Um tribunal da Malásia decidiu anular uma pena “cruel e desumana” de três açoites com vara imposta a 27 homens rohingya. “Apesar de ser uma notícia bem-vinda, todos continuam presos juntamente com dezenas de outros refugiados rohingya, incluindo mulheres e crianças, simplesmente por tentarem escapar à terrível perseguição de que são alvo no Myanmar”, nota a investigadora para a Malásia da Amnistia Internacional, Rachel Chhoa-Howard.
Os 27 homens chegaram à costa malaia em abril deste ano. Na decisão do tribunal, anunciada esta quarta-feira, ficou expresso que estas pessoas são refugiadas que necessitam de proteção internacional devido à situação que se vive no estado de Rakhine, no Myanmar, de onde fugiram. Além disso, não podem ser devolvidas ao país originário, de acordo com o princípio de non-refoulement.
Rachel Chhoa-Howard, investigadora para a Malásia da Amnistia Internacional“Mesmo antes da pandemia, as detenções relacionadas com casos de imigração eram permitidas apenas nas circunstâncias mais excecionais. Na atual crise global de saúde pública, não são justificáveis”
“O governo da Malásia deve libertar todos os refugiados rohingya presos, visados e condenados por alegadas ‘infrações de imigração’, que são contrárias ao direito internacional. As centenas de outras pessoas rohingya mantidas em centros de detenção também devem ser libertadas e entregues aos cuidados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados”, defende Rachel Chhoa-Howard.
“Mesmo antes da pandemia, as detenções relacionadas com casos de imigração eram permitidas apenas nas circunstâncias mais excecionais. Na atual crise global de saúde pública, não são justificáveis”, conclui a investigadora.
Uma história que se repete
Desde o início de 2020, pelo menos 1400 pessoas rohingya encontravam-se em barcos no Mar de Andaman e na Baía de Bengala, depois de realizarem viagens extremamente perigosas, fugindo da perseguição no Myanmar e do sofrimento nos campos de refugiados no Bangladesh.
Em abril, as autoridades da Malásia autorizaram o desembarque de 202 rohingya de um barco que estava à deriva na costa de Langkawi. Outras embarcações foram afastadas pela guarda costeira e pelas forças armadas, tendo regressado ao Bangladesh. Aí, algumas pessoas foram encaminhadas para a ilha de Bhashan Char, na Baía de Bengala, tendo ficado com acesso limitado a outros membros da família e a serviços humanitários e de proteção – condições que podem equivaler a detenção arbitrária.
No início de junho, um segundo barco com 269 rohingya aportou na Malásia, depois de problemas detetados no motor. De acordo com relatos, várias pessoas morreram durante a viagem, incluindo uma mulher cujo corpo foi encontrado a bordo. A Reuters informou, citando duas fontes anónimas das autoridades malaias, que estava a ser planeado o envio dos sobreviventes – homens, mulheres e crianças – de volta ao mar.
Mais tarde, o chefe da agência marítima da Malásia recusou-se a negar a intenção, embora tivesse reconhecido que dezenas de pessoas não tinham sobrevivido. O primeiro-ministro do país, Muhyiddin Yassin, afirmou que o governo não implementaria o plano, em resposta a uma pergunta de um membro do parlamento.
Castigos corporais
Anteriormente, a Amnistia Internacional documentou como a justiça da Malásia aplica os castigos corporais, que equivalem a tortura. Funcionários do governo rasgam a carne dos presos com varas, em movimentos que podem atingir até os 160km/h. A dor causada é tão intensa que as vítimas geralmente desmaiam. O sofrimento pode durar semanas ou até anos, tanto em termos de problemas físicos como psicológicos.
De acordo com a lei internacional de direitos humanos, todas as formas de punição corporal são proibidas, pois violam a proibição absoluta de tortura e outras punições cruéis, desumanas ou degradantes. Muitas vezes, equivalem a tortura.