25 Janeiro 2021

As autoridades prisionais do Egito submetem prisioneiros de consciência e outros detidos por razões políticas a tortura e condições desumanas de detenção. A Amnistia Internacional denuncia ainda que, como forma de punição, os dissidentes não têm acesso a cuidados de saúde.

As conclusões estão no mais recente relatório da organização. De acordo com a investigação, a crueldade das autoridades egípcias levou ou contribuiu para a mortes sob custódia e danos irreparáveis ​​à saúde de prisioneiros.

“Os responsáveis pelas prisões mostram total desrespeito pelas vidas e pelo bem-estar dos detidos que estão amontoados em celas sobrelotadas, ignorando em grande parte as suas necessidades de saúde”

Philip Luther, diretor de Investigação e Advocacy da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África

What do I care if you die?” Negligence and denial of heath care in the Egyptian prisons (“‘Que me importa se vais morrer?’ Negligência e negação de cuidados de saúde nas prisões egípcias”) é lançado quando passam dez anos do início da revolução de 2011 e oferece uma imagem sombria da crise de direitos humanos nas prisões egípcias, cheias de mulheres e homens corajosos que estavam na linha da frente da luta por justiça social e política. Além disso, mostra como as autoridades prisionais falharam em proteger os presos da pandemia de COVID-19 e discriminaram, de forma regular, quem tem origens socioeconómicas desfavorecidas.

“Os responsáveis pelas prisões mostram total desrespeito pelas vidas e pelo bem-estar dos detidos que estão amontoados em celas sobrelotadas, ignorando em grande parte as suas necessidades de saúde. As famílias têm de lhes fornecer medicamentos e alimentos, bem como dinheiro para que possam comprar produtos básicos como sabonetes”, enumera o diretor de Investigação e Advocacy da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África, Philip Luther.

O relatório documenta a experiência de detenção de 67 pessoas, detidas em três prisões femininas e 13 prisões masculinas. Dez morreram sob custódia e duas logo após a sua libertação, em 2019 e 2020.

A Amnistia Internacional comunicou as conclusões às autoridades egípcias no último mês de dezembro. No entanto, até agora, não obteve qualquer resposta.

“É lamentável que as autoridades egípcias estejam a tentar intimidar e atormentar os defensores de direitos humanos, políticos, ativistas e outros opositores reais ou presumidos, negando-lhes cuidados de saúde. Quando a negação causa forte dor ou sofrimento, e é um ato deliberado para fins de punição, constitui tortura”, explica Philip Luther.

Condições cruéis e desumanas de detenção

Nas 16 prisões abrangidas pela investigação, as condições de detenção cruéis e desumanas a que os presos foram submetidos ameaçaram o seu direito à saúde. Entre estas constataram-se celas sobrelotadas e sem ventilação, saneamento precário e guardas que lhes negaram roupa de cama e vestuário adequados, comida suficiente, artigos de higiene pessoal, o acesso a locais com ar fresco e para fazer exercício. As visitas de familiares também foram proibidas.

“É chocante que todos os 67 indivíduos, cujos casos estão documentados neste relatório, tenham visto, pelo menos uma vez, negado atendimento médico adequado na prisão ou a transferência para hospitais com capacidade especializada”

Philip Luther, diretor de Investigação e Advocacy da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África

“Há provas de que as autoridades prisionais, em alguns casos citando instruções da Agência de Segurança Nacional, têm como alvo certos prisioneiros para puni-los pela sua oposição ou crítica ao governo”, denuncia Philip Luther.

As represálias incluíam confinamento solitário prolongado e indefinido, em condições abusivas, por mais de 22 ou 23 horas por dia, a proibição de visitas da família por períodos até quatro anos e a impossibilidade de receberem alimentos ou outros produtos de parentes e pessoas próximas.

