- Investigação da Amnistia Internacional concluiu que a ordem judicial restringe indevidamente os direitos humanos dos defensores da terra e os direitos indígenas da nação Wet’suwet’em
- “A Amnistia Internacional não hesitará em designar estes corajosos defensores como prisioneiros de consciência se forem condenados a prisão efetiva ou prisão domiciliária” – Erin Riley-Oettl
- Violações de direitos continuam a agravar-se à medida que o Canadá, a Colúmbia Britânica e o consórcio empresarial internacional por trás do gasoduto CGL avançam com a fase dois do projeto
A Amnistia Internacional, as Brigadas Internacionais da Paz e a Front Line Defenders acompanharão de perto a sentença, esta semana, dos defensores indígenas da terra que foram criminalizados pelo Canadá por protegerem o território não cedido de Wet’suwet’en contra a construção de um oleoduto de combustíveis fósseis.
Uma delegação de representantes da secção anglófona da Amnistia Internacional Canadá, do Departamento Regional da América da AI e da representação canadiana das Brigadas de Paz Internacionais (PBI-Canadá) assistirá pessoalmente às audiências em Smithers, na Colúmbia Britânica. A Front Line Defenders (FLD), uma organização internacional de direitos humanos que protege defensores dos direitos humanos em risco, acompanhará o processo a partir do exterior.
A partir de 15 de outubro, um juiz da Colúmbia Britânica presidirá à audiência da sentença de três dias para Sleydo’ (Molly Wickham), uma chefe de ala (Cas Yikh, ou Casa do Urso Pardo) do clã Gidimt’en da nação Wet’suwet’en, Shaylynn Sampson, uma Gitxsan com ligações familiares Wet’suwet’en, e Corey “Jayohcee” Jocko, um Kanien’kehá:ka (Mohawk) de Akwesasne.
Os defensores foram presos em novembro de 2021, durante uma operação fortemente militarizada da Polícia Montada Real Canadiana (RCMP) no território Wet’suwet’en. Sleydo’, Sampson e Jocko foram acusados e posteriormente condenados por desobedecerem a uma controversa ordem judicial da Colúmbia Britânica que proibia ações de defesa da terra perto da construção do gasoduto de gás natural liquefeito Coastal GasLink (CGL).
A investigação da Amnistia Internacional concluiu que a ordem judicial restringe indevidamente os direitos humanos dos defensores da terra e os direitos indígenas da nação Wet’suwet’en. Nesse sentido, as detenções e o processo judicial dos defensores da terra representam uma grave violação dos seus direitos.
A investigação da Amnistia Internacional concluiu que a ordem judicial restringe indevidamente os direitos humanos dos defensores da terra e os direitos indígenas da nação Wet’suwet’en.
“Estamos orgulhosos de regressar a Smithers — no território tradicional não cedido da nação Wet’suweten — para expressar a nossa solidariedade com Sleydo’, Shaylynn Sampson e Corey Jocko, que foram injustamente criminalizados pelo Canadá por exercerem os seus direitos”, disse Erin Riley-Oettl, responsável de Direito Humanitário, Campanhas e Advocacia da secção anglófona da Amnistia Internacional Canadá.
“A Amnistia Internacional não hesitará em designar estes corajosos defensores como prisioneiros de consciência se forem condenados a prisão efetiva ou prisão domiciliária”, sustentou.
“Estamos profundamente preocupados com a criminalização destes defensores da terra e do ambiente que estavam a defender a ‘Anuk niwh’iten (lei Wet’suwet’en) e a proteger o território não cedido de um megaprojeto extrativista destrutivo”, afirmou Brent Patterson, coordenador da PBI-Canadá. “A vigilância, o assédio, a intimidação e os comentários ofensivos feitos contra eles pela RCMP são perturbadores. Isto tem de acabar. Qualquer sentença que envolva pena de prisão ou prisão domiciliária seria injusta e injustificada”, acrescentou o responsável.
“Estamos orgulhosos de regressar a Smithers — no território tradicional não cedido da nação Wet’suweten — para expressar a nossa solidariedade com Sleydo’, Shaylynn Sampson e Corey Jocko, que foram injustamente criminalizados pelo Canadá por exercerem os seus direitos”
Erin Riley-Oettl
“O caso dos defensores da terra Wet’suwet’en contribui para um padrão alarmante de criminalização dos defensores indígenas nas Américas e cria um precedente perigoso para a defesa da terra no Canadá”, afirmou, por seu turno, Sandra Patargo, coordenadora de proteção para a América do Norte, América Central e Caraíbas da Front Line Defenders.
