17 Dezembro 2025

 

  • Mais de dois meses após o cessar-fogo, Israel só permitiu que um número de materiais e provisões extremamente limitado chegasse a uma população que carece de quase tudo e vive em extrema privação
  • As tempestades mortais dos últimos dias infligiram mais sofrimento a uma população já traumatizada e agravaram o sofrimento dos palestinianos, que ainda recuperam de dois anos de bombardeamentos implacáveis e deslocações forçadas
  • “Os governos de todo o mundo devem permitir urgentemente que Gaza se prepare para as condições severas do inverno, pressionando Israel a acabar com o bloqueio e a levantar todas as restrições à entrada de mantimentos essenciais” – Erika Guevara Rosas

 

 

A devastação causada pelas chuvas torrenciais na Faixa de Gaza ocupada, que levou à recente inundação de milhares de tendas e abrigos improvisados e causou o colapso de edifícios, foi alimentada pelas restrições contínuas de Israel à entrada de materiais essenciais para reparar infraestruturas vitais, afirmou hoje a Amnistia Internacional.

Mais de dois meses após o cessar-fogo, Israel só permitiu que um número de materiais e provisões extremamente limitado chegasse a uma população que carece de quase tudo e vive em extrema privação e num ambiente de destruição total.

Isto apesar das múltiplas ordens vinculativas do Tribunal Internacional de Justiça e do seu parecer consultivo de outubro de 2025 sobre as obrigações de Israel, como potência ocupante, de garantir o acesso a provisões essenciais e facilitar o trabalho da UNRWA – Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Médio Oriente – e de outras agências da ONU.

Mais de dois meses após o cessar-fogo, Israel só permitiu que um número de materiais e provisões extremamente limitado chegasse a uma população que carece de quase tudo e vive em extrema privação e num ambiente de destruição total.

E também da recente resolução da Assembleia Geral da ONU, que reafirmou esse parecer consultivo, exortando Israel a cumprir as suas obrigações legais em relação à assistência humanitária em Gaza. Trata-se de mais uma indicação de que as autoridades israelitas continuam a infligir deliberadamente aos palestinianos em Gaza condições de vida calculadas para causar sua destruição física, atos proibidos pela Convenção sobre Genocídio.

“O desastre era previsível; não foi um acidente, foi uma tragédia totalmente evitável. As cenas devastadoras de tendas inundadas e edifícios desmoronados em Gaza que surgiram nos últimos dias não podem ser atribuídas apenas ao ‘mau tempo’. São consequências previsíveis do genocídio em curso por parte de Israel e da política deliberada de bloquear a entrada de materiais de abrigo e reparação para os deslocados”, afirmou Erika Guevara Rosas, diretora sénior de Investigação, Advocacia, Política e Campanhas da Amnistia Internacional.

As tempestades mortais dos últimos dias infligiram mais sofrimento a uma população já traumatizada e agravaram o sofrimento dos palestinianos, que ainda recuperam de dois anos de bombardeamentos implacáveis e deslocações forçadas. É profundamente angustiante saber que a extensão deste desastre poderia ter sido evitada se as autoridades israelitas tivessem permitido a entrada de abrigos e outros materiais essenciais para reparar infraestruturas vitais. Israel deve levantar imediatamente o seu cruel bloqueio a Gaza e garantir o acesso irrestrito a bens essenciais, materiais de reparação e provisões humanitárias”, acrescentou.

“O desastre era previsível; não foi um acidente, foi uma tragédia totalmente evitável. As cenas devastadoras de tendas inundadas e edifícios desmoronados em Gaza que surgiram nos últimos dias não podem ser atribuídas apenas ao ‘mau tempo’. São consequências previsíveis do genocídio em curso por parte de Israel e da política deliberada de bloquear a entrada de materiais de abrigo e reparação para os deslocados.”

Erika Guevara Rosas

Após múltiplas deslocações, destruição ou danos em, pelo menos, 81 por cento das estruturas e a designação de quase 58 por cento da área total de Gaza como zonas proibidas, a esmagadora maioria dos palestinianos vive agora em tendas em ruínas ou abrigos danificados, com esgotos a transbordar e inundações, expostos ao frio e aos ventos fortes, sem cuidados médicos adequados ou materiais necessários para suportar o inverno.

