25 Maio 2023

A Amnistia Internacional defendeu, esta quinta-feira, que a Procuradoria-Geral do Peru deve investigar todos os funcionários, até ao mais alto nível, que ordenaram ou toleraram o uso ilegítimo de força letal pelas forças de segurança, que resultou em 49 mortes durante as manifestações de dezembro de 2022 a fevereiro de 2023.

“A utilização de armas de fogo letais contra os manifestantes revela um desprezo flagrante pela vida humana. Apesar dos esforços do governo para as apresentar como terroristas ou criminosos, as vítimas mortais eram manifestantes, observadores e transeuntes, quase todas de origem pobre, indígena e camponesa, o que sugere um preconceito racial e socioeconómico no uso da força letal”, afirmou Agnès Callamard, Secretária-Geral da Amnistia Internacional.

“As autoridades peruanas têm de investigar a possibilidade de os funcionários terem ordenado ou, pelo menos, tolerado estes assassínios, independentemente do nível hierárquico a que tenham chegado na cadeia de comando”

Agnès Callamard

“Longe de serem incidentes isolados praticados por agentes exaltados que agiram por sua própria iniciativa, o número de mortes em várias datas e em diferentes locais indica que houve uma resposta deliberada e coordenada do Estado. As autoridades peruanas têm de investigar a possibilidade de os funcionários terem ordenado ou, pelo menos, tolerado estes assassínios, independentemente do nível hierárquico a que tenham chegado na cadeia de comando”.

O relatório “Racismo Letal: Execuções extrajudiciais e uso ilegal da força pelas forças de segurança do Peru” analisa 52 casos de pessoas mortas ou feridas durante manifestações em Andahuaylas, Chincheros, Ayacucho e Juliaca. Estes casos incluem 25 mortes, 20 das quais podem constituir execuções extrajudiciais levadas a cabo pelas forças do Estado. Nesses 20 casos, as forças da ordem dispararam munições reais, ferindo pessoas em várias zonas do corpo (cabeça, pescoço, tórax e abdómen), existindo provas adicionais das ocorrências, como vídeos, imagens, documentos de processos penais e depoimentos de testemunhas, que apontam para o uso injustificado da força. Quanto às outras cinco vítimas mortais, a Amnistia Internacional tem provas de um possível uso excessivo da força.

As manifestações que ocorreram em diversas partes do Peru, em dezembro passado, no meio de uma crise política, foram pautadas por bloqueios de estradas, de aeroportos e de outras infraestruturas. As semelhanças no uso da força contra os manifestantes em diferentes locais do país indicam uma possível estratégia ordenada ou tolerada pelos altos funcionários da cadeia de comando. Além disso, em vez de condenar o uso excessivo da força, as altas autoridades peruanas encorajaram-no, elogiando publicamente as ações das forças de segurança, ao mesmo tempo que classificavam os manifestantes como “terroristas” e difundiam intencionalmente a desinformação.

Ainda que as primeiras mortes tenham ocorrido a 11 de dezembro de 2022, em Andahuaylas, a polícia e os militares continuaram a utilizar as mesmas táticas em diferentes cidades, dias e semanas depois do ocorrido. Apesar dos apelos dos gabinetes do Provedor dos Direitos Humanos em Andahuaylas, Ayacucho e Juliaca para evitar o uso excessivo da força (incluindo uma chamada telefónica direta para o Ministro da Defesa), as forças de segurança continuaram a disparar durante horas em muitos casos. Em Ayacucho, a 16 de dezembro, por exemplo, os mesmos militares foram colocados nas mesmas ruas onde várias pessoas foram mortas e dezenas ficaram feridas no dia anterior.

