3 Agosto 2021

Praticamente nenhuma das maiores empresas de capital de risco (CR) do mundo tem implementadas políticas sólidas de due dilligence de direitos humanos, revelou a Amnistia Internacional num importante relatório.

Os investidores de risco desempenham um papel decisivo na construção do futuro da tecnologia e, consequentemente, do futuro da nossas economias, políticas, sociedades e direitos humanos. No entanto, há um esforço lamentavelmente pequeno por parte de empresas de CR para assegurar que não estão a investir em empresas cujos produtos e serviços possam estar a causar ou a contribuir para abusos de direitos humanos.

Na primeira análise abrangente das responsabilidades de direitos humanos dos investidores de risco, a Amnistia Internacional fez um levantamento de todas as empresas na lista das 50 maiores empresas de CR do Venture Capital Journal, bem como de três aceleradores para impulsionar startups (Y Combinator, 500 Startups e TechStars). A organização descobriu que nenhuma das dez maiores empresas – que juntas angariaram mais de 82 mil milhões de dólares nos últimos cinco anos – tinham políticas adequadas de due dilligence em matéria de direitos humanos. De acordo com o Venture Capital Journal, as dez maiores empresas de CR são a Insight Partners, New Enterprise Associates, Tiger Global Management, Sequoia Capital, Lightspeed Venture Partners, Andreessen Horowitz, Accel, Index Ventures, Norwest Venture Partners e General Catalyst Partners.

Na verdade, das 50 empresas de CR e dos três aceleradores de startups analisados pela Amnistia Internacional, apenas uma única empresa (Atomico) dispunha de processos de due dilligence de direitos humanos que, eventualmente, cumpriam as normas estabelecidas pelos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos.

O não cumprimento da due dilligence é uma falha da responsabilidade empresarial no respeito pelos direitos humanos. A grande maioria das principais empresas de CR está a afastar-se da sua responsabilidade de fazer cumprir os direitos humanos ao abrigo das normas internacionais sobre empresas e direitos humanos, nomeadamente os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos, globalmente reconhecidos e apoiados.

“A nossa investigação revelou que a grande maioria das empresas de capital de risco mais influentes do mundo opera com pouca ou nenhuma consideração pelo impacto das suas decisões sobre os direitos humanos”, referiu Michael Kleinman, diretor da Amnesty Tech em Silicon Valley. “A aposta não podia ser maior – estes gigantes do investimento controlam os “cordões da bolsa” das tecnologias futuras e, dessa forma, o futuro das nossas sociedades.”

“A nossa investigação revelou que a grande maioria das empresas de capital de risco mais influentes do mundo opera com pouca ou nenhuma consideração pelo impacto das suas decisões sobre os direitos humanos”

Michael Kleinman

Classificar as maiores empresas de capital de risco do mundo

Este relatório investiga 50 das maiores empresas de CR do mundo, tendo como medida o total de financiamento obtido nos últimos cinco anos – juntas, um total de 164 mil milhões de dólares –, e examina ainda três destacados aceleradores de startups. Para esta investigação, a Amnistia Internacional analisou informação publicamente disponível sobre processos de due dilligence de direitos humanos de cada empresa de CR. Enviou igualmente diversas cartas a cada empresa, solicitando informações adicionais.

Como referido acima, nenhuma das dez principais empresas de CR tem implementadas políticas sólidas de due dilligence de direitos humanos. Oito destas empresas (NEA, Tiger Global Management, Sequoia Capital, Lightspeed Venture Partners, Andreessen Horowitz, Accel, Index Venture Partners e General Catalyst) não apresentaram provas de terem verificado se os seus investimentos poderiam estar ligados a abusos de direitos humanos. Duas das empresas (Insight Partners e Norwest Venture Partners) praticavam medidas com um certo nível de due dilligence em matéria de direitos humanos, embora não estivessem de acordo com as normas estabelecidas nos Princípios Orientadores das Nações Unidas.

A investigação da Amnistia Internacional destaca o facto de as empresas de CR financiarem companhias cujos produtos são vendidos a governos repressivos e causam, ou contribuem, para abusos de direitos humanos. Por exemplo, empresas tecnológicas apoiadas por CR fornecem equipamento de spyware ao governo chinês, que integra a distópica infraestrutura de vigilância que monitoriza a população uigur em Xinjiang.

