27 Fevereiro 2021

Uma década após as revoltas populares que ficaram conhecidas como “Primavera Árabe”, ativistas e defensores dos direitos humanos continuam a exigir os seus direitos no Médio Oriente e no Norte da África, destaca a Amnistia Internacional.

“As pessoas reconheceram o verdadeiro poder do protesto pacífico e aprenderam a sonhar com um futuro diferente para si mesmas, onde assumiriam o controlo dos seus direitos – e não há como voltar atrás”

Heba Morayef, diretora para o Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional

Em países como o Bahrein, o Egito, a Líbia, a Síria e o Iémen, as autoridades reprimiram os protestos e tentaram silenciar os dissidentes, usando violência extrema, detenções arbitrárias e prisões em massa como forma de intimidação, em vez de abordar as causas profundas que levaram as pessoas às ruas. Apesar dos riscos e desafios, diversas vozes foram erguidas para exigir direitos económicos e laborais, responsabilização, respeito pelo Estado de Direito e pelas liberdades básicas. Além disso, novas gerações de ativistas continuaram a trabalhar online, na diáspora ou a criar organizações.

“Os protestos em massa de 2011 geraram ondas de choque em toda a região. As manifestações quebraram o tabu em torno dos protestos populares e desencadearam uma mudança irreversível no imaginário político dos jovens. As pessoas reconheceram o verdadeiro poder do protesto pacífico e aprenderam a sonhar com um futuro diferente para si mesmas, onde assumiriam o controlo dos seus direitos – e não há como voltar atrás”, defende a diretora para o Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional, Heba Morayef.

“Dez anos depois dos protestos em massa, a situação dos direitos humanos em grande parte do Médio Oriente e do Norte da África revela um quadro negro. A Síria e o Iémen estão a sofrer os devastadores custos humanos do conflito armado, a ilegalidade na Líbia continua inabalável e as autoridades no Egito e no Bahrein intensificaram a repressão à liberdade de expressão e aos defensores dos direitos humanos. Apesar de tudo isto, há claros sinais de que jovens corajosos não desistiram de exigir os seus direitos”, acrescenta.

Em 2019, os protestos registados em países como Argélia, Iraque, Líbano e Irão, demonstraram que a crença das pessoas no direito de reunião pacífica como uma ferramenta para trazer mudanças não vacilou. Outro facto ilustrativo de que a luta pelos direitos humanos ainda está viva é a existência de 630 mil novos membros e apoiantes da Amnistia Internacional na região, nos últimos três anos.

 

Tunísia

A revolução de 2011 levou ao crescimento de uma sociedade civil vibrante. Movimentos ativistas como o Manich Msameh fizeram lóbi contra a impunidade e a corrupção. A luta pela responsabilização tem sido difícil, com a Comissão da Verdade e Dignidade (CVD) a enfrentar forte resistência entre deputados e colaboração limitada dos sucessivos governos. Várias coligações apoiaram a CVD para concluir o seu trabalho e evitaram que projetos de segurança problemáticos promovidos pelo Ministério do Interior fossem aprovados. Os ativistas LGBTI também intensificaram o seu trabalho, apesar de, por exemplo, as relações consensuais entre pessoas do mesmo sexo ainda serem criminalizadas e os homens suspeitos de se envolverem neste tipo de relações serem submetidos de forma rotineira a exames médicos ao ânus, em violação do direito internacional.

 

Líbia

Dez anos depois, a justiça continua a ser ilusória em casos de crimes de guerra e vários líderes de milícias responsáveis ​​por abusos de direitos humanos foram promovidos em vez de responsabilizados. Mesmo assim, os ativistas continuam a fazer campanha, de diversas formas e em diversos meios, pela defesa dos direitos humanos, apesar de enfrentarem ameaças reais de sequestro, detenção arbitrária e até morte.

Organizações líbias recém-fundadas, focadas na justiça e nos direitos humanos, trabalharam incansavelmente para quebrar o ciclo de impunidade e desempenharam um papel fundamental no estabelecimento bem-sucedido da missão das Nações Unidas no Conselho de Direitos Humanos.

 

Síria

O conflito armado que resultou de protestos e revoltas deslocou 6,7 milhões de pessoas dentro da Síria e levou 5,5 milhões a procurar refúgio fora do país. Dezenas de milhares de opositores do governo foram presos e vítimas de desaparecimentos forçados, desde 2011, incluindo manifestantes, ativistas políticos, defensores de direitos humanos, jornalistas, médicos e trabalhadores humanitários.

Neste cenário negro, organizações lideradas por pessoas da região foram criadas no exterior para fazer pressão no sentido de ser obtida justiça e responsabilização pelos abusos de direitos humanos. Grupos fundados por comunidades da diáspora síria, em colaboração com organizações europeias, trabalharam na documentação dos crimes à luz do direito internacional, levando a processos na Alemanha e na França. Esta semana, Eyad al-Gharbi tornou-se o primeiro funcionário do governo sírio a ser condenado por crimes contra a humanidade pelo seu papel em atos de tortura contra detidos na Síria.

 

Iémen

O grupo de direitos humanos Mwatana liderou diversas iniciativas para garantir a devido responsabilização a nível internacional face ao conflito no país. Recentemente, foi nomeado para o Prémio Nobel da Paz de 2021.

 

Egito

A repressão tem aumentado desde que Hosni Mubarak foi deposto do poder. Sob a presidência de Abdel Fattah al-Sisi, as autoridades reforçaram as restrições à liberdade de expressão e de reunião pacífica, e fizeram uso generalizado de detenções arbitrárias, tortura, desaparecimentos forçados e julgamentos injustos para silenciar os críticos pacíficos. As autoridades continuaram a visar os defensores de direitos humanos, detendo-os ou sujeitando-os a proibições de viagens e congelamento de ativos. Apesar disso, nos últimos dez anos, os ativistas continuaram o seu trabalho, com uma série de novas organizações fundadas dentro e fora do país.

 

Bahrain

As autoridades intensificaram a repressão à liberdade de expressão e ao ativismo pacífico, visando dissidentes, defensores de direitos humanos, clérigos e ativistas independentes. Do exterior chegam vozes organizadas que se tornaram líderes das mudanças necessárias que o país precisa em matéria de direitos humanos.

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