15 Junho 2021

 

  • Aung San Suu Kyi enfrenta sete acusações e décadas de prisão, enquanto a Assembleia Geral da ONU se prepara para votar uma resolução histórica sobre Myanmar.
  • Desde o golpe de Estado militar, houve mais de 800 civis mortos – incluindo 58 crianças -, mais de 4800 pessoas detidas e mais de 100.000 deslocadas, só no Estado de Kayah.
  • Os Estados da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) desempenham um papel decisivo. Devem apoiar o apelo ao embargo de armas da ONU porque, se não o fizerem, irão proteger os crimes dos militares contra a população civil.
  • O apelo do alto representante da ASEAN para a libertação da oposição política é bem-vindo, mas outros Estados da ASEAN devem segui-lo.

 

A Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) tem de deixar de proteger os militares de Myanmar da pressão e responsabilização internacionais, referiu hoje a Amnistia Internacional, à medida que a crise de direitos humanos continua a agravar-se, acentuadamente, no país.

Com o início do julgamento de Aung San Suu Kyi no passado dia 14 de junho, a Amnistia Internacional insta também os Estados-membros da ASEAN a apoiar, finalmente, os apelos à libertação de todos os que foram detidos arbitrariamente no país, bem como a adotar medidas para suspender o fluxo de armas para os militares de Myanmar.

“O habitual compromisso da ASEAN de não-interferência está a permitir a atuação mortal dos militares e a fomentar uma crise humanitária e de direitos humanos, que afundará tanto a credibilidade da ASEAN como a própria estabilidade que procura manter”, disse Emerlynne Gil, diretora regional adjunta para a investigação da Amnistia Internacional.

“O habitual compromisso da ASEAN de não-interferência está a permitir a atuação mortal dos militares e a fomentar uma crise humanitária e de direitos humanos.”

Emerlynne Gil, diretora regional adjunta para a investigação da Amnistia Internacional

“Milhões de pessoas em Myanmar estão a perder confiança na ASEAN. O bloco regional deve mudar de rumo e oferecer proteção e segurança às pessoas em Myanmar, através do apoio aos esforços internacionais para proteger os civis e libertar todos os detidos arbitrariamente, incluindo Aung San Suu Kyi”.

Atualmente, Aung San Suu Kyi enfrenta um total de sete acusações. Se for considerada culpada, pode enfrentar décadas de prisão e será impedida de exercer novamente funções. Entre as acusações, está a violação da secção 55 da Lei Anticorrupção, da Lei dos Segredos Oficiais, da secção 67 da Lei das Telecomunicações e da Lei de Exportação e Importação (por posse de walkie talkies em sua casa). Enfrenta igualmente duas acusações ao abrigo da secção 25 da Lei de Gestão de Desastres Naturais e “incitamento” ao abrigo da secção 505 (b) do Código Penal.

“Os militares estão a aproveitar o seu arsenal de leis repressivas, incluindo as da era colonial, numa tentativa desesperada de silenciar Aung San Suu Kyi, líderes da oposição e muitos outros críticos que foram arbitrariamente detidos”, disse Emerlynne Gil.

As forças de segurança de Myanmar continuam a matar, ferir e prender civis. Desde o golpe de 1 de fevereiro, cerca de 863 civis – incluindo 58 crianças – foram mortos, existindo ainda um número incontável de feridos, segundo a Associação de Assistência aos Prisioneiros Políticos – Birmânia (AAPPB). Continuam a surgir relatos de tortura e mortes sob custódia. As restrições da internet prosseguem e a liberdade dos meios de comunicação social é severamente restringida.

Entretanto, os combates entre as organizações armadas militares e os grupos étnicos armados de Myanmar (GEA) com grupos de manifestantes, também eles armados, estão a aumentar e a expandir-se pelo país, culminando na morte ou ferimento de civis, na destruição de propriedades civis, e na deslocação forçada de centenas de milhares de mulheres, homens e crianças. Os recentes confrontos, incluindo ataques aéreos, obrigaram à deslocação de cerca de 100.000 civis, só nos Estados de Karenni ou Kayah, que necessitam urgentemente de assistência humanitária. Em 2021, até ao momento, existem aproximadamente 200.000 civis deslocados, somando-se aos mais de 300.000 deslocados já existentes que dependem da ajuda humanitária.

 

Reunião de alto-nível expõe a diplomacia frágil da ASEAN

A 4 de junho, uma delegação de alto-nível composta por Lim Jock Hoi, secretário-geral da ASEAN, e Erywan Pehin Yusof, segundo ministro dos Negócios Estrangeiros do Brunei e atual presidente da ASEAN, encontrou-se com o General Superior Min Aung Hlaing, líder do golpe e chefe das autoridades militares de Myanmar, na capital de Myanmar – Nay Pyi Taw.

