30 Setembro 2021

Uma investigação digital da Amnistia Internacional revelou novos detalhes sobre a situação de 32 requerentes de asilo afegãos – quatro mulheres, 27 homens e uma menina de 15 anos – retidos na fronteira entre a Polónia e a Bielorrússia, sem comida, água potável, abrigo e medicamentos desde, pelo menos, 18 de agosto. Através de imagens de satélite e fotografias, utilizadas para medir a área e proceder a reconstrução 3D, a Amnistia Internacional verificou a posição do grupo na fronteira e concluiu que, no final de agosto e de forma súbita, este se tinha deslocado da Polónia para a Bielorrússia, no que aparentava ser um retorno forçado ilegítimo.

A reconstrução 3D feita pela organização mostra que, a 18 de agosto, várias pessoas deste grupo que tinham entrado na Polónia a partir da Bielorrússia, estavam do lado polaco da fronteira, cercadas pelas autoridades fronteiriças polacas. No entanto, um dia depois, encontravam-se de volta ao lado bielorrusso da fronteira. A Amnistia Internacional conclui que este movimento pode constituir prova de um retorno ilegal, porque, aparentemente, ocorreu enquanto o acampamento improvisado destas pessoas afegãs, era cercado pela polícia polaca, que se encontrava armada.

A 20 de agosto, todos os 32 afegãos retidos na fronteira fizeram pedidos de proteção internacional na Polónia com a ajuda de advogados, mostrando que queriam permanecer no país. As medidas interinas concedidas pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) a 25 de agosto, e subsequentemente prorrogadas a 27 de setembro, instruíram a Polónia na prestação de assistência ao grupo, incluindo “alimentação, água, roupa, assistência médica adequada e, se possível, abrigo temporário”. O TEDH também referiu que o grupo de afegãos afirmou ter entrado anteriormente em território polaco, a 8 de agosto, tendo sido forçado a recuar. Até ao momento, a Polónia falhou em cumprir as medidas provisórias.

“A Polónia tem mantido, de forma impiedosa e durante semanas, este grupo de pessoas na sua fronteira, em condições terríveis. A nossa análise mostra irrefutavelmente que, a 18 de agosto, da noite para o dia, a sua posição se deslocou da Polónia para a Bielorrússia, o que sugere fortemente que foram vítimas de um retorno forçado ilegítimo”, afirmou Eve Geddie, diretora do Gabinete para as Instituições Europeias na Amnistia Internacional.

“A Polónia tem mantido, de forma impiedosa e durante semanas, este grupo de pessoas na sua fronteira, em condições terríveis”

Eve Geddie

“Estado de emergência”

Desde este retorno, o grupo permaneceu encurralado entre as autoridades fronteiriças polacas e bielorrussas. A Polónia restringiu o movimento na zona e, a 20 de agosto, introduziu regras que permitiam que as pessoas intercetadas na fronteira fossem devolvidas à Bielorrússia. A 3 de setembro, o país declarou “estado de emergência” nas suas fronteiras com a Bielorrússia, limitando jornalistas e ONG de acederem àquela zona. O “estado de emergência” impediu a supervisão de potenciais violações de direitos humanos, suscitando preocupações sobre o tratamento a refugiados e migrantes na área, como o retorno ilegítimo de pessoas, forçadas a recuar para o lado bielorrusso da fronteira. Desde 19 de setembro, cinco pessoas morreram na zona da fronteira, algumas de hipotermia.

“A terrível situação enfrentada pelos afegãos na fronteira foi criada pelo governo polaco. A declaração do ‘estado de emergência’ é ilegítima e deve ser levantada. De acordo com as definições europeias e internacionais, a situação nas fronteiras do país não constitui uma emergência pública”, relembra Eve Geddie.

“Forçar o regresso de pessoas que tentam pedir asilo, sem uma avaliação individual das suas necessidades de proteção, contradiz a legislação europeia e internacional. A introdução de novas leis e medidas que tentam legalizar os retornos forçados nada altera.”

 

Verificação digital

Para avaliar a situação na fronteira da Polónia-Bielorrússia, o Laboratório de Provas da Amnistia Internacional recolheu e analisou imagens de satélite das travessias fronteiriças, e mais de 50 vídeos e fotografias de incidentes na fronteira desde 12 de agosto. As imagens confirmam os movimentos do grupo e a securitização crescente da fronteira nas últimas semanas. As fontes das imagens são variadas (população local e imprensa) e incluíram filmagens de helicóptero e imagens de satélite – mas todas elas foram, posteriormente, analisadas e verificadas.

