11 Março 2024

Uma investigação conjunta da Amnistia Internacional e do Comité para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) revela a necessidade urgente de reforçar e reformar o Mecanismo de Proteção dos Defensores dos Direitos Humanos e Jornalistas do México, no qual estavam inscritos oito jornalistas que foram assassinados nos últimos sete anos.

O relatório (“Ninguém garante a minha segurança: A necessidade urgente de reforçar as políticas federais do México para a proteção dos jornalistas”), analisa o mecanismo federal criado em 2012 para proteger os defensores dos direitos humanos e os jornalistas do país, que se encontram em risco extremo de ameaças e ataques devido ao seu trabalho. Embora a Amnistia Internacional tenha publicado anteriormente estudos sobre as deficiências do mecanismo na proteção dos defensores dos direitos humanos, este novo relatório, realizado com o grupo de liberdade de imprensa CPJ, centra-se especificamente no trabalho do Mecanismo para proteger os jornalistas.

“Chegou a altura de o Estado mexicano tomar medidas e mostrar que está finalmente disposto a levar a sério as suas obrigações para com a liberdade de imprensa”

Jan-Albert Hootsen

“O Mecanismo Federal para a Proteção dos Defensores dos Direitos Humanos e dos Jornalistas continua a ser uma parte crucial dos esforços do governo mexicano para tornar o país um lugar mais seguro para os jornalistas, mas só pode cumprir esse papel se resolver adequadamente as suas próprias falhas”, disse Jan-Albert Hootsen, representante do CPJ no México. “Após anos de derramamento de sangue incessante e de impunidade corrosiva, chegou a altura de o Estado mexicano tomar medidas e mostrar que está finalmente disposto a levar a sério as suas obrigações para com a liberdade de imprensa”.

O México é o país mais perigoso do hemisfério ocidental para os jornalistas, de acordo com extensa documentação do CPJ. Desde o início deste século, pelo menos 141 jornalistas e outros profissionais da media foram mortos, de acordo com a pesquisa do CPJ; pelo menos 61 desses assassinatos foram considerados diretamente relacionados com o seu trabalho. A impunidade é a norma nos crimes contra a imprensa. De acordo com o Índice de Impunidade Global anual do CPJ, o México está consistentemente entre os 10 países com o maior número de assassinatos de jornalistas que permanecem sem solução. O CPJ também constatou que o México é o país com o maior número de jornalistas desaparecidos do mundo, mas nenhum caso de jornalista desaparecido no México levou a uma condenação.

Para além dos assassinatos e desaparecimentos, os jornalistas no México enfrentam constantes ameaças, assédio e abusos físicos e psicológicos, tanto por parte de funcionários públicos como por membros de grupos do crime organizado. A maioria das ameaças e ataques está ligada à luta contínua do país contra grupos criminosos violentos, à militarização da chamada “guerra contra as drogas” e ao fracasso das agências de aplicação da lei em manter os jornalistas e o público em segurança em meio à alegada corrupção. De facto, o próprio Mecanismo concluiu que os funcionários públicos são responsáveis por quase metade das agressões registadas contra jornalistas no México.

 

Proteção fraca e ineficaz

O Mecanismo de Proteção dos Defensores dos Direitos Humanos e dos Jornalistas foi criado em 2012 pelo governo federal mexicano, após anos de pressão por parte de jornalistas e organizações da sociedade civil, para fazer face às constantes ameaças e ataques contra defensores e trabalhadores dos meios de comunicação social.

Ao longo dos últimos 18 meses, a Amnistia Internacional e o CPJ examinaram o Mecanismo através da análise de informações publicamente disponíveis sobre a instituição e de documentos obtidos através de pedidos de liberdade de informação ao Instituto Nacional de Acesso à Informação e Proteção de Dados Pessoais do México.  A Amnistia Internacional e o CPJ também realizaram investigação no terreno nos estados de Oaxaca, Quintana Roo e Tlaxcala, e aplicaram um questionário a 28 jornalistas inscritos no Mecanismo.

Em novembro de 2023, havia 651 jornalistas inscritos no Mecanismo: 469 homens e 182 mulheres. Mas o número de pedidos de proteção que o Mecanismo rejeitou aumentou acentuadamente nos últimos anos, de apenas um em 2020 para 14 em 2021, 49 em 2022 e outros 49 nos primeiros 11 meses de 2023.

Quase todos os jornalistas com quem a Amnistia Internacional e o CPJ falaram disseram que continuaram a sofrer incidentes de segurança depois de se inscreverem no Mecanismo e muitos descreveram a resposta do Mecanismo como lenta, burocrática e sem empatia. Muitas mulheres jornalistas também sentiram que o pessoal do Mecanismo minimizou os riscos que enfrentavam e não teve em conta o seu género.

 

Casos emblemáticos

A Amnistia Internacional e o CPJ traçaram o perfil de três casos emblemáticos de repórteres que foram inscritos no Mecanismo: Gustavo Sánchez Cabrera, Rubén Pat Cauich e Alberto Amaro Jordán. Sánchez e Pat foram ambos mortos enquanto estavam sob a proteção do Mecanismo e as suas histórias servem para recordar as consequências de uma proteção inadequada por parte da agência governamental. O caso de Amaro, que solicitou ao Mecanismo que não retirasse as suas medidas de proteção depois de as ter considerado desnecessárias, demonstra as dificuldades dos jornalistas na luta contra a burocracia, das falhas do Mecanismo em avaliar adequadamente os riscos e da chocante falta de interesse dos funcionários públicos em levar a sério as ameaças contra os jornalistas.

 

Recomendações

A Amnistia Internacional e o CPJ apelam às autoridades mexicanas para que garantam o financiamento adequado e formem adequadamente o pessoal do Mecanismo, revejam os seus processos de avaliação de risco e implementem uma perspetiva de género nos seus protocolos para melhor atender às necessidades específicas das mulheres jornalistas.

As organizações apelam também a uma colaboração muito mais estreita entre o Mecanismo e os órgãos de investigação federais e estatais do México para combater a impunidade e as causas profundas das ameaças e ataques contra jornalistas.

O governo mexicano deve tomar medidas imediatas para resolver os problemas que o Mecanismo enfrenta. Isto é particularmente urgente numa altura em que o México se dirige para um novo ciclo eleitoral que poderá ter impacto na forma como o país lida com as graves violações dos direitos humanos e com direitos fundamentais como a liberdade de imprensa.

Os jornalistas independentes Primavera Téllez Girón, Luis Miguel Carriedo, Juan Pablo Villalobos Díaz e Cecilia Suárez contribuíram para esta investigação.

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