17 Outubro 2019

No Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, assinalado hoje, voltamos à região dos Gambos, no sul de Angola, para conhecer quatro razões por detrás da fome que afeta as comunidades pastorícias. O governo do país destaca apenas a seca que se tem feito sentir intensamente, mas a verdade é que pode fazer mais para resolver o problema, potenciado pelo desvio de terras para explorações comerciais de gado. Se nada mudar, milhares de pessoas vão continuar a correr risco de vida.

 

1. Violação do direito à alimentação

Na região dos Gambos, milhares de pessoas foram abandonadas a tentar sobreviver em terras inférteis e improdutivas, sem nada para comer. O leite, considerado o produto mais importante para a manutenção da vida nestas comunidades, é um bem escasso. O governo entregou mais de 60 por cento das terras a explorações comerciais de gado e, agora, faltam pastagens para os animais das populações locais.

Sem alimentação de qualidade, o gado produz menos leite. Os adultos deixaram de o poder beber. As crianças ficam com o que podem, já que as vacas também têm de alimentar os seus bezerros. A alternativa acaba por ser o consumo de folhas selvagens, como o lombi, que provoca dores de estômago e diarreia.

No terreno, foi fácil ver as consequências de tudo isto. As pessoas estão fracas e pálidas devido à fome constante. Vimos crianças junto às casas, mas nenhuma corria ou gritava. Estavam magras e cansadas. Devido à desnutrição infantil crónica, os níveis de concentração nas salas de aula também caíram muito.

Angola comprometeu-se a assegurar o fornecimento de alimentação adequada e está a falhar nesta obrigação. É essencial efetuar uma investigação detalhada sobre as preocupações com a saúde das populações da região dos Gambos, com o objetivo de recolher dados desagregados, por sexo e idade, para elaborar intervenções urgentes e adequadas a curto e longo prazo.

A situação é tão difícil para as crianças e os idosos. Aquela avó que viram ali também está a ter dores de estômago por causa do lombi. Fica doente sempre que come lombi. Mas quando o lombi é misturado com leite, é perfeitamente saudável. Com o leite, as crianças comem e não ficam doentes. Sem o leite, causa doenças

Relato integrado no relatório da Amnistia Internacional

 

2. Modos de vida destruídos

Desde o fim da guerra civil de Angola em 2002, as comunidades pastorícias têm sido alvo de violações dos direitos humanos devido à entrega de grandes partes dos terrenos a explorações comerciais de gado. O governo angolano deve nomear uma comissão de inquérito para investigar a concessão destas terras.

O que sobra para as comunidades locais são solos menos aráveis, que obrigam a um esforço redobrado dos animais e das pessoas que precisam dos recursos naturais para viver. O gado, sem alimentação adequada, não tem força para lavrar as terras e muito tem acabado por morrer. Para estas comunidades, as vacas são a fortuna. São o futuro. São tudo.

Os bois devem comer o suficiente para crescer, engordarem e ganharem força para poderem puxar o arado. Basta olhar para estes. […] Estão desnutridos, magros e fracos. No entanto, não temos outra opção senão forçar estes animais doentes. Como se vê, já estão cansados

Relato integrado no relatório da Amnistia Internacional

 

3. Desnutrição crónica

De acordo com a Agência Nacional de Estatística de Angola, na província da Huíla, que inclui os Gambos, 44 por cento das crianças menores de cinco anos apresentam um quadro de subnutrição crónica. Estas taxas são sempre mais elevadas nas zonas rurais do que nas zonas urbanas, sendo resultado das deploráveis condições de vida, com destaque para a escassez de alimentos.

Para uma vaca produzir leite, precisa de comer muita erva de qualidade, erva com boas vitaminas. O leite é para os bezerros, mas é também para nós, humanos. […] As nossas crianças já não bebem leite suficiente – vejam, todas elas estão magras e têm grandes barrigas. As crianças por aqui costumavam ser gordas, reluzentes e saudáveis. Tinham peles bonitas e brilhantes. Agora, são magras e baças. É de partir o coração

Relato integrado no relatório da Amnistia Internacional

4. Legislação por cumprir

O governo angolano falhou no dever de cumprir a legislação nacional. Em primeiro lugar, as leis do ambiente designam as terras comunitárias rurais como não concedíveis, ou seja, não podem ser desviadas em benefício de terceiros, sem a devida diligência. A única exceção é o benefício público, não privado, sob condição de justa compensação. De acordo com esta classificação, a Tunda e Chimbolela são terras comunitárias rurais que os pastores das províncias do Cunene, da Huíla e do Namibe têm usado durante séculos. No entanto, o governo permitiu que os criadores comerciais de gado ocupassem a região.

Em segundo lugar, a Constituição da República de Angola e a Lei de Terras obrigam à realização de consulta às comunidades afetadas e a todas as partes interessadas, quando se propõe o lançamento de um projeto que vai afetar o acesso aos seus recursos territoriais. Tais consultas servem para obter um consentimento livre, prévio e informado, o que não aconteceu nos Gambos, em violação da legislação nacional e internacional.

Quando alguém está doente, vendemos gado para pagar as contas médicas. Quando os nossos filhos vão à escola, vendemos gado para pagar as propinas. Não abatemos gado simplesmente porque nos apetece comer carne, tal como vocês não tiram dinheiro da vossa conta bancária ou do vosso seguro para pequenas coisas

Relato integrado no relatório da Amnistia Internacional

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