Não só as forças de segurança utilizaram força excessiva, como as provas sugerem que certos oficiais superiores podem também ter sido criminalmente cúmplices na ocultação das armas utilizadas para levar a cabo os assassínios. Os registos de armas da polícia e das forças armadas que foram entregues à Procuradoria-Geral da República e aos quais a Amnistia Internacional teve acesso não forneceram pormenores sobre todas as munições utilizadas e sobre que agentes dispararam armas específicas. No caso de Juliaca, apenas dois agentes da Direção de Operações Especiais comunicaram o disparo de quatro balas de calibre 7,62 com as suas espingardas AKM no dia 9 de janeiro. No entanto, nesse dia, pelo menos 15 pessoas foram mortas com munições letais e dezenas de outras ficaram feridas com armas de fogo. A polícia também ocultou o uso de balas de chumbo (uma munição proibida para os agentes da autoridade a nível nacional e internacional), apesar de estas terem causado várias mortes e ferimentos.

A Amnistia Internacional entrevistou um polícia de Apurimac, sob condição de anonimato, que afirmou: “O que se costuma dizer entre os agentes da polícia é que, se houver um grupo violento, dispara-se sobre uma pessoa. Porque, enquanto não houver mortos, as pessoas continuam a exaltar-se, mas quando veem uma causa, acalmam-se”.

Das 25 mortes que a Amnistia Internacional documentou, 15 eram de jovens com menos de 21 anos, muitos deles de famílias pobres de ascendência indígena. A mãe de Chistopher Michael Ramos Aime*, um rapaz de 15 anos morto pelos militares em Ayacucho quando atravessava a rua desarmado, relatou: “Se não fôssemos pobres, o Christopher não teria morrido. Porque não teria necessidade de trabalhar nesse dia”.

A Amnistia Internacional efetuou uma análise estatística das mortes registadas durante as manifestações que sugeriu um acentuado preconceito racial por parte das autoridades peruanas. Constatou-se um número desproporcionalmente elevado de mortes em zonas onde vivem populações historicamente marginalizadas, mesmo quando os protestos não foram mais frequentes ou violentos do que noutras regiões.

Por exemplo, foram registados 104 manifestações e cinco atos de violência por parte de civis em Lima, em comparação com 37 protestos e cinco atos de violência pelos civis em Ayacucho. No entanto, houve só uma morte em Lima, onde apenas 20% da população se identifica como indígena ou afrodescendente, enquanto dez pessoas foram mortas em Ayacucho, onde 82% da população é indígena ou afrodescendente.

É de salientar que a polícia e os militares só utilizaram munições letais fora da capital, apesar de Lima ter registado níveis de manifestações e violência semelhantes aos de outras regiões.

Apesar das graves violações dos direitos humanos cometidas, o Gabinete do Procurador-Geral do Peru não conduziu investigações rápidas e exaustivas. Tanto quanto a Amnistia Internacional pôde apurar, os procuradores ainda não apreenderam as armas que as forças de segurança utilizaram durante as operações nem interrogaram nenhum dos agentes envolvidos, apesar da sua identidade ser conhecida. A falta de recursos, peritos e procuradores afetos a estes casos, bem como uma série de medidas institucionais tomadas pelo Procurador-Geral, incluindo várias remodelações de pessoal, prejudicaram a investigação e a recolha de provas fundamentais.

Dado o risco de impunidade por graves violações dos direitos humanos e crimes de direito internacional, a Amnistia Internacional apela à Procuradoria-Geral da República para que assegure investigações rápidas, completas e imparciais; solicite assistência técnica a mecanismos regionais ou internacionais de direitos humanos nas investigações criminais e garanta o acesso das vítimas à justiça.

A organização também pede à presidente Dina Boluarte que condene e ponha fim ao uso da força letal e de munições proibidas pelas forças de segurança em resposta aos protestos. Além disso, o governo peruano deve proceder a uma avaliação urgente do racismo estrutural que permeia as ações das instituições do Estado.

*A família da vítima mortal autorizou a publicação do seu nome completo

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Fim à violência contra manifestantes no Peru

Fim à violência contra manifestantes no Peru

Junte o seu nome a esta petição dirigida à Presidente do Peru, Dina Boluarte, apelando a que as forças de segurança peruanas priorizem a procura de uma resolução pacífica para a atual situação e evitem o uso da força de forma contrária às normas internacionais.

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