10 Setembro 2021

 

A Amnistia Internacional e a Omega Research Foundation apelaram hoje aos Estados para que apoiem um processo liderado pela ONU para regular o comércio de equipamento policial e de segurança, sublinhando a forma como as armas ubíquas – como bastões policiais – são sistematicamente utilizadas indevidamente, podendo constituir tortura e outros maus-tratos.

Numa nova investigação, Força Bruta (em inglês: Blunt Force), as organizações identificaram 188 incidentes onde vários agentes da autoridade usaram indevidamente armas de impacto, nomeadamente bastões, que são atualmente comercializados com pouca ou nenhuma regulamentação. A investigação fundamenta-se em provas fotográficas e de vídeo open-source de 35 países, e inclui exemplos de repressão violenta contra manifestações na Bielorrússia, Colômbia, França, Índia e Myanmar. Os vídeos mostram agentes policiais a recorrer a bastões e armas semelhantes, como lathis (bastões compridos) e sjamboks (chicotes de vara), para infligir punição, agredir pessoas que já se encontram imobilizadas, aplicar golpes perigosos e injustificados na cabeça, ou quase asfixiar pessoas através de constrição do pescoço.

Enquanto avança um processo das Nações Unidas para criar um enquadramento regulamentar internacional, a Amnistia Internacional e a Omega apelam a controlos mais apertados sobre o comércio de armas de aplicação da lei “menos letais”, bem como a uma proibição total de certos tipos de equipamento intrinsecamente abusivo, utilizado para tortura ou para a aplicação da pena de morte.

“Quando usados incorretamente, os bastões podem causar ferimentos graves ou até mesmo a morte. No entanto, o comércio de equipamentos de aplicação da lei como este continua a beneficiar de uma grave ausência de regulamentação. Os governos devem ser obrigados a realizar avaliações de risco rigorosas antes de permitirem que estes equipamentos sejam exportados”, referiu Verity Coyle, consultora de Assuntos Militares, Segurança e Policiamento na Amnistia Internacional.

“[…] o comércio de equipamentos de aplicação da lei como este [os bastões] continua a beneficiar de uma grave ausência de regulamentação. Os governos devem ser obrigados a realizar avaliações de risco rigorosas antes de permitirem que estes equipamentos sejam exportados”

Verity Coyle

“Os Estados devem também assegurar que as agências de aplicação da lei são treinadas e instruídas em policiamento tendo em conta o respeito pelos direitos humanos, como por exemplo no contexto de reuniões públicas, no qual tiveram lugar muitas das violações que documentámos. Existem padrões internacionais que regem como a polícia pode utilizar a força, mas a nossa investigação mostra que estes padrões estão a ser desrespeitados em todo o mundo – com consequências profundamente perigosas.”

 

De uso e abuso comum

Os dispositivos de impacto são o tipo mais comum de arma menos letal, transportados pela polícia e por forças de segurança em todo o mundo. Estes incluem cassetetes, como os já mencionados lathis sjamboks. A utilização generalizada destes equipamentos significa que eles estão entre os mais frequentemente escolhidos para praticar estes abusos, especialmente em contexto de repressão de manifestações.

Algumas armas e equipamentos menos letais podem ter um uso legítimo na aplicação da lei, quando empregues corretamente e em conformidade com os padrões internacionais. Numa ampla variedade de situações que exigem decisões instantâneas, os agentes policiais enfrentam, com frequência, circunstâncias extremamente stressantes e mesmo perigosas. Ainda assim, só se deve recorrer ao uso da força com o máximo respeito pela lei, com a devida consideração do grave impacto que se pode ter sobre um conjunto de direitos humanos.

De acordo com os Princípios Básicos das Nações Unidas sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei (PBUFAF), a polícia só pode usar a força para um propósito legítimo de aplicação da lei, e não pode recorrer a mais força do que a necessária para alcançar este objetivo. Qualquer dano potencial causado pelo uso da força por parte das polícias, não deve superar os danos que estas querem evitar. Além disso, tal como ocorre com outros instrumentos de força, os bastões nunca devem ser utilizados com fins de punição. Estas regras também se aplicam no contexto do policiamento de reuniões públicas.

