14 Março 2024

 

  • Apesar do lançamento de bens essenciais através de aviões e por rotas marítimas, por si só, estas não são alternativas suficientes sem a entrega de ajuda por via terrestre;
  • À medida que aumentam as mortes por desnutrição e doença, o apelo aos governos para que deem prioridade ao cessar-fogo e à ajuda humanitária por via terrestre é reforçado por 25 ONG;

  

Desde o início da violência sem precedentes na Faixa de Gaza que as organizações humanitárias e de direitos humanos presentes no terreno têm sublinhado que a única forma de satisfazer as necessidades humanitárias da população palestiniana é através de um cessar-fogo imediato e permanente, e do acesso seguro e sem obstáculos de bens essenciais a partir dos pontos de passagem terrestres. 

Os Estados não podem olhar para os lançamentos aéreos de bens e para a abertura de um corredor marítimo de ajuda como medidas suficientes para as necessidades que se enfrentam na Faixa de Gaza. Devem relembrar-se que a sua principal responsabilidade é prevenir a ocorrência de atrocidades e exercer uma pressão política efetiva, capaz de terminar com  os  bombardeamentos incessantes e as restrições à entrega segura de ajuda humanitária.  

Durante meses, todas as pessoas na Faixa de Gaza têm enfrentado uma situação de fome crítica. De acordo com a Classificação Integrada das Fases de Segurança Alimentar e Nutricional (IPC – Integrated Food Security Phase Classification), a situação de fome que vivem as pessoas naquela região atingiu a maior proporção alguma vez registada numa população em crise de segurança alimentar. Há meses que as famílias bebem água que não é potável, passando também dias seguidos sem comida. O sistema de saúde entrou em colapso total devido a surtos de doenças e ferimentos graves provocados pelos constantes bombardeamentos. A severa desnutrição, a desidratação e outras doenças relacionadas provocaram, recentemente, a morte de pelo menos 20 crianças. A cada dia, a deterioração da situação alimentar, da água e da saúde agrava-se. As Nações Unidas já alertaram que a fome é iminente e que se seguirão mais mortes por fome e doença caso o acesso humanitário continue a ser interdito pelas autoridades israelitas.

As Nações Unidas já alertaram que a fome é iminente e que se seguirão mais mortes por fome e doença caso o acesso humanitário continue a ser interdito pelas autoridades israelitas

Ainda que os Estados tenham, nos últimos dias, aumentado o envio de ajuda por via aérea para a Faixa de Gaza, os trabalhadores humanitários sublinham que este método de distribuição de ajuda não tem, por si só, capacidade para satisfazer as enormes necessidades da região. O total de 2.3 milhões de pessoas que sobrevive em estado de catástrofe não resistirá apenas com o lançamento aéreo de ajuda humanitária.  

Os aviões não têm capacidade para fornecer a mesma quantidade de assistência que pode ser transportada por via terrestre. Enquanto um grupo de cinco camiões pode carregar cerca de 100 toneladas de bens essenciais, cada um dos lançamentos aéreos pode apenas dispensar algumas toneladas de ajuda. Existe também a preocupação quanto ao risco da distribuição aérea, uma vez que já houve relatos de, pelo menos, cinco civis palestinianos mortos devido ao lançamento de grandes pacotes com bens essenciais na Faixa de Gaza. A assistência humanitária não pode ser improvisada, devendo sempre ser prestada por equipas profissionais com experiência na organização de distribuições deste tipo de auxílio e na prestação direta de serviços que salvam vidas. 

 

Paraquedas com bens essenciais descem até ao solo, à medida que os aviões lançam pacotes de ajuda humanitária em várias regiões do norte da Faixa de Gaza, a 9 de março de 2024 (Fotografia de Omar Qattaa/Anadolu via Getty Images)

 

 

As entregas de ajuda têm de ter um rosto humano, não só para poder avaliar corretamente as necessidades das pessoas afetadas, mas também para restabelecer a esperança e a dignidade a uma população já traumatizada e desesperada. Após cinco meses de incessantes bombardeamentos e condições desumanas, toda a população da Faixa de Gaza merece muito mais do que bens limitados caídos do céu. 

As entregas de ajuda têm de ter um rosto humano, não só para poder avaliar corretamente as necessidades das pessoas afetadas, mas também para restabelecer a esperança e a dignidade a uma população já traumatizada e desesperada

Nesta declaração conjunta, as 25 ONG defendem que, embora toda a ajuda humanitária que chegue à Faixa de Gaza seja bem-vinda, o transporte aéreo ou marítimo deve ser visto como um complemento ao transporte terrestre e não como um substituto. Não pode, em circunstância alguma, substituir a assistência prestada por via rodoviária.

