- Em território russo, 3.738 pessoas foram condenadas por crimes relacionados com o terrorismo desde 2013;
- No final de 2023, a “Lista de Terroristas e Extremistas” do Serviço Federal de Controlo Financeiro incluía 13.647 pessoas, das quais 11.286 eram consideradas “terroristas”. No entanto, a inclusão neste registo ocorre sem qualquer controlo judicial.
Desde o início da invasão russa em larga escala à Ucrânia, em fevereiro de 2022, que se agravou o abuso da recorrência à legislação antiterrorismo e antiextremismo na Rússia (legislação que é vaga e imprecisa).
O relatório da Amnistia Internacional, “Terrorising the dissent” (em português, ‘Terrorizar a dissidência’), documenta como, sob o pretexto da “segurança nacional”, as autoridades russas têm visado cada vez mais dissidentes e manifestantes pacíficos.
“Na Rússia, o que estamos a testemunhar hoje não é apenas uma utilização abusiva da lei. As autoridades instrumentalizaram a legislação antiterrorismo e antiextremismo como ferramentas para silenciar a dissidência e controlar o discurso público de uma forma alarmante e devastadora. Estas leis, vagas na sua redação e arbitrárias na sua aplicação, são utilizadas para incutir medo e calar as vozes da oposição, para que não se se atrevam a falar”, salienta Oleg Kozlovsky, investigador da Amnistia Internacional na Rússia.
“Estas leis, vagas na sua redação e arbitrárias na sua aplicação, são utilizadas para incutir medo e calar as vozes da oposição, para que não se se atrevam a falar”
Oleg Kozlovsky
“Os tribunais militares têm decretado longas penas de prisão à porta fechada, muitas vezes devido a um comentário na Internet ou a um donativo a um grupo da oposição. As autoridades podem classificar as pessoas de “terroristas” e “extremistas” e privá-las de serviços financeiros e de rendimentos básicos sem sequer precisarem de uma ordem judicial. O impacto psicológico e emocional nestas pessoas e nas suas famílias é incalculável, e o efeito inibidor em toda a sociedade russa é profundo”, revela Oleg Kozlovsky.
Em território russo, desde 2013, 3.738 pessoas foram condenadas por crimes relacionados com o terrorismo. Mais de 90% destas condenações não estão relacionadas com ataques terroristas, cometidos ou planeados, mas sim com várias outras ações, como a alegada “justificação do terrorismo”. Para estas últimas, as condenações aumentaram 50 vezes nos últimos 10 anos. Ninguém acusado de crimes relacionados com o terrorismo foi absolvido desde, pelo menos, 2015, quando as estatísticas ficaram disponíveis pela primeira vez.
Mais de 90% destas condenações não estão relacionadas com ataques terroristas, cometidos ou planeados, mas sim com várias outras ações, como a alegada “justificação do terrorismo”
Em dezembro de 2023, a “Lista de Terroristas e Extremistas” do Serviço Federal de Controlo Financeiro incluía 13.647 pessoas, das quais 11.286 eram consideradas “terroristas”. Destas, 13% eram mulheres e 106 tinham menos de 18 anos. A inclusão neste registo, que ocorre sem qualquer controlo judicial, leva ao congelamento das contas bancárias e restringe as despesas mensais a apenas 10.000 rublos, ou seja, cerca de 110 dólares americanos. Esta situação coloca desafios significativos à manutenção dos padrões de vida básicos das pessoas que constam na lista.
Crescimento preocupante dos processos relacionados com terrorismo
Só nos primeiros seis meses de 2023, os tribunais russos condenaram 39 pessoas por cometerem ou planearem ataques terroristas, um número superior a qualquer ano inteiro da última década. Este facto assinala o crescimento acentuado do número de processos relacionados com o terrorismo.