A Amnistia Internacional visitou três edifícios danificados que ruíram após as tempestades da semana passada em Bir al-Naaja, no campo de refugiados de Jabalia; Al-Rimal, na cidade de Gaza; e Sheikh Radwan, na cidade de Gaza, e falou com familiares cujos entes queridos morreram como resultado do desabamento dos edifícios. Um total de nove pessoas morreram esmagadas quando os três edifícios ruíram a 12 de dezembro.

De acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, uma décima vítima também tinha morrido um dia antes devido ao colapso de um edifício no campo de refugiados de al-Shati. A organização falou também com sete pessoas deslocadas que vivem em acampamentos improvisados na cidade de Gaza, preparando-se para mais uma semana de tempestades e inundações.

 

Obstrução de ajuda e mantimentos essenciais

Segundo um relatório de emergência publicado por um conjunto de organizações humanitárias que operam em Gaza, quase 43 milhões de euros em ajuda e outras provisões vitais foram impedidas de entrar em Gaza desde o cessar-fogo e, pelo menos, 124 pedidos de ONG para levar ajuda para Gaza foram rejeitados.

De acordo com a UNRWA, as autoridades israelitas continuam a impedir a agência de levar abrigos e outros mantimentos essenciais para as pessoas deslocadas em Gaza. A 9 de dezembro, a UNRWA informou que tem pacotes de alimentos suficientes para 1,1 milhões de pessoas e abrigos para até 1,3 milhões de pessoas fora de Gaza, à espera de entrar, que as autoridades israelitas se recusam a permitir, em violação flagrante das suas obrigações ao abrigo do direito internacional. A necessidade dessas provisões aumentou drasticamente após as recentes inundações e o início da estação chuvosa.

A 9 de dezembro, a UNRWA informou que tem pacotes de alimentos suficientes para 1,1 milhões de pessoas e abrigos para até 1,3 milhões de pessoas fora de Gaza, à espera de entrar, que as autoridades israelitas se recusam a permitir, em violação flagrante das suas obrigações ao abrigo do direito internacional.

No mês passado, a Amnistia Internacional destacou que, apesar das melhorias limitadas desde o cessar-fogo, as autoridades israelitas continuam a cometer genocídio contra os palestinianos em Gaza, continuando a infligir deliberadamente condições de vida calculadas para provocar a sua destruição física. Documentou como as autoridades israelitas continuam a proibir a entrada de materiais necessários para reparar infraestruturas essenciais à vida, incluindo equipamentos essenciais para o tratamento de esgotos, a manutenção e reparação de infraestruturas de água e saneamento, e alertou para os receios de uma catástrofe de transbordo de esgotos no inverno.

A persistente recusa de Israel em levantar as restrições ao fornecimento de ajuda humanitária essencial e em cumprir as ordens provisórias vinculativas do Tribunal Internacional de Justiça sobre o acesso irrestrito à assistência humanitária, ou o seu parecer consultivo sobre a obrigação de facilitar o trabalho da ONU em todos os territórios palestinianos ocupados, é mais uma indicação de que a intenção genocida de Israel em Gaza não mudou.

 

Um desastre previsível e evitável

Um pai de quatro filhos, de 46 anos, descreveu como a tenda em que vivia com a família em Tal al-Hawa, na cidade de Gaza, ficou completamente inundada na semana passada:

“Desde que soubemos da tempestade que se aproximava, tentei tudo o que pude para proteger os meus filhos do seu impacto, incluindo o meu filho de 12 anos, que tem uma deficiência. Tentei fortalecer a minha tenda com nylon e colunas de madeira adicionais, mas ela ficou totalmente inundada… Não temos casa para onde voltar; algumas pessoas generosas doaram-nos uma tenda, mas esta semana há outra tempestade e não sei o que fazer. Sinto um desespero total. Ver os filhos a tremer de frio e não poder fazer nada por eles é a pior coisa para um pai; sinto-me completamente impotente”.

As restrições à entrada de ajuda humanitária também provocaram uma grave escassez de material para abrigos, permitindo que um número limitado de comerciantes aprovados por Israel, autorizados a trazer mercadorias, explorassem a crise, inflacionando os preços de bens essenciais, incluindo alimentos e tendas.