É importante notar que alguns dos Estados que efetuaram lançamentos aéreos nos últimos dias estão também a fornecer armas às autoridades israelitas, nomeadamente os EUA, o Reino Unido e a França. É, por isso, necessário relembrar que nenhum país pode servir-se da ajuda humanitária para contornar as suas responsabilidades e deveres ao abrigo do direito internacional, incluindo a prevenção de crimes de atrocidade. Para que estes Estados cumpram as suas obrigações à luz do direito internacional, devem pôr termo a todas as transferências de armas suscetíveis de serem utilizadas em crimes internacionais, assim como aplicar medidas significativas para impor o cessar-fogo imediato, o acesso humanitário sem restrições e a responsabilização dos perpetradores dos crimes.

Recentemente, os Estados terceiros anunciaram esforços para abrir um corredor marítimo a partir do Chipre, abordando a criação de um porto flutuante na costa da Faixa de Gaza, que necessitará de várias semanas para ficar operacional. No entanto, com famílias a morrer à fome, não existe tempo para construir as devidas infraestruturas em terra e no mar. Para salvar vidas, é necessário autorizar, de imediato, a entrada dos camiões humanitários com comida e medicamentos, cuja passagem para o interior da Faixa de Gaza está, de momento, impedida. Além disso, os carregamentos a partir desta doca para os múltiplos pontos de distribuição no território sofrerão os mesmos obstáculos que os camiões de ajuda provenientes de Rafah já enfrentam: insegurança persistente, interdição de acesso pelas forças israelitas e esperas excessivas nos postos de controlo israelitas. Assim sendo, a sua criação não alterará substancialmente a presente catástrofe humanitária, a menos que seja acompanhada de um pronto cessar-fogo e de um acesso total e sem restrições a todas as zonas da Faixa de Gaza. 

Por outro lado, existem também receios quanto à falta de transparência no que diz respeito à entidade que será responsável pelas infraestruturas e pela segurança da entrega da ajuda em terra. Os Estados devem garantir que o corredor marítimo não legitima uma ocupação militar terrestre israelita prolongada da Faixa de Gaza, instrumentalizando a necessidade de entrega de ajuda.

Os Estados devem garantir que o corredor marítimo não legitima uma ocupação militar terrestre israelita prolongada da Faixa de Gaza, instrumentalizando a necessidade de entrega de ajuda

As 25 ONG reconhecem que todo o auxílio é necessário neste contexto terrível, mas alertam para as potenciais consequências da criação de precedentes perigosos que conduzam à degradação do acesso humanitário por terra e ao prolongamento das hostilidades. A resposta humanitária adequada às enormes necessidades da Faixa de Gaza advém do acesso desimpedido da ajuda humanitária, sem obstáculos ao movimento dos trabalhadores humanitários profissionais que foram pré-posicionados, durante meses, no lado egípcio da fronteira. As organizações humanitárias têm a capacidade logística para prestar assistência aos 2.3 milhões de palestinianos na Faixa de Gaza. O que falta é a vontade política dos atores estatais para fazer cumprir o acesso. 

O que as organizações humanitárias esperam dos Estados terceiros é que recorram urgentemente o seu poder de influência para um cessar-fogo imediato e obriguem as autoridades israelitas a terminar com o bloqueio deliberado da ajuda vital em todas as zonas da Faixa de Gaza, nomeadamente através da abertura e do levantamento das restrições nos postos de passagem de Rafah, Kerem Shalom / Karam Abu Salem, Erez / Beit Hanoun e Karni. 

 

ONG signatárias:

Action Aid International
Comité de Serviço dos Amigos Americanos (American Friends Service Committee)
Amnistia Internacional
Associação das ONG italianas
CCFD-Terre Solidaire
CISS – Cooperação Internacional do Sul (Cooperazione Internazionale Sud Sud)
DanChurch Aid
Casa Dinamarquesa na Palestina (Danish House in Palestine)
Conselho Dinamarquês para os Refugiados (Danish Refugee Council)
HelpAge International
Humanity & Inclusion – Handicap International
IM Swedish Development Partner
Federação Internacional dos Direitos Humanos
INTERSOS
Ajuda Médica aos Palestinianos (Medical Aid for Palestinians)
Comité Central Menonita (Mennonite Central Committee)
Rede Internacional Médicos do Mundo (Doctors of the World)
Médicos Sem Fronteiras – França (Médecins Sans Frontières France)
Oxfam
Plan International
Première Urgence Internationale
Secours Islamique França
Terre des Hommes Itália
Aliança War Child
Associação para o Bem-Estar (Welfare Association)

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