha vida e eu escolhi a caneta para me sustentar.

À medida que crescia, não via saídas, mas quando fui para a escola comecei a expressar o que sentia através da poesia. Agora, tenho 29 anos. Pode-se dizer que sou poeta profissional há oito anos.

As pessoas pensam que o meu bairro é um lugar de morte e tráfico, mas a poesia contradiz essa imagem. Vivi essa realidade. Fui assaltado, vi jovens perseguidos e amigos apanhados no tráfico. É uma vida rápida: acabas morto ou na prisão.

O tráfico não impede que sejam construídas comunidades e que os grupos culturais sejam relevantes

Eu escolhi viver uma vida mais longa. Fiz estágios a troco de 250 reais [cerca de 57 euros no câmbio atual] por mês. Os meus amigos perguntavam-me a razão de trabalhar por tão pouco, mas sabia que esse caminho iria garantir-me um futuro.

A arte e a poesia são a minha salvação. Estou a provar que posso ser professor de poesia e ganhar a vida com isso. O tráfico não impede que sejam construídas comunidades e que os grupos culturais sejam relevantes.

Em maio de 2010, para contrariar a ideia que as pessoas têm e mostrar os diferentes movimentos sociais da comunidade, quatro amigos loucos reuniram-se para formar um espaço criativo, conhecido como o Sarau da Onça. É um espaço de liberdade, transformação e amor. É um espaço onde, quando estamos reunidos, abraçamos uns e damos as boas-vindas a outros. Aqui, podemos ser nós próprios, podemos escrever as nossas próprias histórias e torná-las reais através da poesia e da palavra.

Os microfones têm via aberta, pois são uma ferramenta de transformação desmedida, nas periferias de Salvador e não só. Abordamos temas como a valorização das mulheres, a violência policial, o racismo, os preconceitos, a homofobia e o feminismo negro. Também falamos de amor.

© Shona Hamilton/Amnistia Internacional

Enquanto coletivo, divulgamos a nossa mensagem por toda a parte. Fora de Salvador, já conhecem o nosso trabalho e somos um ponto de referência a nível nacional. Quando começámos, não tínhamos a ideia de que nosso trabalho teria tanto impacto. Temos uma boa relação com escolas e o nosso objetivo é fazer com que as pessoas vejam que a poesia não é apenas um ato isolado – é consistente e pode ser utilizada em qualquer circunstância.

Parte do meu trabalho de ativista é passado em centros de detenção de mulheres. Conhecê-las, pela primeira vez, foi estranho, esquisito e desconfortável, mas eu queria tornar a vida lá dentro menos dolorosa. Demorou sete dias para convencer essas mulheres a participar num workshop de poesia. Muitas possuíam um baixo nível de escolaridade. Não tinham o hábito de ler ou escrever, então o desafio era superar esses obstáculos.

Convidei as principais líderes de toda a cidade para trabalharem com estas mulheres. Para trocarem ideias e explorar novas possibilidades. Apesar de ser um lugar hostil, a parte mais gratificante da experiência foi ver como ela se transformou num espaço de reflexão.

Hoje, podem encontrar uma garota a ler ou a escrever em todos os cantos. Outras tornaram-se monitoras dentro da prisão

Quando as mulheres começaram a escrever poemas, chamavam-me: ‘Alves! Escrevi um novo poema! Alves! Eu acabei de escrever mais sete poemas!’. Eu dizia ‘Garotas, como é que escreveram sete poemas numa manhã? Isso é de loucos!’

Embora as canetas não fossem permitidas no centro de detenção, isso não impedia que encontrassem outras fontes de tinta. Hoje, podem encontrar uma garota a ler ou a escrever em todos os cantos. Outras tornaram-se monitoras dentro da prisão.

© Shona Hamilton/Amnistia Internacional

A educação deve ser uma prioridade para o Brasil. Quando se nega às pessoas a educação, os seus direitos são violados. O Brasil tem interesse em construir mais prisões, quando deveria gastar mais dinheiro na construção de novas escolas e na manutenção daquelas que já existem.

A Amnistia Internacional é uma ajuda na garantia de que o nosso trabalho continua a educar os outros. Também graças ao Quilombox – uma caixa que contém ferramentas de mobilização, que funciona como um projetor. Os materiais transformacionais fornecem uma oportunidade para discutir os direitos humanos através da palavra, da dança e do hip hop. Foi criada por diferentes ativistas de direitos humanos em todo o país. É simples, criativa e atraente para muitas pessoas com quem trabalhamos, como crianças, adolescentes e outros jovens.

A poesia é um vício, uma poderosa ferramenta para a mudança

O nosso coletivo tem crescido. Já lançámos livros. Cada lançamento foi uma aventura – durante um deles, encontrámos muitos problemas, mas quando o evento começou, as pessoas compraram 20, 50, 70 livros de cada vez. Foi tão inesperado. Lançámos outro livro no meu coletivo chamado Poetry Creates Wings. Quatro meses depois, fomos convidados para apresentá-lo numa das maiores feiras do livro do mundo.

Tentamos vender o maior número de obras, porta a porta, e distribuímo-las em diferentes escolas. A escrita tem um poder tão transformador. A poesia é um vício, uma poderosa ferramenta para a mudança. Agora, é hora de seguir em frente. É hora de dar força aos jovens através de consciência política e mostrar que a mudança depende de nós. Juntos, podemos escrever o nosso próprio futuro.”

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