15 Fevereiro 2022

Com a ameaça cada vez mais próxima da Rússia de utilizar força militar, a Amnistia Internacional adverte que um agravamento do conflito armado na Ucrânia terá graves consequências para os direitos humanos na região – ameaçando vidas civis, meios de subsistência e infraestruturas; provocando uma escassez aguda de alimentos; e causando potencialmente deslocações em massa.

Os direitos económicos e sociais já sofreram um impacto negativo. O aumento dos preços dos alimentos e bens básicos, incluindo os fornecimentos médicos, está a afetar o direito das pessoas a cuidados de saúde e a um padrão adequado e digno de vida na Ucrânia. Este impacto é particularmente sentido pelos mais idosos, pelos muito jovens e por quem tem baixos rendimentos. O direito à educação também foi atingido, com o encerramento intermitente de escolas nas duas últimas semanas, devido a preocupações de segurança. Na própria Rússia, o rublo (moeda oficial da Federação Russa) perdeu valor e os preços estão em ascensão.

“A ameaça do uso de força militar pela Rússia já está a afetar os direitos humanos de milhões de pessoas na Ucrânia e para lá dela”, referiu Agnès Callamard, secretária-geral da Amnistia Internacional.

“É esperado que as consequências do uso de força militar sejam aterradoras. A história recente da Ucrânia é pontuada por conflitos que envolvem as tropas russas em Donbass e pela anexação ilegal da Crimeia. Estes episódios destruíram comunidades e vidas, uma vez que as forças militares esmagaram impunemente os direitos dos civis. É hora de quebrar este ciclo vicioso.”

“A história recente da Ucrânia é pontuada por conflitos que envolvem as tropas russas em Donbass e pela anexação ilegal da Crimeia. Estes episódios destruíram comunidades e vidas, uma vez que as forças militares esmagaram impunemente os direitos dos civis”

Agnès Callamard

Em conflito militar, os civis devem ser protegidos e qualquer pessoa que cometa abusos deve ser responsabilizada. A Amnistia Internacional monitorizará de perto a situação para expor violações, por todas as partes, do Direito Internacional Humanitário (as leis da guerra) e do Direito Internacional de Direitos Humanos.

Em 2014-2015, no auge do conflito armado em Donbass, no leste da Ucrânia, todas as partes do conflito violaram o Direito Internacional Humanitário, conduzindo à deslocação de mais de um milhão de pessoas e à morte de pelo menos 13.000 (o número de mortos continua a aumentar).

Forças armadas russas – um conjunto de abusos 

A Amnistia Internacional está extremamente preocupada com a probabilidade de a história se repetir. Esta preocupação é fundamentada na falta de respeito pelo direito internacional por parte das tropas russas em ocasiões anteriores nos últimos anos, que tem sido recebida com impunidade.

A título de exemplo, em 2015, na Síria, uma série de ataques aéreos russos a zonas residenciais em Homs, Idlib e Aleppo, entre setembro e novembro, matou pelo menos 200 civis. Mais tarde, em 2020, a Amnistia Internacional reportou que os aviões russos tinham como alvo escolas e hospitais na Síria, alguns dos quais a ONU tinha especificado que deveriam ser protegidos de quaisquer ataques.

No conflito em curso no leste da Ucrânia, as forças separatistas apoiadas pela Rússia violaram o Direito Internacional Humanitário, ao recorrerem a armas explosivas imprecisas em áreas civis povoadas, tal como fizeram as forças ucranianas. Também estacionaram e dispararam estas armas a partir de casas e infraestruturas civis.

“A história das intervenções militares russas – seja na Ucrânia, na Síria, ou a sua campanha militar doméstica na Chechénia – está manchada por um claro desrespeito pelo Direito Internacional Humanitário”

Agnès Callamard

“A história das intervenções militares russas – seja na Ucrânia, na Síria, ou a sua campanha militar doméstica na Chechénia – está manchada por um claro desrespeito pelo Direito Internacional Humanitário. Os militares russos desprezaram repetidamente as leis da guerra ao não protegerem os civis, e até mesmo atacando-os diretamente. As forças russas lançaram ataques indiscriminados, usaram armas proibidas e, por vezes, aparentemente de forma deliberada, visaram civis e objetos civis – um crime de guerra”, explicou Agnès Callamard.

A Amnistia Internacional está também especialmente preocupada pela perspetiva de criação de novas milícias em território ucraniano. Tais grupos armados apoiados pela Rússia em Donbass são conhecidos pelo seu desrespeito para com as regras do Direito Internacional Humanitário e pela falta de responsabilização, tal como os paramilitares pró-governo ucranianos.

Potencial crise de refugiados

O conflito no leste da Ucrânia provocou uma crise de direitos humanos total em 2014-2015, e as suas consequências sentem-se até hoje. Milhões de pessoas foram forçadas a deixar as suas casas e, aquelas que voltaram ou permanecem na zona de conflito, viveram uma existência insegura, já que a economia da região foi devastada. Centenas de pessoas foram vítimas de execuções, tortura, sequestros, desaparecimentos forçados e detenções arbitrárias, cometidos tanto por forças separatistas, como governamentais.

De acordo com o Ministério da Política Social da Ucrânia, cerca de 1.45 milhões de pessoas ainda se encontram deslocadas internamente, após terem fugido do conflito em Donbass e da Crimeia ocupada.

“É assustador imaginar a dimensão que a crise dos refugiados poderá atingir na eventualidade de uma escalada das hostilidades na Ucrânia. Será um desastre humanitário em todo o continente, com milhões de refugiados em busca de proteção em países europeus vizinhos”, indica Agnès Callamard.

“A Ucrânia é atualmente o destino daqueles que procuram proteção quando fogem da Rússia, da Bielorrússia e dos países da Ásia Central. Se a Rússia usar força militar contra a Ucrânia, deixará de ser o caso, e estas pessoas terão de buscar refúgio noutros países.”

“A Ucrânia é atualmente o destino daqueles que procuram proteção quando fogem da Rússia, da Bielorrússia e dos países da Ásia Central”

Agnès Callamard

Impacto na região e para além dela

O conflito irá comprometer, ainda mais, os direitos humanos na região, em virtude da probabilidade de uma guerrilha prolongada na Ucrânia, acompanhada por fluxos ilícitos de armas, afluência de empresas privadas militares que não são responsabilizadas, e um aumento global da violência e da impunidade. A devastação económica e as suas repercussões para a região, mesmo para uma maior parte da Europa que depende da passagem de gás russo por território ucraniano, podem ser enormes.

“Um novo conflito armado no centro da Europa, envolvendo uma potência nuclear e atraindo possivelmente outros países ameaça perturbar todo o sistema de controlos e equilíbrios geopolíticos, teráimplicações imprevisíveis para os direitos humanos a nível global”.

“Se o Ocidente e a Rússia entrarem em mais um amargo confronto, este poderá eventualmente conduzir a uma intervenção mais ativa das partes em conflitos regionais pelo mundo, à militarização da política energética, e a mais países dispostos a usar a força como parte da sua política externa.”

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