Muitas das recentes acusações de terrorismo foram apresentadas contra pessoas que protestaram contra a guerra ou contra a mobilização militar, atirando “cocktails molotov” contra centros de recrutamento e outros edifícios oficiais. Em muitos destes casos, as ações ocorreram à noite, quando os edifícios estavam desabitados. As áreas visadas eram também, frequentemente, feitas de betão ou metal, pelo que tinham poucas probabilidades de se incendiarem. A qualificação como “terrorismo” de pelo menos alguns destes atos, quando não constituíam uma ameaça capaz de provocar ferimentos graves, suscita preocupações de que as autoridades russas estejam a fazer um uso abusivo destas acusações.
Centenas de pessoas foram condenadas sob a acusação de “justificação do terrorismo” apenas por discutirem ou manifestarem simpatia por ações ou entidades específicas arbitrariamente designadas como “terroristas” pelas autoridades russas. Na sequência da invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia, as expressões de simpatia pela Ucrânia – como a demonstração de contentamento com os seus êxitos militares ou o apoio às unidades militares ucranianas constituídas por voluntários russos – tornaram-se suficientes para estas perseguições.
Entre os exemplos mais graves de abuso da legislação antiterrorista está o caso de Aleksei Gorinov, um conselheiro local condenado a sete anos de prisão por criticar as ações do governo russo na Ucrânia. Já em prisão e a cumprir a sua pena, foi alvo de uma nova acusação relacionada com terrorismo por, alegadamente, ter partilhado as suas opiniões sobre a guerra com o seu companheiro de cela.
Já em prisão e a cumprir a sua pena, Aleksei Gorinov foi alvo de uma nova acusação relacionada com terrorismo por, alegadamente, ter partilhado as suas opiniões sobre a guerra com o seu companheiro de cela
Da mesma forma, o escritor Grigori Chkhartishvili, conhecido pelo pseudónimo Boris Akunin, foi acusado in absentia(acusação na ausência do arguido) de “justificar o terrorismo” através das suas declarações públicas. Uma vez que os julgamentos de acusações relacionadas com o terrorismo são concluídos por defeito, a essência das acusações permanece pouco clara. O Ministério da Justiça informou apenas que o escritor “se pronunciou ativamente contra a operação militar especial na Ucrânia e divulgou informações falsas destinadas a criar uma imagem negativa da Federação Russa, bem como das Forças Armadas da Federação Russa”. Estes e muitos outros casos demonstram a vasta aplicação destas leis contra qualquer forma de dissidência.
Silenciar a oposição e a liberdade de expressão
A expansão das leis antiterrorismo e antiextremismo da Rússia, onde se integra a criminalização de 2006 da “justificação do terrorismo” e a proposta de 2023 para criminalizar a “justificação do extremismo”, atenua ainda mais as linhas entre terrorismo e extremismo – nenhum dos quais está bem definido no direito internacional e ambos são frequentemente utilizados como armas para silenciar a dissidência.
“Estas medidas demonstram uma abordagem sistemática para alargar as definições e as sanções, silenciando a oposição política e a liberdade de expressão sob o pretexto da ‘segurança nacional'”
Um exemplo evidente é a designação da ONG Fundação Anticorrupção de Aleksei Navalny como uma “organização extremista”, criminalizando efetivamente uma das iniciativas civis mais expressivas na Rússia. As pessoas que doaram dinheiro a este e a outros grupos semelhantes, que participaram neles ou que partilharam os seus materiais – mesmo antes da sua designação arbitrária como extremista – correm agora o risco de serem acusadas criminalmente e de serem condenadas a longas penas de prisão.
“À luz destas conclusões, a Amnistia Internacional apela a uma revisão exaustiva da legislação penal russa relativa ao terrorismo e ao extremismo, a fim de a alinhar com as normas internacionais em matéria de direitos humanos, evitando a criminalização da dissidência pacífica e protegendo os direitos fundamentais. Instamos a comunidade internacional para que aborde estes abusos em todos os fóruns relevantes, defendendo os direitos das pessoas injustamente visadas, e para que tenha em conta estas práticas ao lidar com os seus homólogos russos, incluindo em iniciativas de combate ao terrorismo.”