12 Maio 2021

A repressão policial e resposta militarizada às manifestações maioritariamente pacíficas em várias cidades colombianas continua, apesar da crescente condenação nacional e internacional. A polícia usou a força de forma indiscriminada e desproporcional, existindo ainda relatos preocupantes de violência sexual e desaparecimentos, denunciou a Amnistia Internacional. Desaparecimentos forçados e violência sexual praticados por autoridades são crimes à luz do direito internacional, que impõem investigações e julgamentos em cada estado.

“As autoridades colombianas devem garantir o direito de reunião pacífica e abster-se de censurar e reprimir as manifestações que têm ocorrido desde 28 de abril em todo o país. Garantir o direito à vida e a segurança dos manifestantes pacíficos deve estar no centro da resposta das autoridades, de acordo com os padrões internacionais de direitos humanos”, disse Erika Guevara-Rosas, diretora da Amnistia Internacional para as Américas.

A Amnistia Internacional denunciou previamente incidentes de forças de segurança a recorrer indiscriminadamente a armas letais e menos letais e, apesar de múltiplas condenações internacionais, a organização continua a documentar casos graves de uso excessivo da força contra manifestantes. Através da análise e verificação de imagens audiovisuais, a Amnistia chegou mesmo a confirmar, por exemplo, o uso de lançadores de granadas de gás lacrimogéneo disparadas à queima-roupa por agentes do Esquadrão Móvel Anti-Distúrbios (ESMAD) contra manifestantes em Cali.

Num outro incidente em Bogotá, foi possível verificar que  a polícia utilizou uma arma de fogo contra uma pessoa enquanto esta fugia. A organização também recebeu relatos de que, na noite de 4 de maio, no bairro de Siloé em Cali, houve disparos diretamente sobre manifestantes, ameaças e atos de tortura.

Até ao passado dia 6 de maio, a ONG Temblores reportou a morte violenta de 37 pessoas, 1708 casos de utilização abusiva de força, 26 vítimas de lesões oculares, 234 vítimas de violência física e 934 detenções arbitrárias de manifestantes. A mesma organização denunciou também que 11 pessoas foram vítimas de violência sexual. Por outro lado, o Gabinete da Defesa do Povo da Colômbia emitiu um alerta sobre 87 pessoas reportadas como desaparecidas durante as manifestações, ainda que este número possa sofrer atualizações. Até 4 de maio, o Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados, composto por organizações de vítimas, documentou 135 relatos de possíveis desaparecimentos forçados. Desde então, pelo menos 28 destas pessoas foram localizadas.

“Iván Duque, como comandante-chefe das forças de segurança, deve pronunciar-se sobre estes eventos. O silêncio deixa apenas um manto de impunidade e cumplicidade.”

Erika Guevara-Rosas, diretora da Amnistia Internacional para as Américas

Houve múltiplos relatos de abuso sexual pelas forças de segurança durante as detenções. A 30 de abril, nas manifestações em Cali, uma mulher relatou nas redes sociais ter sido abusada sexualmente por agentes da ESMAD. Durante um confronto, vários agentes dispararam gás para dispersar os manifestantes e, embora ela tivesse os seus braços levantados de maneira pacífica, os agentes da ESMAD separaram as mulheres dos homens e um agente abusou sexualmente dela em frente aos companheiros.

“Partilhamos a indignação de todos aqueles que foram vítimas de violência baseada no género no contexto dos protestos na Colômbia. Iván Duque, como comandante-chefe das forças de segurança, deve pronunciar-se sobre estes eventos. O silêncio deixa apenas um manto de impunidade e cumplicidade. Recebemos várias queixas de abuso sexual por agentes da ESMAD, e condenamos fortemente o uso de força contra os corpos das mulheres como forma de punição”, disse Erika Guevara-Rosas.

“As autoridades colombianas devem investigar de maneira célere, imparcial e exaustiva todas as alegações de violações dos direitos humanos e crimes à luz do direito internacional, garantindo os direitos e segurança de vítimas e testemunhas. A impunidade não pode prevalecer diante destes graves crimes.”, acrescenta.

Os padrões internacionais de direitos humanos são consistentes na exigência de que os agentes policiais, no controlo das manifestações, só devem usar a força como último recurso, e devem cumprir os princípios de legalidade, necessidade, proporcionalidade e responsabilização. O uso de força para manter a ordem em situações que não são uma ameaça concreta à vida ou à segurança física de terceiras partes é considerado uso desproporcionado de força, sendo, por essa razão, contrário aos padrões internacionais.

Embora a maior parte das manifestações tenha sido pacífica, houve também relatos de destruição e danos a bens urbanos e privados, bem como obstrução de vias públicas. No entanto, alguns atos de violência isolados não podem ser uma razão para estigmatizar todas as manifestações como violentas, nem para as reprimir violentamente.

