24 Julho 2023

No segundo ano após a tomada do poder pelo Presidente Kais Saied, as autoridades tunisinas deram novos passos no sentido da repressão, prendendo dezenas de opositores políticos e críticos do Estado, violando a independência do poder judicial, desmantelando as salvaguardas institucionais dos direitos humanos e incitando à discriminação contra os migrantes, revelou a Amnistia Internacional.

“As autoridades tunisinas devem inverter imediatamente esta trajetória traiçoeira e cumprir as suas obrigações internacionais em matéria de direitos humanos”

Heba Morayef

“Decreto após decreto, golpe após golpe, o Presidente Saied e o seu governo têm minado drasticamente o respeito pelos direitos humanos na Tunísia desde a sua tomada de poder em julho de 2021. Ao fazer isso, ele retirou as liberdades básicas pelas quais os tunisianos lutaram muito para conquistar e promoveu um clima de repressão e impunidade. As autoridades tunisinas devem inverter imediatamente esta trajetória traiçoeira e cumprir as suas obrigações internacionais em matéria de direitos humanos”, afirmou Heba Morayef, Diretora Regional da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África.

 

Sufoco à oposição

Desde fevereiro de 2023, as autoridades têm recorrido a falsas investigações criminais e a detenções para atacar opositores políticos, críticos do Estado e supostos inimigos do Presidente Saied.

As autoridades abriram um inquérito criminal contra pelo menos 21 pessoas, incluindo membros da oposição política, advogados e empresários, com base em acusações infundadas de “conspiração contra o Estado”. Pelo menos sete pessoas continuam em detenção arbitrária devido ao seu ativismo político ou ao seu discurso, incluindo as figuras da oposição, Jaouhar Ben Mbarek e Khayam Turki.

As autoridades tunisinas visaram especialmente os membros do Ennahda, o maior partido da oposição do país, dando início a investigações criminais contra pelo menos 21 membros do partido, 12 dos quais se encontram detidos. Em abril de 2023, as autoridades prenderam Rached Ghannouchi, líder do Ennahda e antigo presidente do parlamento dissolvido da Tunísia, e estão a investigá-lo sob acusações que incluem “conspiração contra o Estado” e “tentativa de mudar a natureza do Estado”. Em 15 de maio de 2023, um tribunal antiterrorismo condenou-o a um ano de prisão devido a declarações públicas que fez no ano passado num funeral, em que elogiou o falecido como um “homem corajoso” que não temia “um governante ou tirano”.

 

Ataques à liberdade de expressão

Desde 25 de julho de 2021, a Amnistia Internacional documentou os casos de pelo menos 39 pessoas que foram investigadas ou processadas apenas por exercerem o seu direito à liberdade de expressão. As acusações contra elas incluem “insultar” as autoridades ou “espalhar notícias falsas”, que não são ofensas reconhecidas pelo direito internacional. Em setembro de 2022, o Presidente Saied publicou o Decreto-lei 54, sobre cibercriminalidade, que confere às autoridades amplos poderes para reprimir a liberdade de expressão online. Desde a sua adoção, as autoridades utilizaram esta lei para dar início a investigações contra pelo menos nove pessoas, incluindo jornalistas, advogados e ativistas políticos, devido a comentários públicos críticos em relação às autoridades, incluindo o Presidente Saied e a Primeira-Ministra Najla Bouden.

 

Discriminação contra migrantes e refugiados

Em fevereiro de 2023, o Presidente Saied fez comentários xenófobos e racistas, que desencadearam uma onda de violência contra os negros, incluindo agressões, expulsões sumárias e detenções arbitrárias de migrantes de origem africana. A polícia também deteve pelo menos 840 migrantes, refugiados e requerentes de asilo. Alguns deles acabaram em detenção arbitrária no centro de detenção de Ouardia, uma instalação utilizada exclusivamente para deter pessoas por delitos relacionados com a migração.

Os ataques contra os africanos negros aumentaram significativamente nas duas semanas que se seguiram aos comentários do Presidente, com multidões a saírem à rua e a agredirem migrantes, refugiados e requerentes de asilo e com a polícia a prender arbitrariamente dezenas de pessoas. Em maio, as tensões raciais na cidade de Sfax, no sul do país, culminaram com a morte de um migrante e, em julho, de um tunisino. Na sequência destas mortes, as autoridades retiraram à força dezenas de migrantes negros africanos e requerentes de asilo para a vizinha Líbia.

 

Conquistas da Revolução de 2011 em perigo

Em fevereiro de 2022, o Presidente Saied acusou os grupos da sociedade civil de servirem os interesses de potências estrangeiras e afirmou que tencionava proibir o “financiamento proveniente do estrangeiro”, tendo as autoridades divulgado um projeto de uma nova lei restritiva sobre a criação de associações. Se for adotada, a legislação eliminará proteções cruciais que abrangem o direito à liberdade de associação. O projeto é uma alteração ao Decreto-Lei 2011-80, que regula as associações da sociedade civil e lhes concede o direito de existirem e funcionarem livremente.

 O Presidente Saied comprometeu a independência do poder judicial ao emitir dois decretos que lhe conferem o poder de intervir na carreira dos juízes e procuradores, incluindo o poder de os demitir arbitrariamente. A 1 de junho de 2022, Saied demitiu 57 juízes com base em acusações dúbias e politicamente motivadas de terrorismo, corrupção financeira ou moral, adultério e participação em “festas regadas a álcool”.

O Presidente Saied consolidou o poder em 25 de julho de 2022, depois de uma nova Constituição por ele proposta ter sido adotada em referendo. A Constituição, que foi apresentada após um processo de redação acelerado e sem uma consulta significativa das organizações da sociedade civil ou de outros partidos políticos, aumentou os poderes de Saied e enfraqueceu a independência do poder judicial, ações que ameaçam fazer o país regressar aos níveis de repressão anteriores a 2011.

“As autoridades tunisinas têm de pôr imediatamente termo à repressão dos direitos humanos, que está a anular progressivamente as conquistas duramente obtidas com a revolução de 2011. Devem começar por libertar todos aqueles que foram detidos arbitrariamente e abster-se de recorrer a investigações e processos criminais contra opositores políticos, ativistas dos direitos humanos e outros simplesmente por exercerem os seus direitos à liberdade de expressão e de reunião pacífica”, afirmou Morayef.

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