28 Maio 2019

“Aquela altura do mês” é apenas uma das muitas expressões que usamos em vez de menstruação. Mas qual é a razão para evitar o tema?

Por todo o mundo, o estigma vai mais além dos eufemismos. Algumas meninas e jovens são fechadas em salas ou obrigadas a sair das suas casas. Outras lutam para comprar tampões e pensos higiénicos ou só têm à disposição trapos. No entanto, há ventos de mudança. Conversámos com ativistas dos direitos humanos que, todos os dias, quebram os tabus sobre a menstruação.

 

Samikshya Koirala, 21 anos

Amnistia Internacional Nepal

“No Nepal, as raparigas que estão menstruadas podem ficar sem ver o sol e longe de homens até 15 dias. Algumas são mesmo obrigadas a ficar em abrigos para animais – uma tradição conhecida como chhaupadi.

Com 11 anos tive o meu primeiro período. Uma grande festa estava a acontecer em minha casa, mas não podia ir porque estava menstruada. Em vez disso, fiquei escondida num quarto escuro, na casa de familiares e longe da minha. Estava realmente ansiosa por aquela festa e chorei até os meus olhos ficarem inchados.

Durante cinco dias, ninguém me viu. Depois, não pude tocar nos meus familiares do sexo masculino, por 11 dias, ou ir até à cozinha, por 19. Não consegui contar aos meus amigos onde tinha estado. Fui a primeira pessoa da minha turma a ter menstruação e fiquei tão tímida.

Um dia, um grupo de jovens foi à minha escola para conversar connosco sobre a menstruação. Esse foi o dia em que tudo mudou. Ensinaram-nos muitas coisas e deram-nos conhecimento para desafiar as tradições. No começo, a minha família ficou zangada e tive de fazer com que entendessem que as tradições existem porque, antes, a menstruação era muito mais difícil de lidar. Agora, temos pensos higiénicos e é muito mais limpo. Foi um processo difícil, mas não há mais restrições na minha família em relação à menstruação.

Faço parte do Grupo de Estudantes da Amnistia Internacional na Universidade de Katmandu e estou a mudar a maneira como as pessoas pensam, no geral, sobre a menstruação. Estamos a fazer vídeos, a organizar comícios e a executar programas comunitários em áreas rurais para meninos e meninas. Quando ouvimos as crianças a falar, abertamente, sobre esses problemas é um momento de orgulho.

No Nepal, precisamos de começar a mudar a mentalidade em torno das superstições que cercam a menstruação. E acho que, até agora, estamos a fazer um ótimo trabalho.”

Instagram: @koiralasamikshya2016

 

Zhanar Sekerbayeva, 36 anos

Ativista LBQ e fundadora da Feminita, que promove o feminismo e protege os direitos de lésbicas, bissexuais e mulheres queer no Cazaquistão

“No Cazaquistão, ainda não conseguimos chamar a menstruação pelo nome. Em vez disso, as pessoas usam eufemismos como ‘Tia Vermelha’, ‘Outubro Vermelho’ ou ‘Exército Vermelho’. A minha mãe é pediatra e quando tive o primeiro período deu-me um pedaço de pano, sem explicar para que servia ou como usá-lo. Na escola, se a menstruação for visível na roupa de uma rapariga, todos riem e a professora ordena que vá para casa. Algumas pessoas enterram as cuecas ensanguentadas na rua, enquanto outras usam panos contaminados, o que provoca danos reprodutivos.

É preciso fazer algo. Por isso, juntei-me a um grupo de manifestantes pacíficos em Almaty para participar numa sessão de fotos destinada a combater os tabus à volta da menstruação. Pegámos em posters feitos à mão com slogans e fotos. Depois da manifestação, fui a um café e, quando saí, sete polícias estavam à minha espera. Mandaram-me ir até à esquadra e, se não fizesse isso, disseram que iriam usar a força.

Fui acusada de um delito de “pequeno hooliganismo”. Uma juíza interrogou-me e questionou-me, incessantemente, sobre o poster que tinha. Também fez perguntas como: ‘É casada? Tem filhos? Está grávida?’.

Disse-lhe que era lésbica e que me questionasse se tinha alguém, em vez de um marido. Foi uma experiência interessante, embora stressante e assustadora, mas, quando vejo as pessoas perante injustiças, tenho de agir.”

Twitter: @moorlandiya

Website: http://feminita.kz/

 

Hazel Mead, 23 anos

Ativista e ilustradora do Reino Unido

“O Reino Unido é muito mais progressista do que outros países, mas, mesmo aí, senti sempre vergonha do meu período. Acho que isso acontece porque o tema não é abordado na escola e, quando é, assume uma data de eufemismos – ‘aquela altura do mês’ era o que usava. Também não era algo que se discutisse com os homens, o que aumenta a ideia de que a menstruação é um grande segredo vergonhoso. Na escola, e mesmo nos locais de trabalho, escondia o penso higiénico ou certificava-me que, nesses dias, tinha roupa com bolsos. Para conversar e normalizar o tema do período, uso ilustrações. Perto de iniciar a minha carreira e após participar no protesto #FreePeriods, comecei a criar sátiras sobre um imposto que incidia sobre os tampões.

Ofereço os meus dotes de desenho à Bloody Good Period, pois acredito no trabalho deles que garante que as requerentes de asilo e sem-abrigo têm acesso a produtos de período. Também fiz parte da campanha da Freda para levar hotéis, escolas, companhias aéreas e escritórios a fornecer produtos higiénicos gratuitos. Na minha vida pessoal, também estou a falar mais sobre o meu período. Não uso eufemismos, chamo os pensos e os tampões de “produtos de período” em vez de “produtos sanitários”, que dá a impressão de que os períodos são impuros.

Este ano, o governo do Reino Unido anunciou que iria fornecer produtos de período gratuitos, em escolas secundárias e nas universidades, a partir do próximo ano letivo. Não sou responsável, mas fiz parte do movimento que esteve na génese das mudanças. Ainda há muito por fazer para quebrar os tabus sobre a menstruação e as injustiças, mas, pouco a pouco, à medida que continuamos a fazer ouvir a nossa voz, estamos a ver mudanças.”

Instagram: @hazel.mead

Twitter: @hazelmeadart

Website: hazelmead.com

 

Estas e outras histórias foram publicadas aqui.

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