3 Novembro 2020

por Pedro A. Neto, diretor-executivo da Amnistia Internacional Portugal 

Os Estados Unidos da América (EUA) vivem tempos historicamente decisivos. Nas ruas, a saturação que se sente espelha anos de injustiças e discriminação. E é também nas ruas que ainda se grita e gritará a morte de George Floyd, assim como a marcha sobre Washington liderada por Martin Luther King ou a corajosa atitude de Rosa Parks, que não se quis sentar na parte de trás do autocarro, onde as leis do apartheid a queriam. 

A Constituição dos EUA é um dos documentos pioneiros de direitos humanos. Apesar de ter sido escrito em condições de desigualdade, num contexto histórico onde a mulher não tinha lugar e onde os negros eram escravos, abriu espaço a uma promessa de justiça: “Nós, os povos dos Estados Unidos, a fim de formar uma União mais perfeita, estabelecer a justiça, assegurar a tranquilidade interna, prover a defesa comum, promover o bem-estar geral e garantir a nós e aos nossos descendentes os benefícios da liberdade, promulgamos e estabelecemos esta Constituição”. 

As autoridades não têm agido convenientemente, quer condenando de forma inequívoca grupos divisivos, racistas, alguns até armados, quer protegendo os cidadãos que legitimamente usam o seu direito à livre expressão, reunião e manifestação pacífica

Pedro A. Neto, diretor-executivo da Amnistia Internacional Portugal

Firmada em 1787 sem possibilidade de alterações, acrescentaram-lhe poucos anos depois novas liberdades sob a forma de emendas. Ao conjunto destas denomina-se Bill of Rights. Na segunda emenda, foi concedido o direito a porte de arma. Porém, não é uma liberdade qualquer, que possa contrariar a paz com que começa a Constituição. Esta emenda referia-se à autodefesa contra um rei invasor ou governo opressor. Não foi escrita para que, no século XXI, se perpetuasse a violência e a discriminação. 

Desde forças de segurança aos mais altos representantes governamentais, tem faltado sentido de justiça, tranquilidade interna e o bem-estar social que lhes cabe em primeiro lugar promover e garantir. A violência e intimidação aos cidadãos têm sido constante em alguns locais daquele país.

As autoridades não têm agido convenientemente, quer condenando de forma inequívoca grupos divisivos, racistas, alguns até armados, quer protegendo os cidadãos que legitimamente usam o seu direito à livre expressão, reunião e manifestação pacífica e se veem intimidados e atacados nesse exercício. Aqueles que foram eleitos para servir e proteger a população não podem fazer o contrário.  

Ninguém pode ser impedido ou intimidado a não votar devido à presença de grupos de civis armados na rua ou junto aos locais de voto. Ninguém pode ser impedido de se manifestar pacificamente. As autoridades ou forças policiais têm o dever de proteger todas as pessoas

Pedro A. Neto, diretor-executivo da Amnistia Internacional Portugal

Ninguém pode ser impedido ou intimidado a não votar devido à presença de grupos de civis armados na rua ou junto aos locais de voto. Ninguém pode ser impedido de se manifestar pacificamente. As autoridades ou forças policiais têm o dever de proteger todas as pessoas. Trata-se de fazer cumprir os direitos humanos e de respeitar a Constituição dos EUA. 

Qualquer resultado eleitoral deve ser respeitado e o governo deve fazer tudo para prevenir a violência armada e proteger as pessoas contra o racismo, a violência e a discriminação. Para garantir que isso aconteça, a Amnistia Internacional irá monitorizar os direitos humanos, destacando investigadores para o terreno. Registaremos e divulgaremos abusos graves que sejam cometidos no contexto de protestos e no exercício pacífico da liberdade de expressão. 

A democracia em vigor há mais tempo no mundo tem em si a esperança – a esperança da sua herança. 

 

Artigo originalmente publicado na edição de 1 de novembro de 2020 do Jornal de Notícias

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