21 Outubro 2021

Quase dois meses após o fim das operações de transporte aéreo no Afeganistão, as pessoas que ficaram para trás enfrentam grandes obstáculos na procura de segurança fora do país, referiu hoje a Amnistia Internacional. Num novo briefing, a organização destaca como os países vizinhos fecharam as suas fronteiras aos afegãos sem documentos de viagem, deixando muitos sem outra alternativa que não fosse as travessias irregulares. Por sua vez, os países da Europa e da Ásia Central sujeitaram os afegãos a retornos ilegais e forçados, detenções e deportações, em vez de concederem proteção às pessoas que chegam ao seu território de forma irregular – tal como exigido pelo direito internacional.

A Amnistia Internacional apela a todos os países que cumpram a sua obrigação de proteger as pessoas em risco de graves violações de direitos humanos, terminando com todos os retornos forçados ou deportações para o Afeganistão e garantindo o acesso a procedimentos de asilo justos. Devem também tomar medidas urgentes para assegurar a passagem segura dos afegãos que correm grande perigo de serem visados pelos talibãs, minimizando os requisitos de documentação de viagem e oferecendo vistos humanitários às pessoas em maior risco.

“Neste momento, tentar sair do Afeganistão é como uma pista de obstáculos. Desde que os talibãsassumiram o controlo, tem sido quase impossível obter documentos de viagem, o que leva muitas pessoas a arriscarem-se em viagens irregulares que resultam em tratamento punitivo por parte de outros governos. Em vez de encontrarem a segurança e proteção por que procuram, os afegãos que fugiram dos talibãs acabam presos em campos improvisados nas zonas fronteiriças, ou detidos enquanto aguardam a deportação para um destino incerto”, referiu Francesca Pizzutelli, Chefe da Equipa de Direitos dos Migrantes  e Refugiados da Amnistia Internacional.

“Em vez de encontrarem a segurança e proteção por que procuram, os afegãos que fugiram dos talibãs acabam presos em campos improvisados nas zonas fronteiriças, ou detidos enquanto aguardam a deportação para um destino incerto”

Francesca Pizzutelli

“Instamos todos os países a abrirem as fronteiras aos afegãos que procuram refúgio, e a estabelecerem esquemas de reinstalação focados na sua segurança. Os governos devem oferecer proteção internacional aos afegãos recém-chegados e àqueles que já se encontram nos seus territórios, tendo em conta o princípiointernacional de non-refoulement “.

 

Fronteiras fechadas

O briefing da Amnistia Internacional destaca como o Paquistão, Uzbequistão, Irão, Tajiquistão e Turquemenistão fecharam as suas fronteiras aos afegãos que viajavam sem documentos, apesar do riscoiminente de violações de direitos humanos, por parte dos talibãs, àqueles que regressam ao país. Os números da OIM (Organização Internacional para as Migrações) mostram que as autoridades iranianas deportaram 58.279 afegãos indocumentados entre 27 de agosto e 9 de setembro de 2021, enquanto o Uzbequistão revelou, a 20 de agosto, que tinha devolvido 150 pessoas ao Afeganistão, no seguimento de um acordo com os talibãs.

O imperativo internacional de manter as fronteiras abertas para aqueles que procuram refúgio, e o cumprimento do princípio de non-refoulement, não se aplica apenas aos países que partilham uma fronteira terrestre com o Afeganistão. Está também implícito para os países que os afegãos podem alcançar por via aérea ou marítima, ou aos quais chegam após atravessarem outros países. Por outras palavras, ignora qualquer distinção entre chegadas regulares e irregulares.

Ainda assim, países como a Bulgária, Croácia e Grécia continuaram a recorrer a estratégias que pretendem o recuo dos afegãos. A Polónia chegou mesmo a introduzir novas restrições que impossibilitarão as pessoas que atravessem irregularmente a fronteira de pedir asilo no país.

Um grupo de 32 afegãos está retido na fronteira Polónia-Bielorrússia desde 19 de agosto, depois de ter sido forçadamente transferido da Polónia para a Bielorrússia, numa suspeita de recuo, sem qualquer avaliação individual das suas necessidades de proteção. Os guardas fronteiriços polacos e bielorrussos mantiveram o grupo restrito a uma pequena área da fronteira, sem abrigo adequado, água potável, alimentos ou acesso a cuidados de saúde.

Entretanto, em julho de 2021, à medida que aumentavam as chegadas do Afeganistão, as autoridades turcas anunciaram a extensão de um muro na sua fronteira com o Irão. A Turquia, continua ainda a reunir pessoas sem documentação para as deportar.

A Amnistia Internacional também destacou o impacto dos processos de habilitação de segurança dos indivíduos que procuram refúgio. Por exemplo, a Alemanha exige que os afegãos se apresentem às autoridades alemãs, para controlos de segurança, antes de poderem ser considerados para evacuação – sem que exista atualmente qualquer representação diplomática do país no Afeganistão. Nos EUA, a administração Biden declarou a intenção de reinstalar 95.000 afegãos evacuados até ao final de setembro de 2022. No entanto, persistem questões sobre o tratamento destas pessoas nas bases militares dos Estados Unidos, e apossibilidade de detenção e transferência, para países terceiros, de afegãos que não tenham autorizado os rigorosos controlos de segurança do país.

Com a situação de direitos humanos no Afeganistão a deteriorar-se, todos os Estados devem tomar medidas urgentes para permitir a saída de cidadãos do país, em particular mulheres ativistas, defensoras de direitos humanos, jornalistas e pessoas de minorias étnicas ou religiosas marginalizadas. Deve ser oferecida proteção internacional, tanto aos recém-chegados, como aos afegãos que já se encontravam nos seus territórios, e apoiar os países da região para garantir os direitos dos afegãos que atravessam esses territórios.

“As vidas de milhares de mulheres e homens que trabalharam para promover e defender os direitos humanos, a igualdade de género, o Estado de direito e as liberdades democráticas no seu país, estão agora suspensas por um fio”, afirmou Francesca Pizzutelli.

“O mundo não deve abandonar o Afeganistão neste momento crítico – precisamos de um esforço internacional concertado para trazer os afegãos para a segurança”, concluiu.

 

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