Geralmente, as enfermarias não têm condições de higiene e carecem de equipamentos e profissionais de saúde qualificados. Os médicos apenas administram analgésicos independentemente dos sintomas e até recorrendo a abusos verbais contra os presos, inclusivamente acusando-os de “terrorismo” e “delinquência moral”. Duas antigas detidas revelaram que foram alvo de abusos e assédio sexual de membros do corpo clínico da prisão.

Outros ex-prisioneiros também afirmaram que não havia um mecanismo claro que possibilitasse a procura de assistência médica, mesmo em casos de emergência. Totalmente à mercê dos guardas e de outros funcionários da prisão, os seus apelos eram ignorados de forma recorrente. A existência de serviços de saúde mental é quase nula, enquanto o acesso a cuidados no exterior das instalações só foi disponibilizado para alguns detidos que tinham tentado o suicídio.

As autoridades recusam-se frequentemente a transportar presos com perfis políticos que precisam de atendimento médico urgente em hospitais externos com capacidade especializada relevante. Ao mesmo tempo, não disponibilizam alguns tipos de medicação, até quando os custos associados poderiam ser suportados pelas famílias.

O prisioneiro de consciência Zyad el-Elaimy, ex-deputado e uma das principais figuras nos protestos de 25 de janeiro de 2011, continua sem receber os cuidados de que precisa devido ao seu quadro clínico. Abdelmoniem Aboulfotoh, antigo candidato presidencial e fundador do partido da oposição Misr Al-Qawia, que está detido arbitrariamente desde fevereiro de 2018, encontra-se em regime de confinamento solitário, apesar de sofrer de diabetes, hipertensão e problemas na próstata. As autoridades têm negado os seus pedidos de transferência para tratamento no exterior e atrasaram, com efeitos graves, o acesso que poderia ter a médicos na prisão. Os procuradores também rejeitaram todas as queixas que tem apresentado ao longo do tempo.

“É chocante que todos os 67 indivíduos, cujos casos estão documentados neste relatório, tenham visto, pelo menos uma vez, negado atendimento médico adequado na prisão ou a transferência para hospitais com capacidade especializada durante sua detenção, causando assim uma deterioração significativa da sua saúde”, explica Philip Luther.

“Este flagrante abandono do dever por parte das autoridades prisionais é feito com o conhecimento e às vezes com a cumplicidade dos procuradores, não se observando qualquer supervisão independente”, sublinha.

Mortes sob custódia

A Amnistia Internacional investigou 12 mortes sob custódia ou registadas pouco depois da libertação, e tem conhecimento de 37 outros casos só em 2020 – a organização não conseguiu obter o consentimento das famílias para investigar por medo de represálias.

Grupos egípcios de direitos humanos estimam que centenas de pessoas morreram sob custódia desde 2013. As autoridades recusam divulgar dados ou realizar investigações eficazes, completas, imparciais e independentes.

As autoridades egípcias também não divulgam o número de presos no país. As estimativas colocam a fasquia em 114 mil, mais do dobro da capacidade prisional de 55 mil indicada pelo presidente Abdalfatah al-Sisi, em dezembro de 2020.

O número de prisioneiros cresceu rapidamente após o afastamento do ex-presidente Mohamed Morsi, em julho de 2013. Nas 16 prisões investigadas, centenas de detidos estão amontoados em celas sobrelotadas, com uma área média estimada de 1,1m² por pessoa, muito menos do que o mínimo de 3,4m² recomendado pelos especialistas.

Resposta à COVID-19

Face à crise pandémica de COVID-19, as autoridades continuam a ignorar os apelos para reduzir a população prisional, colocando mais vidas em risco. No ano passado, foram libertadas menos quatro mil pessoas do que em 2019, através de indultos presidenciais e da aplicação da liberdade condicional.

A distribuição regular de produtos sanitários não é realizada e quem chega não é testado. Em casos suspeitos de infeção, também não são feitos testes e os presos não são isolados.

Recursos

Artigos Relacionados