De acordo com os Princípios Básicos das Nações Unidas sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei (PBUFAF), a polícia só pode usar a força para um propósito legítimo de aplicação da lei, e não pode recorrer a mais força do que a necessária para alcançar este objetivo.

Esta investigação mostra como os agentes da autoridade agem rotineiramente contra o direito e os padrões internacionais de direitos humanos, ao atacarem manifestantes que não representam qualquer ameaça de violência.

O Laboratório de Provas de Crise e a Unidade de Verificação Digital da Amnistia Internacional analisaram mais de 500 vídeos de manifestações entre 2011 e 2021, identificando e verificando 188 incidentes de uso indevido de bastões. Estão disponíveis – aqui – os vídeos de cinco casos ilustrativos, assim como a análise da Amnistia Internacional e da Omega sobre a violação dos padrões internacionais em cada caso.

Por exemplo, um vídeo de Hong Kong mostra um jovem manifestante a ser repetidamente atingido com cassetetes por vários agentes. Um dos agentes golpeia o manifestante na cabeça, causando sangramento. Golpes na cabeça são particularmente perigosos e podem mesmo ser fatais. Além disso, sob o direito e os padrões internacionais, é proibido colocar outra vida em risco se isso não for inevitável e em resposta a uma ameaça igualmente grave. O vídeo mostra, em particular, que os agentes tinham nitidamente à sua disposição outras opções, menos prejudiciais, para alcançar o objetivo de prender o manifestante.

Sob o direito e os padrões internacionais, é proibido colocar outra vida em risco se isso não for inevitável e em resposta a uma ameaça igualmente grave

Imagens da Bielorrússia, expõem a polícia de choque a conduzir um manifestante por umas escadas. Um agente golpeia o manifestante nas coxas, embora este não esteja a resistir à detenção; enquanto é detido por um agente, o manifestante é também atingido na nuca com um cassetete, e esmurrado no rosto e no estômago. Os golpes de bastão contra uma pessoa que se encontra sob controlo são desnecessários e desproporcionados, e equivalem à utilização punitiva dos bastões – o que corresponde a tortura, ou a outro tratamento ou castigo cruel, desumano e degradante, uma clara violação do direito internacional.

 

Processo da ONU

O secretário-geral da ONU encarregou um grupo de peritos de desenvolver propostas com o objetivo de criar um enquadramento internacional para regular o comércio de equipamento que pode ser usado para tortura ou aplicação da pena de morte. Isto inclui equipamento menos letal, como bastões e gás lacrimogéneo. Estes deverão apresentar um relatório à Assembleia Geral das Nações Unidas em 2022.

Em virtude do claro risco do uso indevido de armas comuns de aplicação da lei, qualquer enquadramento global para regulamentar o comércio deve abranger o âmbito mais amplo possível de equipamento.

Dr. Michael Crowley, investigador associado na Omega Research Foundation, referiu:

“Um número crescente de Estados reconheceu a necessidade de abordar o comércio de armas e equipamento de aplicação da lei, como parte do combate global à tortura e outros maus-tratos. O processo das Nações Unidas em curso, para desenvolver padrões internacionais comuns, constitui uma oportunidade única nesta geração para regular um comércio que está fora de controlo há décadas.

“Apelamos a todos os Estados para que apoiem a criação de um instrumento global e juridicamente vinculativo que proíba equipamentos e armas intrinsecamente abusivos e estabeleça controlos rigorosos sobre o comércio de equipamentos-padrão de aplicação da lei, para assegurar que não são enviados para onde o utilizarão como meio de tortura ou outros maus-tratos. Para que realmente faça a diferença, esta regulamentação deve abranger os tipos de armas, como os bastões, que são mais frequentemente usados de forma indevida por agentes da autoridade em todo o mundo.”

 

 

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