31 Maio 2017

Poderes que foram estabelecidos para combater o terrorismo estão a ser repetidamente utilizados de forma errada para reprimir manifestações pacíficas em França, é apurado pela Amnistia Internacional em novo relatório de investigação da organização de direitos humanos.

“A right not a threat: Disproportionate restrictions on demonstrations under the State of Emergency in France” (Um direito, não uma ameaça: restrições desproporcionadas a manifestações sob o estado de emergência em França), publicado esta quarta-feira, 31 de maio, revela que centenas de medidas injustificadas restringindo a liberdade de movimento e o direito de reunião pacífica têm vindo a ser decretadas sob a máscara do combate ao terrorismo.

“As leis de emergência destinadas a proteger a população em França da ameaça do terrorismo estão, em vez disso, a ser usadas para limitar o direito das pessoas a manifestarem-se de forma pacífica”, sublinha o investigador da Amnistia Internacional Marco Perolini, perito em França. “Ao abrigo do estado de emergência, o direito ao protesto foi anulado, com centenas de ativistas, de ambientalistas e de defensores dos direitos laborais a serem injustificadamente banidos de participarem em manifestações”, explica.

Na sequência dos horríveis ataques de 13 de novembro de 2015 em Paris, o estado de emergência, declarado um dia depois, foi renovado já cinco vezes, normalizando uma série de medidas intrusivas. Aqui se incluem poderes para proibir manifestações com argumentações vagas e impedir as pessoas de participarem em protestos. Na semana passada, o recém-eleito Presidente francês, Emmanuel Macron, indicou que irá pedir ao Parlamento nova extensão, pela sexta vez.

O estado de emergência permite que os presidentes de câmaras proíbam qualquer reunião pública como medida de prevenção e com motivos amplos e imprecisos de “ameaça à ordem pública”. E estes poderes para limitar o direito de liberdade de reunião pacífica têm sido usados frequentemente de forma desproporcionada ao longo do último mais de ano e meio.

Centenas de proibições de participação em protestos

Entre novembro de 2015 e 5 de maio de 2017, as autoridades francesas usaram os poderes conferidos pelo estado de emergência para emitir 155 decretos de proibição de manifestações e outros encontros públicos, além de banirem dezenas de protestos lançando mão das leis comuns de França. Foram ainda impostas 639 medidas para impedir determinadas pessoas em específico de participarem em manifestações ou reuniões públicas – e destas, 574 visaram pessoas que protestam contra as propostas de reformas à lei laboral. Acresce que, de acordo com informações divulgadas pelos órgãos de comunicação social, as autoridades francesas impuseram dezenas de medidas similares para impedir a participação das pessoas em protestos convocados após a segunda volta das eleições presidenciais de 7 de maio passado no país.

Um opositor da nova lei laboral avançou aos investigadores da Amnistia Internacional que “fica-se com a impressão de que [as autoridades] usam todas as medidas que têm ao seu dispor para atacar quem é mais ativo no movimento”.

Por exemplo, Charles, um jovem estudante residente em Paris, foi banido de participar em dois protestos contra as reformas da lei laboral, com a justificação de que fora detido anteriormente, noutro protesto, mesmo não tendo sido acusado de qualquer ofensa ou crime. Esta testemunha precisou que o identificaram como “um dos manifestantes violentos”. “Senti que me estavam a tratar como se fosse um terrorista, como alguém que é perigoso”, descreveu.

Estas restrições violam o preceito consagrado na lei internacional de que as manifestações devem presumir-se como pacíficas a não ser que as autoridades possam demonstram o contrário. E atualmente, em França, os protestos estão a ser vistos como uma ameaça potencial em vez de um direito fundamental dos cidadãos.

Uso excessivo da força pela polícia

Contestando as restrições emitidas ao abrigo do estado de emergência, muitas pessoas continuam a participar em protestos. Mas quem confronta com bravura tais restrições tem frequentemente sido alvo de uso excessivo ou desnecessário da força por parte das forças de segurança. Cassetetes, balas de borracha e gás lacrimogéneo têm sido usados contra manifestantes pacíficos que não se mostravam como uma ameaça à ordem pública.

Apesar de algumas pessoas que participaram nestas manifestações se terem envolvido em atos de violência, centenas de cidadãos – se não mesmo milhares – sofreram ferimentos provocados pela ação da polícia. O movimento “Médicos de Rua”, grupo informal de prestadores de primeiros-socorros, estima que, só em Paris, cerca de mil manifestantes foram feridos pelas forças de segurança durante protestos de contestação às reformas laborais.

A Amnistia Internacional analisou imagens de vídeo em que quatro polícias pontapeiam e dão bastonadas num estudante de 16 anos, identificado como Paco, antes de o deterem. Duas testemunhas deste incidente declararam aos investigadores da Amnistia Internacional que o estudante não estava a ter nenhuma conduta violenta quando foi atacado pela polícia.

Um outro estudante, Jean-François, de 20 anos, perdeu o olho esquerdo por ter sido atingido por bala de borracha disparada pela polícia. “Estou irado. Antes de isto acontecer, eu confiava na polícia”, expressou.

“Ao reduzir o nível de exigência nas limitações ao exercício do direito de liberdade de reunião pacífica, o estado de emergência em França conduziu a um escandaloso uso incorreto do que foi criado para serem medidas excecionais de combate ao terrorismo. Cidadãos a exercerem pacificamente o direito de reunião foram enredados numa rudimentar teia antiterrorismo”, sustenta Marco Perolini.

Presidente prometeu proteger o direito a manifestações

O investigador da Amnistia Internacional recorda que “na campanha eleitoral, Emmanuel Macron prometeu proteger o direito de manifestação em França”. “Agora que é Presidente, tem de tornar essas palavras em ação. Com as linhas de batalha a serem já definidas entre o novo chefe de Estado e os sindicatos no que se refere às reformas da lei laboral, o Presidente Macron tem de pôr fim ao uso incorreto dos poderes antiterrorismo para limitar os protestos pacíficos e parar a perigosa e desorientadora espiral em que a França está, rumo a um permanente estado de emergência”.

O estado de emergência tem não apenas permitido que os presidentes de Câmara proíbam reuniões públicas, com base em motivos amplos e imprecisos de “ameaça à ordem pública”, mas também que as autoridades tenham justificado essas proibições com argumentos de que não dispõem de recursos suficientes de policiamento para garantir a ordem pública.

As autoridades francesas argumentam frequentemente que têm de dar prioridade, no uso dos recursos disponíveis, às operações contra as ameaças de ataques violentos contra os cidadãos. Mas o uso de estratégias de recursos intensivos pela polícia para conter manifestantes pacíficos põe em causa esta explicação.

Observadores da Amnistia Internacional participaram num protesto pacífico em Paris, a 5 de julho, em que a polícia encurralou centenas de pessoas na Pont de la Concorde (que liga a Praça da Concórdia ao Quai d’Orsay) durante várias horas – tática que exigiu recursos policiais substanciais.

  • Artigo 19

    A liberdade de expressão é protegida pelo Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas.

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