“Não temos casa para onde voltar; algumas pessoas generosas doaram-nos uma tenda, mas esta semana há outra tempestade e não sei o que fazer. Sinto um desespero total. Ver os filhos a tremer de frio e não poder fazer nada por eles é a pior coisa para um pai; sinto-me completamente impotente.”

Pai de quatro filhos

A Amnistia Internacional falou com Mohammed Nassar, cujos dois filhos, Lina, de 18 anos, e Ghazi, de 15, morreram quando a sua casa gravemente danificada em Sheikh Radwan ruiu, a 12 de dezembro, na sequência das tempestades. Descreveu como a família tinha fugido duas vezes para o sul de Gaza para escapar ao bombardeamento de Israel e manter os filhos em segurança, mas tinha regressado a Sheikh Radwan após o cessar-fogo. Estavam a viver no rés-do-chão de um edifício danificado.

“Pensávamos que ter um telhado sólido por cima significava proteção, privacidade e dignidade, especialmente porque tínhamos vivido em tendas… Pensava que era mais afortunado do que os outros. Para me preparar para a tempestade, tentei colocar coberturas, pois as janelas estavam partidas, e fiz alguns reparos”, relatou.

Nassar descreveu como, depois de sair em busca de comida na rua Al-Jalaa, voltou para casa e encontrou a esposa a gritar, pois o edifício de cinco andares onde moravam tinha desabado completamente. Os seus dois filhos, Lina, de 18 anos, e Ghazi, de 15, estavam no mesmo quarto quando os andares superiores da casa desabaram sobre eles.

“A mãe gritava por socorro para salvá-los dos escombros, mas quando os tiramos de lá, os seus corpos estavam completamente esmagados. Lina tinha acabado de passar nos exames Tawjihi (matrícula no ensino secundário); Ghazi esperava voltar à escola, mas os seus sonhos foram destruídos. Mandei os meus três filhos restantes para a casa dos avós enquanto procuro um novo lugar para nos abrigarmos. Ainda não consigo aceitar a ideia de que sobrevivemos ao bombardeamento apenas para os meus filhos serem esmagados como resultado da tempestade”, desabafou.

“A mãe gritava por socorro para salvá-los dos escombros, mas quando os tiramos de lá, os seus corpos estavam completamente esmagados. Lina tinha acabado de passar nos exames Tawjihi (matrícula no ensino secundário); Ghazi esperava voltar à escola, mas os seus sonhos foram destruídos”.

Mohammed Nassar

Os dois irmãos de Shadi Hannouna, Khalil, 24, e Khader, 18, morreram quando uma casa desabou sobre a sua tenda em al-Rimal, na cidade de Gaza, na madrugada de 12 de dezembro. A família tinha montado três tendas num terreno onde antes ficava a sua casa destruída: uma para ele, a sua esposa e filhos, outra para os seus dois irmãos e outra para os seus pais.

“Como sabíamos da tempestade que se aproximava, tentámos proteger as tendas o máximo possível, mas como é que se protege uma tenda? O nosso maior medo era de inundações e afogamentos, especialmente para os meus pais, que são idosos e não aguentam este frio”, disse.

“Por volta das cinco da manhã de sexta-feira, uma casa vizinha, já danificada, desabou sobre a tenda [dos meus irmãos]… o pior para nós é não sabermos para onde ir agora; não temos futuro; não temos horizonte… o inverno está apenas a começar e perdemos os meus dois irmãos desta forma”, concluiu Nassar.

Os dois irmãos de Shadi Hannouna, Khalil, 24, e Khader, 18, morreram quando uma casa desabou sobre a sua tenda em al-Rimal, na cidade de Gaza, na madrugada de 12 de dezembro. A família tinha montado três tendas num terreno onde antes ficava a sua casa destruída: uma para ele, a sua esposa e filhos, outra para os seus dois irmãos e outra para os seus pais.

“A devastação e as mortes causadas pela tempestade em Gaza são mais um alerta para a comunidade internacional, pago com as vidas de pessoas que conseguiram sobreviver a dois anos de genocídio contínuo por parte de Israel. Os governos de todo o mundo devem permitir urgentemente que Gaza se prepare para as condições severas do inverno, pressionando Israel a acabar com o bloqueio e a levantar todas as restrições à entrada de mantimentos essenciais, incluindo materiais para abrigos, alimentos nutritivos e ajuda médica”, defendeu Erika Guevara Rosas.

 

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