Preocupa a Amnistia Internacional que as autoridades do governo nacional tenham declarado publicamente que as manifestações têm fins “terroristas” e que, deste modo, o uso de força excessiva contra a população seja justificado. Além disso, as declarações de autoridades locais a apelar aos civis para que usem armas contra manifestantes são assustadoras e parecem justificar o uso de estratégias paramilitares. Isto não só viola os padrões de direitos humanos, como se revela uma afronta para todas as vítimas de grupos paramilitares num país que tem o conflito interno armado mais longo no continente. A estigmatização do protesto social só gera repressão e violações dos direitos humanos, bem como uma atmosfera de desconfiança nas autoridades que não conduz ao estabelecimento genuíno de canais de diálogo.

A Amnistia Internacional assinou uma petição global juntamente com 650 organizações da sociedade civil exigindo uma investigação exaustiva às violações dos direitos humanos no contexto da repressão, e apelando à Comissão Interamericana de Direitos Humanos para que solicite o consentimento do estado colombiano para visitar o país e estabelecer um órgão independente de especialistas para ajudar na investigação dos eventos e garantir justiça às vítimas.

 

Apelo urgente para um cessar da violência contra Povos Indígenas no contexto da Greve Nacional

Os relatos de violentos ataques surgem também contra o coletivo Minga Indígena em Cali, que deixaram feridos vários membros do Conselho Indígena Regional de Cauca (CRIC).

“Historicamente, as pessoas indígenas e afrodescendentes sofreram desproporcionadamente com as consequências da violência, do conflito armado e da ausência de proteção estatal.”

Erika Guevara-Rosas, diretora da Amnistia Internacional para as Américas

“Os ataques por civis armados, alguns na presença da polícia, contra a Minga Indígena em Cali são um reflexo da incessante dinâmica de violência na Colômbia, que foi acentuada durante os protestos sociais relacionado com a Greve Nacional. Desde 28 de abril, houve relatos de dezenas de pessoas mortas, centenas feridas e desaparecidas, atos de tortura sexual e cenas de horror por entre a repressão de manifestações maioritariamente pacíficas, sem o governo de Iván Duque sequer reconhecer publicamente estas violações dos direitos humanos.”, refere Erika Guevara-Rosas.

“Historicamente, as pessoas indígenas e afrodescendentes sofreram desproporcionadamente com as consequências da violência, do conflito armado e da ausência de proteção estatal. É inaceitável que as autoridades não tenham imediatamente atendido aos apelos urgentes que lhes foram dirigidos para impedirem a violência armada; pelo contrário, várias autoridades, incluindo a Polícia Nacional, emitiram declarações estigmatizantes sobre a Minga Indígena e aqueles que se manifestavam pacificamente em Cali.”

“Além da repressão excessiva, houve também constante censura daqueles que se manifestam, que incita e justifica a violenta resposta contra os mesmos. A Minga Indígena teme pelas vidas dos seus membros, incluindo aqueles que estão hospitalizados. Apelamos urgentemente ao governo de Iván Duque para que pare a repressão e a estigmatização do protesto, e para que garanta todos os direitos humanos das pessoas indígenas e afrodescendentes que participam na Greve Nacional.”

Segundo um relatório conjunto das ONG Temblores e Indepaz, foram reportados 47 assassinatos durante a Greve Nacional, de 28 de abril a 9 de maio. Destes casos, 36 ocorreram em Valle del Cauca (35 em Cali e um em Yumbo). O relatório conjunto denuncia que as forças de segurança e as autoridades não atenderam aos apelos dos cidadãos para impedir ataques por pessoas armadas contra manifestantes, a presença de agentes policiais “à paisana” entre as pessoas e a repressão de manifestações pacíficas.

 

INFORMAÇÃO ADICIONAL

O uso desproporcionado de força por agentes da Polícia Nacional foi amplamente documentado pela Amnistia Internacional na Colômbia. A organização condenou atos de tortura e uso excessivo de força no contexto de manifestações pacíficas que tiveram lugar em novembro de 2019 e setembro de 2020.

Em setembro passado, após verificar a violência excessiva que ocorreu em novembro e dezembro de 2019, o Supremo Tribunal de Justiça colombiano emitiu uma decisão histórica, advertindo as forças de segurança a absterem-se de intervenções sistemáticas, arbitrárias e violentas em manifestações públicas. Segundo relatos de organizações e redes de direitos humanos, as autoridades colombianas ainda não cumpriram com esta decisão.

As autoridades colombianas têm obrigação de respeitar os direitos humanos, nomeadamente o direito à reunião pacífica e ao protesto, que estão intimamente ligados aos direitos à liberdade de expressão e participação política. O Comité de Direitos Humanos das Nações Unidas observou que falhas quanto ao respeito e garantia do direito a reunião pacífica são, frequentemente, um indício de repressão.

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