19 Março 2009

Antecipando o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial, que se assinala no próximo dia 21 de Março, a Amnistia Internacional Portugal e o Númena-Centro de Investigação em Ciências Sociais e Humanas, lançaram terça-feira, pelas 16h30, o estudo “O Racismo e a Xenofobia em Portugal após o 11 de Setembro de 2001”. A divulgação do estudo foi feita no salão nobre do teatro D. Maria II, em Lisboa, que encheu para ouvir as conclusões do estudo e as opiniões de três representantes de comunidades imigrantes em Portugal.

O debate abriu com considerações gerais sobre o estudo, introduzidas por Bruno Dias, um dos investigadores do Númena a quem a investigação foi encomendada, há três anos, pela AI Portugal. O autor revelou desde logo que uma das principais conclusões é que, “em Portugal, não há registo nem de ruptura, nem de intensificação, de tendências racistas ou xenófobas após os ataques de 11 de Setembro”. Acrescentou, porém, que isso não significa que estes fenómenos não existam. “A ideia de que Portugal não é um país racista ou de que é um país brando, é errada”.

Apesar da inexistência de estatísticas sobre o racismo em Portugal, de haver poucas queixas oficiais e de serem raros os processos judiciais a este nível, vários outros métodos de investigação permitiram concluir que “o racismo e a xenofobia, em Portugal, não são de todo inexistentes, apesar de serem muito invisíveis”, afirmou Bruno Dias. Isto porque, alertou, o racismo não está apenas nas acções da mediática extrema-direita, mas também na desigualdade no acesso ao emprego e à educação, entre outras formas subtis de escamotear aquela que é uma realidade presente em Portugal.

Bruno Dias destacou ainda duas outras conclusões do estudo. A primeira indica que as comunidades que mais sofrem de racismo e xenofobia em Portugal são a cigana e os negros. A segunda prende-se com uma realidade relativamente recente: a discriminação positiva, que permite, em nome de uma suposta bondade integradora, marginalizar elementos de uma determinada comunidade. Estas e outras conclusões estão agora acessíveis aqui.

 

A Comunidade Judaica

Em representação da Comunidade Judaica em Portugal, esteve presente no lançamento do estudo a sua vice-presidente, Ester Muznik, cuja intervenção se impunha na sequência do muito mediatizado conflito israelo-árabe, que se estendeu entre Novembro de 2008 e meados de Janeiro. Um acontecimento que, um pouco por todo o mundo, ajudou a incrementar o sentimento anti-Israel, o que poderia implicar o aumento do anti-semitismo. Segundo Ester Muznik, “o racismo é um fenómeno antigo” e está bem visível nos emails “verdadeiramente assassinos” que revela receber na sua caixa de email e no da Comunidade Judaica.

”Isto ultrapassa de longe o conflito israelo-palestiniano e as questões políticas”, acrescenta a vice-presidente, referindo-se ainda à situação em Portugal. O mesmo não acontece em países como a França, onde, revelou, só no mês de Janeiro houve 352 ataques anti-semitistas, a pessoas e sinagogas, o que contrasta com os 460 incidentes registados em todo o ano de 2007, ou mesmo em 2008. Ester Muznik teme então que o racismo e a xenofobia, no nosso país, possam também piorar. “Não dramatizo, mas acho que há o perigo da situação resvalar de um sentimento anti-Israel para o anti-judaico”.

 

A Comunidade Africana

O debate prosseguiu com a intervenção de António Veiga, da Plataforma das Estruturas Representativas das Comunidades Imigrantes em Portugal, que falou sobretudo em nome da comunidade africana. Para o dirigente, há várias situações que continuam a bloquear a integração dos imigrantes. Uma primeira é a laboral, uma vez que “a entrada no mercado do trabalho é fundamental para a plena integração dos imigrantes, mas continua a ser pura ilusão”. Acrescenta ainda que continua a ser difícil, para a comunidade africana, assumir alguma forma de participação política. “Veja-se que só o Partido Socialista teve em tempos dois deputados negros”.

Para terminar, António Veiga referiu o papel fundamental da comunicação social nas questões do racismo e da xenofobia. A título de exemplo, apontou a capa de um jornal nacional de grande tiragem onde há poucos dias se lia, em letras garrafais, “40% dos assassinos são estrangeiros”. Uma notícia que, posta assim, “ajuda a veicular um estereótipo discriminatório para os imigrantes”, o que é grave se entendermos que “os média são um mecanismo de grande importância na formação da opinião pública”.

 

A Comunidade Cigana

Os testemunhos das comunidades analisadas no estudo do Númena e da Amnistia Internacional Portugal terminaram com o discurso emotivo de Maria Dulce Nascimento, da Nova Associação Cigana de Leiria, que falou em nome da comunidade cigana em Portugal. “Somos muito discriminados e apontados. Nós não somos diferentes, somos portugueses”, referiu, em jeito de apelo. Disse ainda que é importante, de uma vez por todas, que se perceba que entre os ciganos há pessoas boas e pessoas más, “como em todo o lado”.

A defensora da comunidade cigana destacou ainda um exemplo recente de racismo e xenofobia, divulgado pela comunicação social no mesmo dia do lançamento do estudo, que revela que a Escola Básica de Lagoa Negra, em Barcelos, colocou 17 alunos ciganos num contentor, à parte dos outros alunos, para aí terem aulas. Segundo a notícia da TSF, disponível online, “a directora regional da educação do Norte diz estarmos perante um caso de discriminação positiva e argumenta que este projecto é mesmo um exemplo de integração social”. Um caso que prova que Portugal está ainda longe de ser o país de brandos costumes que muitos querem veicular.

Para concluir, foram ainda deixadas algumas possíveis soluções para o futuro. De acordo com o estudo, “os remédios para este racismo estrutural são mais difíceis de encontrar, mas são essencialmente políticos”. Para Ester Muznik é preciso, primeiro que tudo, não ter medo da diferença. “Na sociedade portuguesa, e na humana em geral, há ainda de facto a rejeição do que é diferente”. Em segundo lugar, é fundamental não deixar de lado a questão religiosa, pois “para muitas pessoas a prática da religião é uma forma de integração na sociedade”. Por último, defende, “a integração é sempre feita dos dois lados” e não depende apenas das instituições e das políticas sociais, mas também das próprias minorias, que têm de ter a vontade de se integrarem, isto é, de aprenderem a língua e a cultura portuguesas.

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