17 Novembro 2020

Cerca de oito meses depois do início da pandemia, o governo da Síria não está a proteger adequadamente os profissionais de saúde, continua sem respostas robustas à propagação da doença e recusa-se a fornecer informações transparentes sobre o surto de COVID-19 no país.

“A falta de transparência do governo em relação à escala do surto de COVID-19, a distribuição inadequada de equipamentos de proteção individual e a escassez de testes estão a colocar ainda mais em risco os profissionais de saúde e a população em geral”

Diana Semaan, investigadora para a Síria da Amnistia Internacional

Familiares de doentes, médicos e trabalhadores humanitários revelaram à Amnistia Internacional que os hospitais públicos foram forçados a recusar pacientes devido à falta de camas e equipamentos. Em desespero, alguns residentes foram forçados a alugar oxigénio e ventiladores por preços exorbitantes. Milhares de vidas, incluindo de profissionais de saúde, continuam em risco, devido à falta de transparência e eficácia da informação ou à escassez de testes.

“O sistema de saúde decadente da Síria já estava no limite antes da pandemia. Agora, a falta de transparência do governo em relação à escala do surto de COVID-19, a distribuição inadequada de equipamentos de proteção individual e a escassez de testes estão a colocar ainda mais em risco os profissionais de saúde e a população em geral”, denuncia a investigadora para a Síria da Amnistia Internacional, Diana Semaan.

“O governo sírio deve garantir, com urgência, que os profissionais de saúde que cuidam de doentes com COVID-19 tenham equipamentos de proteção individuais adequados e recebam formação sobre a utilização desses dispositivos. Se não tiver capacidade, deve procurar mais apoio de organizações internacionais de saúde que trabalham em áreas que estão sob o seu controlo”, explica.

As autoridades sírias parecem estar a subnotificar, de forma significativa, os números da COVID-19. No dia 22 de março, o governo declarou o primeiro caso. Até 10 de novembro, o Ministério da Saúde notificou a existência de 6352 infeções e 325 mortes. A 29 de agosto, o secretário-geral adjunto interino para os Assuntos Humanitários e coordenador-adjunto para o Socorro de Emergência, Ramesh Rajasingham, relatou ao Conselho de Segurança da ONU a existência de “instalações de saúde a encher”, “números crescentes de notificações de óbitos e enterros”, que pareciam “indicar que os casos excedem em muito os dados oficiais”. O mesmo responsável acrescentou que os casos não puderam ser rastreados até uma fonte conhecida, o que também indicava testes e sistemas de vigilância fracos para controlar os surtos da doença.

Entre agosto e outubro, a Amnistia Internacional entrevistou 16 médicos, trabalhadores humanitários e familiares de doentes com COVID-19, em Damasco e Daraa, na Síria, e também fora do país. Todos os depoimentos indicam que a situação está pior do que há oito meses.

O Ministério da Saúde não está a publicar informações sobre o impacto da COVID-19 nos profissionais de saúde. A única informação disponível é a que este organismo reporta à ONU.

Até outubro, um total de 193 profissionais de saúde tinham testado positivo, mas o número pode ser muito maior devido à escassez de testes. Onze profissionais de saúde morreram de COVID-19, mas o sindicato de médicos da Síria precisou que, até ao mês de agosto, pelo menos 61 profissionais de saúde foram vítimas da doença.

Sistema de saúde em risco

O surto de COVID-19 trouxe pressão adicional ao sistema de saúde da Síria, dizimado por quase uma década de conflito. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), apenas 50 por cento dos hospitais funcionam em pleno, 25 por cento funcionam parcialmente devido à falta de pessoal, equipamentos, medicamentos ou danos nos edifícios e os restantes 25 por cento não funcionam de todo.

“O governo sírio deve garantir, com urgência, que os profissionais de saúde que cuidam de doentes com COVID-19 tenham equipamentos de proteção individuais adequados e recebam formação sobre a utilização desses dispositivos. Se não tiver capacidade, deve procurar mais apoio de organizações internacionais de saúde”

Diana Semaan, investigadora para a Síria da Amnistia Internacional

Apesar de a OMS e organizações internacionais sediadas em Damasco terem afirmado que forneceramequipamentos de proteção individual ao governo sírio, a Amnistia Internacional ouviu trabalhadores humanitários que indicaram que as autoridades têm sido extremamente lentas na sua distribuição, por razões desconhecidas.

Familiares de pessoas infetadas, que se encontram em Damasco, contaram à Amnistia Internacional que clínicas privadas, apesar de fornecerem cuidados médicos muito melhores do que os hospitais públicos, tiveram de recusar doentes com COVID-19. As autoridades só permitem que as instituições públicas tratem pacientes infetados.

Um médico afirmou à Amnistia Internacional que, depois de o seu avô ter revelado sintomas de COVID-19, em meados de julho, a família levou-o a dois hospitais públicos, em Damasco, que não tinham camasdisponíveis. Duas semanas depois, morreu.

“O hospital só fez testes e disse à minha família que ele precisaria de oxigénio. Com alguma dificuldade, conseguimos alugar uma botija, mas, três dias depois, morreu. A minha família quase não conseguia pagar ooxigénio porque os preços aumentaram significativamente, à medida que mais e mais pessoas precisam de botijas e ventiladores”, apontou.

Falta de transparência

De acordo com a ONU, existem cinco laboratórios para processar os testes de COVID-19 dos 15 milhões de pessoas que vivem nas áreas controladas pelo governo. Em locais como Daraa e no nordeste da Síria, onde as taxas de infeção aumentaram significativamente nos últimos meses, a capacidade de testagem é inexistente.

Em Daraa, residentes e um médico explicaram à Amnistia Internacional que os testes não estavam disponíveis desde junho. Antes, os resultados demoravam até uma semana, já que tinham de ser enviados para o Laboratório Central de Saúde Pública, em Damasco. No nordeste do país, a ONU informou que os casos devem ultrapassar a fasquia dos 4100 devido a lacunas significativas na capacidade de deteção e também de testarem.

O Ministério da Saúde publica um relatório diário com dados sobre o número de casos confirmados, óbitos e doentes recuperados. No entanto, os dados excluem o número de testes realizados. Familiares de pessoas infetadas, trabalhadores humanitários e um médico em Damasco revelaram à Amnistia Internacional que os testes estão disponíveis apenas para quem viaja para fora da Síria.

Em agosto, o Ministério da Saúde afirmou que o governo não conseguiu as análises devido a “um bloqueio económico injusto, imposto ao país, que afetou o setor da saúde”. Um mês depois, indicou que iria disponibilizar 300 testes por dia para pessoas que viajam para fora da Síria, com um custo de 100 dólares norte-americanos – cerca de 51 mil libras sírias, quando o salário médio mensal é de cerca de 60 mil.

Dois trabalhadores humanitários relataram que a fraca capacidade de testagem se deve à ausência de uma política governamental coerente para lidar com a pandemia, à falta de consciência sobre a importância dos testes e a obstáculos burocráticos fruto da centralização da tomada de decisões. A Amnistia Internacional apela ao governo sírio para intensificar a sua resposta de saúde pública, garantindo o acesso adequado a cuidados de saúde de qualidade para todos e que os profissionais de saúde tenham os equipamentos de proteção necessários. Além disso, o aumento e a divulgação de informações precisas e atualizadas sobre a propagação do vírus é a chave para abordar efetivamente a COVID-19.

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