3 Fevereiro 2019

por Patrick Poon, investigador para a China

Nur sempre sonhou estudar no Japão. Mas quando se despediu dos seus pais na Região Autónoma Uigur do Xinjiang, na China (XUAR) para se tornar um estudante em Tóquio, ele não podia saber que o seu sonho se tornaria num pesadelo.

Dois anos mais tarde, em Abril de 2017, Nur (cujo nome verdadeiro não pode ser revelado por motivos de segurança) recebeu um telefonema ansioso da sua mãe dizendo-lhe que a polícia na XUAR tinha ordenado que ele regressasse a casa.

Pouco tempo depois recebeu outro telefonema, do seu pai, e desta vez a mensagem era ainda mais arrepiante: “Não voltes e não lhes envies nenhuns documentos. Não voltes a contactar-nos.”

Nur estava confuso e assustado, mas não estava sozinho. Ele é um de muitos uigures – um grupo étnico minoritário predominantemente mulçumano e, na sua grande maioria, baseado na XUAR, no Noroeste da China – que se mudaram para o estrangeiro somente para serem apanhados pelos longos tentáculos da repressão do governo chinês.

Desde o início de 2017 que há provas crescentes de que as autoridades chinesas detiveram até um milhão de pessoas uigures, cazaques e de outras minorias étnicas em campos de internamento de massas – ditos de “re-educação” ou “treino vocacional” pelas autoridades de Pequim – onde enfrentaram tortura e outros tratamentos ilegais.

Para os uigures que vivem no estrangeiro, no Japão e não só, regressar a casa é uma faca de dois gumes. Por um lado, querem ver os seus entes queridos. Mas, por outro, colocam-se em risco de detenção arbitrária.

Para Nur, esse risco estava implícito na mensagem do seu pai. Deixou-o perante uma escolha impossível: ir para casa e arriscar ser enviado para um campo; ou ficar no Japão e não voltar a ver a sua família.

Antes de ligar a Nur, a mãe tinha sido contactada durante alguns meses pela polícia da XUAR, a pedir a documentação oficial provando que NUR estava a estudar no Japão. A Embaixada chinesa em Tóquio aconselhou Nur a obter estes documentos e enviá-los para casa. Agora, ele tem demasiado receio de fazer qualquer contacto com a polícia.

© JOHANNES EISELE/AFP/Getty Images

Outros uigures com quem falámos no Japão encontram-se em situações semelhantes: preocupados com o destino das suas famílias, mas demasiado assustados para regressarem a casa para as verem. Muitos dizem que, nas suas terras natais, a polícia perguntou aos seus pais sobre a situação dos seus filhos no estrangeiro. Alguns perguntaram mesmo pelos seus endereços de residência e números de contacto.

Um medo acrescido para os uigures no estrangeiro quanto a regressar a casa é que, mesmo evitando a detenção na XUAR, se vejam impedidos de voltar a deixar a China devido a questões de passaportes.

Nur disse ter tido de pagar aproximadamente 5,000 Euros à polícia na sua terra natal na XUAR de forma a poder solicitar um passaporte antes de partir em 2015, mas não sabe o que ocorrerá quando este expirar.

Outro uigur a residir no Japão disse-nos: “Preocupa-me o que acontecerá se eu entrar na Embaixada chinesa. Receio que se limitem a confiscar o meu passaporte.”

Os Uigures com quem falámos disseram-nos que isso já aconteceu a algumas pessoas quando tentaram renovar os seus passaportes chineses, impossibilitando-as de deixar o Japão. A recusa arbitrária de devolver ou renovar um passaporte é uma violação do direito à liberdade de circulação.

No Japão, os vistos permitem a 2,000 uigures residentes permanecerem indefinidamente no país, mesmo sem os seus passaportes chineses. Mas eles enfrentam a possibilidade real de nunca mais voltarem a ver as suas famílias – uma aflição tornada ainda mais dolorosa pelo medo constante de os seus familiares serem levados para campos.

© Amnesty Netherlands

Uma mulher uigur disse-nos que os seus três parentes, que antes a tinham visitado no Japão, estavam agora detidos em campos de “reeducação” no município de Tacheng, na parte noroeste da XUAR. Ela tinha considerado regressar à XUAR para encontrá-los, mas temia poder ser igualmente detida.

Após o seu passaporte chinês ter expirado, os funcionários na Embaixada chinesa no Japão disseram-lhe que este só podia ser renovado se ela voltasse à XUAR. Para muitos, a sensação é de que se trata de uma armadilha – o método do governo chinês para forçar os uigures a regressarem a Xinjiang para “reeducação”.

“Quem sabe o que lhe acontecerá se ela voltar à China?”, disse o seu marido. “Temos saudades da nossa família lá, mas regressar vai pôr-nos em risco. Não sabemos o que podemos fazer.”

Quando lhes perguntámos se pensam que alguma vez conseguirão voltar a ver as suas famílias na XUAR, nenhum dos Uigures com quem falámos se manifestou otimista.

“Nós temos vistos para viver no Japão, mas preocupa-nos se poderemos renovar os nossos passaportes quando expirarem, e receamos o que nos acontecerá se voltarmos à China. Simplesmente, não temos escolha,” disse um deles.

Desde que recebeu aquela chamada aterradora do pai, Nur teve contacto mínimo com a família. A sua comunicação foi restringida a curtas mensagens de ‘WeChat’ para confirmar que estão seguros e não detidos em campos. Por agora, essa parece ser a sua única esperança possível.

Texto de Patrick Poon, investigador para a China, originalmente publicado no Huffington Post Japan

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