3 Março 2021

As autoridades mexicanas reprimiram mulheres que protestavam pacificamente contra a violência de género, violando os seus direitos à liberdade de expressão e de reunião pacífica, conclui um relatório da Amnistia Internacional. O documento expõe ainda o uso de força desnecessária e excessiva, detenções arbitrárias e até violência sexual.

Em The (r)age of women: Stigma and violence against women protesters, foram analisados cinco protestos realizados por mulheres e grupos feministas, em 2020, nos estados de Guanajuato, Sinaloa, Quintana Roo, México e na Cidade do México.

“Durante as detenções e transferências, os agentes falaram com as mulheres recorrendo a uma linguagem violenta e sexualizada, fizeram ameaças de violência sexual e sujeitaram-nas a violência física e sexual”

Tania Reneaum Panszi, diretora-executiva da Amnistia Internacional México

“A resposta violenta de várias autoridades aos protestos das mulheres violou os seus direitos à liberdade de expressão e de reunião pacífica. Durante as detenções e transferências, os agentes falaram com as mulheres recorrendo a uma linguagem violenta e sexualizada, fizeram ameaças de violência sexual e sujeitaram-nas a violência física e sexual. Muitas mulheres não sabiam onde estavam, quem as estavam a prender ou para onde estavam a ser levadas, o que significa que corriam o risco de desaparecimento forçado”, explica a diretora-executiva da Amnistia Internacional México, Tania Reneaum Panszi.

O relatório indica que os agentes prenderam mais de uma dezena de mulheres sem se identificarem devidamente, mantiveram-nas incomunicáveis ​​por longos períodos e usaram rotas pouco comuns quando estas eram transferidas, sem que fossem informadas para onde estavam a ser levadas. Em alguns casos, não foram presentes às autoridades relevantes, causando-lhes medo de se tornarem vítimas de desaparecimento forçado.

A Amnistia Internacional lembra que causar deliberadamente sofrimento e incerteza sobre a possibilidade de os manifestantes serem submetidos a desaparecimento forçado é uma violação do direito à segurança pessoal. Além disso, infringe a proibição absoluta de tortura e outros maus-tratos.

Noutras ocasiões, os agentes recorreram ao uso de violência sexual. O objetivo seria dar uma lição pela ousadia de as mulheres protestarem em público e de se comportarem de forma contrária aos estereótipos de género.

Para a Amnistia Internacional, todo o abuso sexual cometido por uma autoridade estatal deve ser considerado uma forma de tortura, de acordo com o direito internacional dos direitos humanos.

“Estes protestos são uma chamada de atenção pelo direito das mulheres viverem uma vida livre da violência. São uma chamada de atenção para o combate da impunidade que prevalece em milhares de casos de feminicídio e violência sexual que causaram uma dor inimaginável a tantas famílias no México”

Tania Reneaum Panszi, diretora-executiva da Amnistia Internacional México

“As autoridades, em diferentes níveis do governo, estigmatizam os protestos das mulheres, caracterizando-os como ‘violentos’ com o objetivo de desacreditar o seu ativismo e questionar os seus motivos. Mas não nos iludamos: estes protestos são uma chamada de atenção pelo direito das mulheres viverem uma vida livre da violência. São uma chamada de atenção para o combate da impunidade que prevalece em milhares de casos de feminicídio e violência sexual que causaram uma dor inimaginável a tantas famílias no México”, nota Tania Reneaum Panszi.

Ambiente hostil

Na Cidade do México, a chefe do governo, Claudia Sheinbaum, afirmou que os protestos eram “provocações” que procuravam uma resposta mais violenta do Estado de forma a gerar atenção e condenação pública. No estado de Guanajuato, o secretário de Segurança Pública disse que a cidade de León não se podia transformar num local de protestos violentos, justificando as restrições impostas aos manifestantes. Esta estigmatização criou um ambiente hostil ao direito das mulheres à reunião pacífica, desacreditando o seu ativismo e incentivando tanto as autoridades como os civis a praticarem atos de violência.

De acordo com o direito internacional dos direitos humanos, as autoridades não podem usar os atos de violência de algumas pessoas durante um protesto como motivo para restringir ou impedir a maioria de exercer os seus direitos. Paralelamente, devem garantir que aqueles que protestam pacificamente possam continuar a fazê-lo.

A Amnistia Internacional concluiu que as autoridades mexicanas restringiram indevidamente os direitos dos manifestantes, classificando os protestos como violentos quando as ações estavam protegidas pelo direito à liberdade de expressão, como a pintura de frases. Embora possam justificadamente impor certas restrições para prevenir danos à propriedade pública ou privada, não devem tomar medidas que restrinjam indevidamente os direitos humanos e limitam aqueles que protestam pacificamente.

O relatório também mostra a estigmatização e criminalização das mulheres que participaram nos protestos com o rosto coberto – inclusivamente as que usavam máscaras como medida de saúde para evitar a disseminação da COVID-19 – ou vestidas de preto.

O que pedimos

A Amnistia Internacional apela às autoridades para que reconheçam, de forma contínua e abrangente, a legitimidade dos protestos de mulheres e grupos feministas, e se abstenham de fazer declarações estigmatizantes contra as manifestantes. Em relação às denúncias de violência sexual, devem realizar investigações rápidas, exaustivas, independentes e imparciais com uma perspetiva de género, a fim de garantir que os responsáveis ​​sejam levados à justiça em julgamentos justos e garantir uma reparação abrangente às vítimas.

O uso desnecessário e excessivo da força durante os protestos deve ser investigado para apurar a responsabilidade de cada agente, bem como da cadeia de comando. Por último, a organização apela às autoridades para que adotem medidas efetivas para prevenir, proteger e garantir o direito das mulheres a uma vida livre de violência, em particular do feminicídio e as diversas formas de violência sexual, e garantir um acesso adequado à justiça e reparação para as vítimas de violência de género.

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