27 Outubro 2020

A decisão do Tribunal Constitucional polaco de anular a constitucionalidade do acesso ao aborto, com base em “defeito grave e irreversível do feto ou doença incurável que ameace a vida do feto”, vai prejudicar ainda mais mulheres e jovens, bem como violar os seus direitos humanos, defendem a Amnistia Internacional, o Center for Reproductive Rights e a Human Rights Watch, numa posição conjunta divulgada na passada quinta-feira (22 de outubro).

“Este julgamento é o resultado de uma onda sistemática e coordenada de ataques aos direitos humanos das mulheres”

Esther Major, consultora para a área de investigação da Amnistia Internacional

As três organizações enviaram monitores especialistas independentes para observar a audiência do Tribunal Constitucional e analisar a decisão.

“Este julgamento é o resultado de uma onda sistemática e coordenada de ataques aos direitos humanos das mulheres levada a cabo por deputados polacos e representa a última tentativa de proibir o aborto na Polónia”, afirma Esther Major, consultora para a área de investigação da Amnistia Internacional.

“As proibições legais não evitam o aborto ou reduzem as taxas de aborto. Servem apenas para prejudicar a saúde das mulheres, empurrando os abortos para a clandestinidade ou forçando as mulheres a viajar para países estrangeiros para terem acesso a esses serviços de que precisam e aos quais têm direito. Embora todas as mulheres possam ser afetadas por este julgamento cruel, grupos marginalizados de mulheres que não podem pagar para viajar vão sofrer desproporcionalmente as consequências das ações dos juízes”, completa.

“Grupos marginalizados de mulheres que não podem pagar para viajar vão sofrer desproporcionalmente as consequências das ações dos juízes”

Esther Major, consultora para a área de investigação da Amnistia Internacional

“A decisão coloca a saúde e a vida das mulheres na Polónia em grande risco e viola as obrigações da Polónia sob os tratados internacionais de direitos humanos de se abster de medidas retrógradas que revertam os direitos das mulheres aos cuidados de saúde sexual e reprodutiva”, aponta a diretora regional para a Europa Center for Reproductive Rights, Leah Hoctor.

“A Polónia deve agir agora para alinhar a sua lei à dos outros Estados-membros da União Europeia [UE] e legalizar o aborto, a pedido de uma mulher ou por motivos sociais amplos, e garantir o acesso total e eficaz a cuidados em situações em que a saúde física ou mental da mulher está em risco”, defende.

“Em vez de salvaguardar e proteger os direitos das pessoas, o Tribunal Constitucional da Polónia contribuiu para violá-los”, expõe Hillary Margolis, investigadora na área dos direitos das mulheres da Human Rights Watch.

“A Comissão Europeia e os Estados-membros da UE devem resolver, urgentemente, as violações do Estado de direito e o seu impacto nos direitos fundamentais na Polónia. Garantir os direitos humanos das mulheres, incluindo os seus direitos reprodutivos, é essencial para defender os valores da UE. O flagrante desprezo da Polónia por esses valores é perigoso, não apenas para as mulheres e jovens na Polónia, mas também em toda a Europa. As mulheres na Polónia têm sofrido ataques contra os seus direitos de forma repetida e não vão parar de lutar pelo direito ao aborto. Estamos com elas, em todas as etapas deste caminho”, garante.

Contexto

A Polónia tem uma das leis de aborto mais restritivas da Europa. É um de apenas dois dos 27 Estados-membros da UE que não permitem o aborto a pedido ou por motivos sociais amplos. De acordo com a legislação polaca, o aborto só é permitido para salvaguardar a vida ou a saúde das mulheres ou quando a gravidez resulta de violação sexual. Até à decisão da semana passada, também era legal em situações de “defeito grave e irreversível do feto ou doença incurável que ameace a vida do feto”. Mesmo em situações em que o aborto é legal, são levantadas várias barreiras para limitar o acesso.

Em diversas ocasiões, o partido Lei e Justiça, que ocupa o poder, movimentou-se para restringir ainda mais a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos, inclusive através de uma proposta de lei que previa a proibição total do aborto. Estas tentativas estiveram na origem de protestos públicos em massa e foram condenadas por organismos internacionais de direitos humanos e instituições europeias.

Desde que assumiu funções em 2015, o governo do partido Lei e Justiça minou a independência do Tribunal Constitucional da Polónia e a sua eficácia em fiscalizar o poder executivo. O órgão de aconselhamento jurídico do Conselho da Europa, a Comissão de Veneza e a Comissão Europeia censuraram as interferências.

No relatório de setembro de 2020 sobre o Estado de direito, a Comissão Europeia observou que “as preocupações sobre a independência e legitimidade do Tribunal Constitucional” permanecem sem solução. Em 2017, já tinha lançado um processo contra a Polónia por violação do Estado de direito, que incluía preocupações relacionadas com a falta de uma revisão constitucional legítima e independente.

A Amnistia Internacional, o Center for Reproductive Rights e a Human Rights Watch enviou monitores especialistas independentes para acompanhar a audiência do Tribunal Constitucional polaco e analisar a decisão sobre a constitucionalidade do acesso ao aborto com base em “defeito grave e irreversível do feto ou doença incurável que ameace a vida do feto”, no dia 22 de outubro de 2020.

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