Esta reunião em Nay Pyi Taw registou poucos progressos concretos no “Consenso de Cinco Pontos” da ASEAN sobre a crise de Myanmar, entre os quais, apelos para o cessar de violência, mecanismos de acesso humanitário e a nomeação de um enviado especial da ASEAN para Myanmar.

 

ASEAN deve apelar a Myanmar para que liberte quem foi detido arbitrariamente

Num avanço positivo, em declarações após o encontro Erywan Pehin Yusof, presidente da reunião de ministros dos negócios estrangeiros da ASEAN, pediu a libertação dos presos políticos em Myanmar.

De acordo com a AAPPB, a 13 de junho existiam 4.863 pessoas detidas ou que foram condenadas na sequência do golpe de Estado de 1 de fevereiro, incluindo a liderança civil eleita do país.

“O demorado compromisso de um alto funcionário da ASEAN com a libertação da oposição política é, ainda assim, bem-vindo e essencial, e esperamos que esta opinião seja adotada por consenso pela ASEAN”, disse Emerlynne Gil. “Deve também ficar claro que os esforços de mediação da ASEAN seriam praticamente impossíveis se os principais intervenientes estivessem todos atrás das grades”.

“A ASEAN deveria priorizar a exigência aos militares de Myanmar para que libertem, imediatamente, não só os prisioneiros políticos proeminentes, mas também todos os milhares de pessoas arbitrariamente detidas, e reivindicar ainda os seus direitos à liberdade de expressão, associação e reunião pacífica”, disse Emerlynne Gil.

 

A notória falta de progresso desde a cimeira de emergência da ASEAN

O Consenso de Cinco Pontos foi acordado numa cimeira de emergência em Jacarta a 24 de abril, na qual participou o General Superior Min Aung Hlaing. No entanto, as autoridades militares de Myanmar têm vindo a afirmar, repetidamente, que o Consenso não seria considerado até que o país tivesse alcançado a “estabilidade”. Entre a cimeira da ASEAN e 13 de junho, mais 115 pessoas foram mortas e mais 1.474 foram arbitrariamente detidas ou condenadas.

“Os generais de Myanmar estão a ridicularizar os reduzidos esforços da ASEAN para liderar a resposta internacional”

Emerlynne Gil

“Os generais de Myanmar estão a ridicularizar os reduzidos esforços da ASEAN para liderar a resposta internacional – e continuam a matar, prender, e a conduzir o país ao colapso, meros meses depois do Consenso de Cinco Pontos da ASEAN”, disse Emerlynne Gil.

“O bloco regional deve apoiar os esforços da ONU para proteger os civis, assegurar que as suas necessidades humanitárias são devidamente atendidas, parar urgentemente o fluxo de armas para os militares e assegurar a libertação de todos os que foram detidos arbitrariamente”, acrescenta.

 

Apelo crescente da ONU para o embargo internacional de armas a Myanmar

Os Estados-membros da ASEAN continuam a negociar com os países que apoiam uma resolução da Assembleia-Geral da ONU para abordar a crise de direitos humanos em Myanmar. Apenas alguns dos Estados que compõem a ASEAN são favoráveis a um embargo internacional de armas.

“A ASEAN deve apoiar a aprovação de uma resolução da Assembleia-Geral da ONU que apela à suspensão das transferências de armas para os militares de Myanmar. Tudo quanto fique aquém disto, é uma renúncia ao papel de liderança da ASEAN na crise do país, e revela que a ASEAN está alinhada a um exército que continua a matar e a prender manifestantes desarmados e outros civis.

O apelo à suspensão das transferências pela Assembleia-Geral da ONU, mesmo se aprovado, tem apenas força moral e não pode dissuadir os principais fornecedores de armas aos militares – como a China, Rússia e Índia. O Conselho de Segurança da ONU deve, de forma urgente, tornar obrigatório um embargo internacional abrangente de armas a Myanmar, para que todos os Estados impeçam a continuidade dos assassinatos cometidos por militares contra o seu próprio povo.

“Quer pela obstrução intencional, ou pelo desacordo interno, a ASEAN tornou-se o escudo dos militares de Myanmar, ao mais alto nível da diplomacia global. Os Estados da ASEAN têm de mudar a sua conduta, e unir-se contra as atrocidades militares, apoiando os apelos a um embargo de armas internacional e abrangente a Myanmar”.

 

 

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