21 Abril 2023

 

  • Repressão pelas autoridades já fez 300 mortos e mais de 2.000 feridos
  • Mais de 300 pessoas foram vítimas da privação arbitrária da sua nacionalidade
  • A instabilidade social e económica motivou a deslocação forçada de milhares de pessoas, que abandonaram a Nicarágua

 

A política de repressão do governo nicaraguense, que procura silenciar qualquer voz dissidente, continua a crescer, incorporando novos padrões de violações de direitos humanos. O novo relatório da Amnistia Internacional Un grito por la justicia: 5 años de opresión y resistencia en Nicaragua (em português: Um Grito por justiça: Cinco Anos de Opressão e Resistência na Nicarágua) traça a crise de direitos humanos vigente no país que dura há cinco anos.

Desde que a população saiu às ruas para se manifestar pacificamente contra as reformas do sistema de segurança social, a 18 de abril de 2018, que a repressão violenta foi o método escolhido pelo presidente do país, Daniel Ortega, para gerir a agitação social. Até agora, esse método já matou mais de 300 pessoas, deixou mais de 2.000 feridas e fez com que centenas fossem detidas arbitrariamente.

As principais táticas que o governo utilizou para encerrar o espaço cívico, operar sem controlo ou responsabilização e silenciar defensores de direitos humanos, jornalistas e quaisquer vozes dissidentes ou críticas contra o governo, foram analisadas no relatório. Entre elas, estão o uso excessivo da força, a utilização de leis penais para criminalizar injustamente ativistas e dissidentes, ataques à sociedade civil e exílio forçado. A aplicação destas táticas teve consequências desastrosas para os direitos humanos da população, que sofreu detenções arbitrárias, tortura, desaparecimentos forçados, execuções extrajudiciais e privação arbitrária da nacionalidade.

O uso desproporcional da força tem sido exercido pelas forças policiais, muitas vezes em coordenação com grupos para-policiais, responsáveis por milhares de detenções arbitrárias em diferentes momentos ao longo dos últimos cinco anos. Estes dois organismos repressivos têm ainda recorrido a armas letais em contextos não autorizados pelo direito internacional, provocando a morte de centenas de pessoas. Algumas mortes foram mesmo classificadas por órgãos de controlo dos direitos humanos como execuções extrajudiciais, um crime à luz do direito internacional.

Através de informações fornecidas por organizações da sociedade civil nicaraguense e documentação direta de casos em alturas diferentes, entre 2018 e 2023, a Amnistia Internacional pôde confirmar como o sistema judicial foi cooperado e, em colaboração com outras autoridades nacionais, levou a cabo julgamentos injustos de pessoas apenas porque estas foram consideradas críticas em relação ao governo.

Nos casos documentados no relatório, verificou-se como o governo utilizou o sistema de justiça criminal como instrumento de controlo e repressão contra pessoas consideradas dissidentes ou oponentes.

o governo utilizou o sistema de justiça criminal como instrumento de controlo e repressão contra pessoas consideradas dissidentes ou oponentes

Esta instrumentalização do sistema de justiça criminal conduziu centenas de pessoas para a prisão, apenas por exercerem o seu direito à liberdade de reunião pacífica, por denunciarem abusos cometidos pelas autoridades e por defenderem e promoverem os direitos humanos na Nicarágua.

A Amnistia Internacional detalha ainda comportamentos de assédio e repressão do governo nicaraguense às organizações de direitos humanos e meios de comunicação independentes. Nos últimos cinco anos, o governo criou várias leis para restringir a liberdade de expressão e reunião pacífica, submetendo estas organizações e os media a campanhas de difamação, interferência ilegal no seu funcionamento e criminalização injusta dos seus membros. Entre as várias medidas opressivas, o governo têm-lhes retirado o seu estatuto legal, feito rusgas aos escritórios, apreendendo os bens e contribuindo para a limitação da capacidade de realizarem o seu trabalho. Além disso, os defensores dos direitos humanos, ativistas de vários tipos e jornalistas têm sido igualmente sujeitos a assédio, ameaças e até ataques à sua integridade física. Muitos tiveram de fugir do país ou decidiram suspender temporariamente o seu trabalho com receio pela sua segurança.

O relatório descreve como a instabilidade social e económica provocada pela repressão severa e a crise de direitos humanos no país, desde 2018, tem forçado milhares de pessoas a abandonar o país. A Amnistia Internacional explica que, no caso da Nicarágua, as pessoas que foram deslocadas à força nos últimos cinco anos devem receber proteção internacional.

Por fim, o relatório aborda também a privação arbitrária da nacionalidade a que foram sujeitas mais de 300 pessoas, muitas das quais ficaram sem Estado (apátridas), um estatuto que as coloca numa situação de maior vulnerabilidade e cria sérios obstáculos ao exercício de outros direitos como a saúde, educação e emprego digno. Olhando para o atual contexto do país, a Amnistia Internacional recorda que a comunidade internacional tem a responsabilidade partilhada de proporcionar proteção a estas pessoas.

“Cinco anos desde o início da crise de direitos humanos na Nicarágua, esta é perpetuada pelo enfraquecimento do Estado de direito, pela aprovação de alterações à lei que deterioraram a independência do poder judicial e pelo bloqueio do país ao escrutínio dos mecanismos de supervisão dos direitos humanos, tanto regionais como universais”, sublinha Erika Guevara-Rosas.

“A crise de direitos humanos na Nicarágua é perpetuada pelo enfraquecimento do Estado de direito, pela aprovação de alterações à lei que deterioraram a independência do poder judicial e pelo bloqueio do país ao escrutínio dos mecanismos de supervisão dos direitos humanos”

Erika Guevara-Rosas

“Hoje, mais do que nunca, a comunidade internacional deve continuar a agir de forma coordenada e decisiva. Não só reconhecendo e condenando a natureza sistemática das violações dos direitos humanos que estão a ser cometidas sob o governo de Daniel Ortega e Rosario Murillo, mas também na forma como os direitos à justiça, à verdade e à reparação são promovidos e garantidos aos milhares de vítimas”, conclui.

 

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