As empresas de CR também investem em companhias cujos modelos de negócio prejudicam os direitos humanos. Por exemplo, no seu relatório Gigantes da Vigilância, a Amnistia Internacional explicou como o modelo de negócio baseado na vigilância das empresas de redes sociais, como o Facebook e a Google, compromete o nosso direito à privacidade. No entanto, os investidores de risco continuam a investir em empresas como o TikTok, com modelos de negócio semelhantes, baseados em vigilância. As empresas sustentadas em aplicações (apps) ou “trabalhadores autónomos”, tais como a Lyft e a Uber, também recebem financiamento crítico de investidores de risco, apesar de os funcionários enfrentarem, muitas vezes, condições de trabalho precárias e abusivas.

Além disso, a falta de due dilligence em matéria de direitos humanos, por parte das empresas de CR, aumenta drasticamente o risco de estas financiarem empresas que desenvolvem tecnologias novas e “de ponta”, com um impacto negativo considerável sobre os direitos humanos. Por exemplo, a aplicação de ferramentas de inteligência artificial/aprendizagem mecânica (IA/ML), cada vez mais poderosas, em  múltiplos setores, pode amplificar preconceitos e discriminações sociais existentes.

“A ausência de mecanismos de due dilligence de direitos humanos significa que os investidores de risco estão a fechar os olhos e escolher não querer saber se os seus investimentos estão a contribuir para violações de direitos humanos”, mencionou Kleinman.

“As empresas de CR não podem agir como se estivessem acima da lei. Como todas as empresas, têm uma responsabilidade de aplicar due dilligence para identificar, prevenir e mitigar quaisquer impactos adversos dos seus investimentos sobre direitos humanos.”

“Os investidores de risco estão a fechar os olhos e escolher não querer saber se os seus investimentos estão a contribuir para violações de direitos humanos”

Michael Kleinman

Ausência de diversidade

As equipas de investimento que são predominantemente brancas e masculinas são menos propensas a financiar startups lideradas por mulheres e pessoas negras, indígenas e pessoas de outra raça. Por sua vez, esta falta de diversidade significa que novas tecnologias que recebem investimento têm menos probabilidade de considerar o seu impacto nas mulheres, bem como nas comunidades minoritárias e marginalizadas.

Um estudo recente nos EUA, conduzido pela Associação Nacional de Capital de Risco (National Venture Capital Association – NVCA), a Venture Forward e a Deloitte, concluiu que as mulheres representam apenas 23% dos profissionais de investimento de capital de risco – aqueles envolvidos na decisão sobre que startups financiar –  enquanto 65% das empresas não tinha uma única parceira de investimento feminina. Esta falta de representação tem um impacto direto no investimento em startupsem 2018, as equipas fundadoras exclusivamente femininas receberam apenas 2.2% de todo o financiamento de risco baseado nos EUA.

Os números são ainda piores para a diversidade racial. Segundo o mesmo estudo da NVCA, Venture Forward e Deloitte, nos Estados Unidos, apenas 3% das pessoas que decidem sobre investimento de CR é negro, e 4% de origem latina. Os fundadores negros e latinos também receberam menos de 2,3% do financiamento do capital de risco. O problema é ainda mais gritante de uma perspetiva interseccional –  as fundadoras negras e latinas recebem menos de 0,5% de todo o financiamento de capital de risco baseado nos EUA em 2019.

A situação no Reino Unido (RU) é comparável. De acordo com a Diversity VC, em 2019, os homens representavam 80% de todos os papéis de investimento nas empresas de capitais de risco no RU.

“Esta falta de diversidade flagrante significa que as novas tecnologias de ponta estão a ser largamente financiadas e construídas por homens brancos, sem uma compreensão do impacto mais amplo das suas tecnologias. As empresas de CR necessitam urgentemente de mais mulheres e grupos minoritários na tomada de decisão e devem comprometer-se publicamente com a contratação de equipas mais diversificadas”, acrescentou Kleinman.

“As empresas de CR necessitam urgentemente de mais mulheres e grupos minoritários na tomada de decisão e devem comprometer-se publicamente com a contratação de equipas mais diversificadas”

Michael Kleinman

“Os investidores de risco acabam por decidir que startups crescerão para se tornar na próxima Google ou Facebook. Se queremos garantir que as principais empresas tecnológicas e tecnologias de amanhã apoiam os nossos direitos humanos, precisamos de agir hoje”, conclui.

 

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