Recorrendo a fotogrametria e correspondência fotográfica para reconstruir modelos 3D, a Amnistia Internacional pôde verificar a posição do grupo na fronteira, confirmar o presumível retorno forçado entre 18 e 19 de agosto e a localização do grupo entre 12 de agosto e 13 de setembro. Também expôs as condições desumanas no acampamento improvisado onde o grupo está a ser forçado a viver.

Posição do grupo rodeado pelas autoridades policiais

 

A Amnistia Internacional apela ao governo polaco para que garanta que aqueles que procuram proteção tenham acesso ao seu território. As autoridades devem terminar com os regressos forçados, e providenciar urgentemente abrigo, comida, água e instalações sanitárias adequadas, assim como o acesso a advogados e assistência médica ao grupo de afegãos cercado na fronteira. A Polónia deve igualmente revogar o estado de emergência e as leis que limitam o movimento na zona fronteiriça, concedendo o livre acesso a jornalistas, ativistas, ONG e advogados.

“As pessoas solicitaram asilo num país da EU. Um Estado-membro da UE está a violar os seus direitos de maneira gritante, e a União deve agir com celeridade e firmeza para denunciar estes abusos flagrantes do direito da UE e internacional”, conclui Eve Geddie.

“Um Estado-membro da UE está a violar os seus direitos de maneira gritante, e a União deve agir com celeridade e firmeza para denunciar estes abusos flagrantes do direito da UE e internacional”

Eve Geddie

Contexto

A 20 de agosto de 2021, antes da introdução do “estado de emergência”, a 3 de setembro, um decreto ministerial limitou os movimentos na fronteira e estabeleceu que, à exceção de pessoas que integrassem certas categorias, as restantes que fossem intercetadas na zona fronteiriça teriam de deixar a Polónia e serem “devolvidas à linha de fronteira do Estado”. O decreto conflitua com as obrigações da Polónia sob o Direito de refugiados e prestação de asilo, já que limita o acesso de requerentes de asilo a território polaco, que é fundamental para a sua capacidade de ali solicitarem proteção internacional. O decreto também proibia o princípio de “não-penalização” de requerentes de asilo, que indica que as pessoas que procuram proteção não devem enfrentar sanções por conta da sua entrada ou presença irregular num país.

Ao permitir que as autoridades polacas forcem o retorno de pessoas, sem uma avaliação das suas circunstâncias e sem uma oportunidade efetiva de desafiarem a decisão de retorno, o decreto é inconsistente com o princípio de nonrefoulement, e poderá conduzir a expulsões coletivas, proibidas sob o direito internacional.

A Lituânia e a Letónia, igualmente vizinhas da Bielorrússia, têm assistido a chegadas comparáveis às suas fronteiras, e introduziram medidas semelhantes às da Polónia. A 17 de agosto, o governo polaco propôs uma série de alterações preocupantes à legislação sobre retornos e proteção internacional. As emendas propõem simplificar os retornos, o que poderá levar a expulsões coletivas; permitir às autoridades de asilo recusar candidaturas a asilo feitas por pessoas intercetadas numa travessia irregular, a menos que se apliquem circunstâncias específicas; e tornar as travessias de fronteira irregulares numa ação criminal. O ACNUR criticou fortemente a proposta. À data de escrita deste artigo, a proposta ainda não se encontrava em vigor, encontrando-se pendente perante o Senado polaco.

A 25 de agosto, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ordenou à Polónia que providenciasse assistência humanitária a migrantes e refugiados nas suas fronteiras, um pedido renovado a 27 de setembro. Até ao momento, a Polónia não cumpriu a ordem do Tribunal. O ACNUR e a OIM fizeram apelos públicos para que lhes seja concedido acesso imediato a pessoas em necessidade na fronteira.

Um estado de emergência é definido, à luz do direito internacional, como algo que ameaça ‘a vida da nação.’ A migração para a Polónia falha claramente em cumprir este requisito, e não coloca qualquer emergência. Adicionalmente, o direito internacional de direitos humanos tem condições estritas que um Estado tem de seguir ao querer impor o “estado de emergência” que limita os direitos humanos, tais como a notificação dos órgãos internacionais relevantes. A Polónia falhou em agir em concordância com estes requisitos.

 

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