24 Fevereiro 2019

Os indivíduos nascidos com caraterísticas sexuais distintas das “normas” masculina ou feminina enfrentam barreiras no acesso a cuidados de saúde apropriados, correndo o risco de sofrerem danos físicos e psicológicos para toda a vida, disse hoje a Amnistia Internacional. Num novo relatório, “A Diversidade não Envergonha”, a organização usa estudos de caso na Islândia para mostrar como a falta de protocolos de cuidados de saúde baseados nos direitos significa que pessoas nascidas com variações de caraterísticas sexuais – que por vezes se autodescrevem como ‘intersexo’ – enfrentam estigma e discriminação, sendo frequentemente submetidas a cirurgias danosas.

Uma legislação que podia ajudar a parar isto – um Projeto-Lei sobre Autonomia Sexual e de Género – deverá ser apresentada no Parlamento Islandês no final de Fevereiro, mas estão ausentes delas proteções essenciais para as crianças. Em particular, não inclui provisões para acabar com as cirurgias “normalizadoras” não-urgentes, invasivas e irreversíveis praticadas sobre crianças nascidas com variações de caraterísticas sexuais.

A Amnistia Internacional tem destacado como, apesar do facto de a Islândia ser um dos países melhor classificados no Índice de Desigualdade Global de Género do Fórum Económico Mundial, até ao presente, as autoridades islandesas continuam a falhar na implementação de protocolos de saúde baseados nos direitos, e em assegurar que as pessoas com variações de caraterísticas sexuais podem aceder a cuidados de saúde adequados às suas necessidades.

“As crianças e os adultos intersexo são vistos como problemas necessitados de correção, e o facto de não poderem aceder a cuidados de saúde centrados nos seus direitos humanos pode causar sofrimento físico e mental ao longo da vida”

Laura Carter, Amnistia Internacional

“A Islândia tem uma reputação de igualdade de género, contudo, a forma como o sistema de saúde islandês trata as pessoas intersexo é altamente problemática. As crianças e os adultos intersexo são vistos como problemas necessitados de correção, e o facto de não poderem aceder a cuidados de saúde centrados nos seus direitos humanos pode causar sofrimento físico e mental ao longo da vida,” disse Laura Carter, investigadora sobre Orientação Sexual e Identidade de Género na Amnistia Internacional.

“As pessoas com quem falámos disseram sentir que os médicos não ouvem o que elas querem para si mesmas ou as suas crianças, optando, ao invés, por ‘normalizar’ os corpos das pessoas intersexo através de cirurgia invasiva ou administração de hormonas. Recentemente, registaram-se algumas mudanças de atitude, em grande medida graças ao trabalho incansável de ativistas, mas a persistência de um clima de desinformação e estigma significa que as pessoas intersexo continuam a ser lesadas.”

A Amnistia Internacional apela ao governo islandês para que implemente diretrizes de direitos humanos claras e apoio social efetivo para garantir que as pessoas com variações de caraterísticas sexuais conseguem aceder ao padrão mais elevado possível de cuidados de saúde.

Calcula-se que haja na Islândia cerca de 6 000 pessoas com caraterísticas sexuais – genitais, gónadas, hormonas, cromossomas ou órgãos reprodutivos – distintas das normas ‘masculina’ e ‘feminina’ estabelecidas. A Amnistia Internacional descobriu que, na Islândia, as pessoas que nascem com variações de caraterísticas sexuais se debatem para aceder a cuidados de saúde que sejam apropriados e centrados nos seus direitos humanos, o que em alguns casos pode causar danos duradouros.

Os indivíduos que falaram à Amnistia Internacional reportaram que a ausência de tratamentos adequados tem um impacto nocivo sobre a sua qualidade de vida ao longo de muitos anos. Em alguns casos, isto foi agravado pela ausência de acesso a registos médicos, não sendo dada às pessoas a informação completa sobre o que foi feito aos seus corpos.

Kitty, ativista intersexo que fundou a organização Intersex Iceland, disse:

“É difícil obter bons serviços de saúde porque somos vistos como ‘desordens’ que há que corrigir… Muitos dos problemas de saúde que surgem derivam do tratamento a que nos submeteram em crianças. Não teríamos todos estes casos de osteopenia ou de osteoporose se não tivéssemos sofrido gonadectomias em crianças e tratamentos hormonais incompetentes quando éramos adolescentes.”

Ela acrescentou:

“Eu gostaria que estas variações fossem normais como tudo o resto. Não quero que as pessoas tenham de se esconder, sintam vergonha. Quero ver uma compreensão e aceitação de que a diversidade existe, que é boa e está tudo bem.”

Kitty, ativista intersexo

“Eu gostaria que estas variações fossem normais como tudo o resto. Não quero que as pessoas tenham de se esconder, sintam vergonha. Quero ver uma compreensão e aceitação de que a diversidade existe, é boa e está tudo bem.”

A Amnistia Internacional está a apelar ao governo islandês que tome passos legais e concretos para proteger e promover a igualdade para os indivíduos com variações de caraterísticas sexuais. O Projeto-Lei sobre Autonomia Sexual e de Género que se perspetiva apresenta uma oportunidade para tal. No entanto, tal como está hoje redigido, perde a oportunidade de acabar com as desnecessárias cirurgias de “normalização” sexual, esterilização e outros tratamentos praticados sobre crianças intersexo sem o seu consentimento informado.

A Amnistia Internacional está também a apelar ao governo islandês para que crie uma equipa multidisciplinar especializada para o tratamento médico de crianças e adultos com variações de caraterísticas sexuais. A organização está igualmente a solicitar ao governo da Islândia que desenvolva e implemente um protocolo de cuidados de saúde para indivíduos com variações de caraterísticas sexuais baseado nos direitos, de forma a garantir a sua integridade corporal, autonomia e autodeterminação. O governo deve assegurar que nenhuma criança é submetida a cirurgia não-urgente, invasiva e irreversível, ou a qualquer tratamento com efeitos danosos.

Contexto

Os termos usados para nomear as variações de caraterísticas sexuais são diversos e, em alguns casos, contenciosos. Este relatório utiliza frequentemente o termo ‘intersexo’, que é amplamente usado e com o qual muitos indivíduos com variações de caraterísticas sexuais se autoidentificam globalmente. No entanto, é importante notar que nem todos os indivíduos com variações de caraterísticas sexuais se identificam como pessoas intersexo.

Recursos

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