O direito à liberdade de expressão e reunião pacífica estão seriamente ameaçados em Angola, país que vive uma profunda crise social, económica, política e climática.
Desde a declaração do estado de emergência para controlar a propagação da Covid-19, em março de 2020, as forças de segurança angolanas em várias províncias recorreram à força desnecessária, excessiva, abusiva e até letal para lidar com as infrações às medidas de saúde pública e as manifestações pacíficas. A Amnistia Internacional e a OMUNGA, uma organização angolana de direitos humanos, documentaram vários protestos pacíficos que foram recebidos com violência policial. As organizações denunciaram ainda vários homicídios cometidos pelas forças de segurança angolanas, nomeadamente agentes da Polícia Nacional de Angola (PNA) e das Forças Armadas Angolanas (FAA).
Três anos após a morte destas jovens vítimas, até à data apenas duas das forças de segurança do Estado suspeitas da autoria destes crimes foram condenadas. As outras forças de segurança do Estado responsáveis não foram chamadas a prestar contas e as vítimas e as suas famílias não tiveram acesso à justiça e a vias de recurso eficazes. Dos dois agentes da polícia condenados, um cumpre pena de prisão de dois anos e três meses, enquanto o outro foi condenado a seis anos e seis meses, mas continua em liberdade.
Todas as assinaturas serão enviadas pela Amnistia Internacional.
Texto da carta a enviar
Excelentíssimo Senhor Presidente João Lourenço,
Escrevo-lhe para expressar a minha preocupação perante a repressão e a crescente violência contra as manifestações, caracterizadas por prisão arbitrária, uso excessivo da força e homicídio ilegal de manifestantes por agentes de segurança em Angola.
Em 2020, durante o auge da pandemia de Covid-19, o direito à manifestação foi cerceado em Angola através do uso de força excessiva e desproporcionada. Entre março e novembro de 2020, a Amnistia Internacional e a OMUNGA, uma organização local, documentaram 11 casos de assassinatos por agentes de segurança do Estado. Destes casos, oito são adolescentes com idades compreendidas entre os 14 e os 17 anos. A morte de adolescentes às mãos das forças de segurança do Estado recorda-nos uma vez mais, dolorosamente, que ninguém deve pagar com a vida simplesmente por exercer o seu direito de reunião pacífica.
Até à data, três anos após a morte destas jovens vítimas, apenas duas das forças de segurança do Estado suspeitas da autoria destes crimes foram condenadas. As outras forças de segurança do Estado responsáveis não foram chamadas a prestar contas e as vítimas e as suas famílias não tiveram acesso à justiça e a vias de recurso eficazes. Dos dois agentes da polícia condenados, um cumpre pena de prisão de dois anos e três meses, enquanto o outro foi condenado a seis anos e seis meses, mas continua foragido.
Apesar do relaxamento das medidas da Covid-19, a repressão e o ataque brutal aos manifestantes não diminuíram. Mais mortes foram registadas entre 2021 e 2022. Em janeiro de 2021, dezenas de jovens foram mortos em confrontos entre a polícia e manifestantes no Cafunfo. Em 4 de fevereiro de 2021, um dos organizadores da marcha contra a brutalidade policial foi baleado na perna. Até hoje, vive com uma bala no corpo porque não conseguiu receber cuidados médicos adequados. Como noutros casos, não houve responsabilização. Em agosto de 2022, um grupo de 12 jovens em Benguela foi detido e torturado por agentes de segurança do Estado quando tentava manifestar-se contra os resultados eleitorais.
Apelo ao presidente para que dê instruções aos agentes responsáveis pela aplicação da lei e agentes de segurança para que ponham imediatamente termo ao uso excessivo da força durante as manifestações, bem como à cultura de impunidade em Angola, assegurando que as autoridades levem a cabo uma investigação rápida, completa, independente, imparcial, transparente e eficaz aos casos de prisão arbitrária, tortura e morte de:
- Mário Palma Romeu – Marito, 14 anos
- Altino Holandês Afonso – Hernâni, 15 anos
- Helena Sebastião Mussunda, 15 anos
- Mabiala Rogério Ferreira Mienandi – Kilson, 15 anos
- Clinton Dongala Carlos, 16 anos
- João de Assunção Eliseu, 20 anos
- António Vulola, 21 anos
- Vanildo Sebastião Futa, 21 anos
- José Quiocama Manuel, 23 anos
- Sílvio Dala, 35 anos
- Inocêncio de Matos, 26 anos
Insto também V.Ex.ª a instruir as forças de segurança a abandonar o uso da força letal.
Exorto as autoridades angolanas a garantirem que os manifestantes possam exercer livremente os seus direitos à liberdade de expressão e de reunião pacífica, previstos na Constituição angolana e nos tratados internacionais de direitos humanos, incluindo o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, de que Angola é Estado parte.
Ninguém deveria ter que temer pela sua vida quando protesta. O exercício do direito à manifestação não é crime.
Atentamente,