4 Maio 2018

Milhares de pessoas têm vindo a protestar nestes últimos dias nas ruas de várias cidades de Espanha após cinco homens acusados de violação em grupo de uma jovem de 18 anos, em 2016 terem sido absolvidos em tribunal, na semana passada, do crime de “ataque sexual” que, no quadro penal do país, inclui a violação. A sentença considerou os arguidos culpados na acusação de “abuso sexual”, de menor gravidade, e condenou-os numa pena de nove anos de prisão.

As manifestações expressam indignação perante o facto de os perpetradores não terem sido dados como culpados de violação e insurgem-se contra o fracasso da lei e do sistema de justiça em Espanha em relação à vítima. Nestes protestos é patentemente manifesta solidariedade para com a jovem de 18 anos.

Uma das principais preocupações que aquela sentença provoca é que os juízes no caso reconheceram que a mulher não consentiu o ataque sexual e verificaram que a mesma se encontrava em choque, tendo adotado uma atitude passiva e submissa por estar tolhida de medo, mas, mesmo assim, decidiram que os homens não eram culpados de violação.

“O veredito mostra como tanto a lei como o sistema legal em Espanha estão a fracassar cruelmente às vítimas e a aumentar o trauma que estas sofrem.”

Monica Costa Riba, campaigner da Amnistia Internacional

Os magistrados concluíram que a ausência de consentimento não é suficiente para considerar o ataque como uma violação porque, na opinião que expressaram, não foi usada nenhuma violência física ou intimidação – que são tidos como requisito para o crime de violação, de acordo com a atual lei espanhola.

Não é incomum que uma mulher durante um ataque desta natureza fique imóvel ou não resista aos atacantes, tal como se verificou neste caso em Espanha. Algumas vítimas de violação reagem de tal forma instintivamente para se protegerem a si mesmas de violência extrema ou mesmo de serem mortas.

A sentença foi emitida por um coletivo de três juízes, um dos quais declarou voto dissidente argumentando que os cinco homens deveriam ser absolvidos até do crime de “abuso sexual”. Para este magistrado, como a vítima não tinha expressado recusa explicitamente, a ausência do “não” e de resistência física significavam que ela deveria ter consentido.

Reformas legais urgentes

“As declarações feitas pelo juiz dissidente mostram um desrespeito alarmante pelos direitos das mulheres e das raparigas e pela humanidade da vítima. Os argumentos [invocados pelo magistrado] juntam insulto aos danos causados pelo veredito e demonstram uma preocupante falta de compreensão sobre a violação e sobre as diversas reações das vítimas a um ataque dessa natureza”, frisa a campaigner da Amnistia Internacional Monica Costa Riba, perita em Direitos das Mulheres.

E avança: “O veredito mostra como tanto a lei como o sistema legal em Espanha estão a fracassar cruelmente às vítimas e a aumentar o trauma que estas sofrem. É aqui enviada a mensagem perigosa de pôr o comportamento das vítimas no banco dos réus em vez de o fazer às ações dos perpetradores. A ausência de consentimento é o que deve ser relevante e não se a vítima resistiu fisicamente ou não ao ataque”.

“É aqui enviada a mensagem perigosa de pôr o comportamento das vítimas no banco dos réus em vez de o fazer às ações dos perpetradores.”

Monica Costa Riba, campaigner da Amnistia Internacional

Esta sentença, prossegue a perita da organização de direitos humanos, “expõe claramente a injustiça que acontece quando as definições legais de violação estão desatualizadas e ficam aquém dos padrões internacionais”. “De acordo com os padrões internacionais de direitos humanos o sexo sem consentimento é violação. Até agora apenas nove países na Europa reformularam as suas definições legais de violação baseadas na ausência de consentimento em vez de o fazerem no uso de violência. E como é dolorosamente evidenciado neste caso, a Espanha não está entre esses países”, lamenta ainda Monica Costa Riba.

“O que este veredito demonstra também é que, ao mesmo tempo que são precisas urgentemente reformas à definição legal de violação, também subsistem outros obstáculos no acesso das mulheres à justiça em casos de violação. E entre eles incluem-se atitudes negativas e estereótipos entre os juízes, advogados e polícias sobre as mulheres e as raparigas e sobre as vítimas de violação. As reformas das leis têm de ser acompanhadas de ações nacionais para confrontar os preconceitos, a culpabilização da vítima, os estereótipos e mitos, frequentemente expressos pelos mesmos responsáveis que estão incumbidos de evitar a violação e capacitar o acesso das vítimas à justiça”, recomenda a perita da Amnistia Internacional.

“[É preciso] confrontar os preconceitos, a culpabilização da vítima, os estereótipos e mitos, frequentemente expressos pelos mesmos responsáveis que estão incumbidos de evitar a violação e capacitar o acesso das vítimas à justiça.”

Monica Costa Riba, campaigner da Amnistia Internacional

Monica Costa Riba insta “os políticos e decisores a ouvirem as vozes de quem exige reformas nas leis e melhorias dos sistemas legais, para garantir que os direitos das vítimas de violação de acesso à justiça”. “Esperamos que quem tem o poder para o fazer aja com a urgência necessária”, remata.

Violação filmada e partilhada

O caso nesta sentença reporta a acontecimentos ocorridos numa noite de julho de 2016 em Pamplona durante as famosas largadas de touros da cidade. Os cinco homens ofereceram-se para acompanhar a jovem de 18 anos ao carro dela, mas em vez disso puxaram-na para dentro de um edifício, onde foi sujeita a diferentes tipos de penetração, algumas em simultâneo e sem preservativo. Os homens saíram do edifício depois do ataque, deixando no local a mulher meio despedida. Um deles roubou-lhe o telemóvel antes de o grupo partir.

O ataque à jovem de 18 anos foi filmado pelos homens e partilhado por eles num grupo de Whatsapp. As imagens foram examinadas pelos juízes encarregues do processo como prova crucial no caso. A acusação pediu uma sentença de quase 23 anos de prisão por violação em grupo e outros crimes. Todas as partes, dos procuradores à vítima e aos cinco acusados anunciaram que vão recorrer da sentença.

Apenas nove países europeus dos 33 que integram o Espaço Económico Europeu reconhecem o sexo sem consentimento como violação (contanto as três jurisdições do Reino Unido separadamente). São eles: Inglaterra e País de Gales, Escócia, Irlanda do Norte, República da Irlanda, Bélgica, Chipre, Luxemburgo, Alemanha e, mais recentemente, Islândia.

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