“Garantir proteção e justiça aos defensores da terra Wet’suwet’en é uma obrigação do governo canadiano e uma responsabilidade internacional num contexto em que estão a liderar a luta global pela defesa dos direitos indígenas e do ambiente. A Front Line Defenders continuará a acompanhar Sleydo’, Shaylynn Sampson e Corey Jocko até que possam continuar a defender o seu território em liberdade”, disse.
Violações agravadas dos direitos indígenas
A construção do projeto do gasoduto CGL, de 670 quilómetros, através do território Wet’suwet’en prosseguiu sem o consentimento livre, prévio e informado dos Chefes Hereditários Wet’suwet’en, que o Supremo Tribunal do Canadá reconheceu como a autoridade ancestral da Nação. [De acordo com a decisão Delgamuukw do Supremo Tribunal (1997), os seus direitos e títulos nunca foram extintos.]
Isto representa uma violação da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Indígenas (UNDRIP), que estabelece que grandes projetos de infraestrutura ou extração de recursos não devem avançar, a menos que tenham recebido o consentimento livre, prévio e informado das nações indígenas cujos territórios são afetados pelo desenvolvimento. O Canadá endossou a UNDRIP e, em 2021, adotou-a como lei federal.
Além disso, as violações de direitos continuam a agravar-se à medida que o Canadá, a Colúmbia Britânica e o consórcio empresarial internacional por trás do gasoduto CGL avançam com a fase dois do projeto. Com o objetivo de duplicar a produção da instalação de exportação de GNL em Kitimat, na Colúmbia Britânica, a fase dois prevê a construção de sete novas estações de compressão ao longo do trajeto do gasoduto CGL, incluindo duas no território Wet’suwet’en — mais uma vez sem o consentimento livre, prévio e informado dos chefes hereditários Wet’suwet’en.
Com o objetivo de duplicar a produção da instalação de exportação de GNL em Kitimat, na Colúmbia Britânica, a fase dois prevê a construção de sete novas estações de compressão ao longo do trajeto do gasoduto CGL, incluindo duas no território Wet’suwet’en.
“Condenar Sleydo’, Shaylynn e Corey por defenderem a lei Wet’suwet’en e o nosso território é ultrajante”, afirmou o chefe Na’Moks, do clã Tsayu da nação Wet’suwet’en. “Com o Canadá e a Colúmbia Britânica a atacar os povos indígenas por exercerem os seus direitos, impondo uma infraestrutura destrutiva de gasodutos no nosso território, destruindo as nossas casas e ameaçando o nosso modo de vida tradicional, por que razão não são tratados como criminosos ou acusados de um crime?”, questionou.
“Repetidamente, o Canadá continua a privilegiar os interesses de investidores ricos e corporações gigantes em detrimento das vidas e dos direitos dos povos indígenas e do ambiente natural, do qual todos – não apenas os povos indígenas – dependem. Como pode o Estado canadiano afirmar defender os direitos humanos, quanto mais a reconciliação, quando agride fisicamente e criminaliza os defensores indígenas que se manifestam em prol da justiça?”, apontou.
“O Canadá continua a privilegiar os interesses de investidores ricos e corporações gigantes em detrimento das vidas e dos direitos dos povos indígenas e do ambiente natural, do qual todos – não apenas os povos indígenas – dependem.”
Chefe Na'Moks
“A artimanha é óbvia por parte do governo e da indústria da Colúmbia Britânica”, disse, por sua vez, o chefe do clã Gidemt’en, Woos. “O povo Wet’suwet’en sempre manteve a sua soberania sobre os 22 mil quilómetros quadrados de terras territoriais.”
Apesar da decisão de um juiz da Colúmbia Britânica de condenar Sleydo’, Sampson e Jocko por desacato ao tribunal, o magistrado reconheceu que os seus direitos foram violados durante as prisões.
Em resposta a uma alegação de abuso de processo apresentada pela equipa jurídica dos defensores, o juiz decidiu em fevereiro que a conduta, incluindo declarações racistas contra os indígenas de alguns membros da RCMP durante a operação de novembro de 2021, violou de facto a Carta Canadiana dos Direitos e Liberdades.
A decisão valida tanto as experiências destes defensores da terra como a experiência mais ampla de violência colonial que os povos indígenas enfrentam há mais de 100 anos por parte da RCMP. No entanto, o juiz recusou-se a suspender todas as acusações contra os defensores e disse que, em vez disso, consideraria a redução das penas.
Canadá em risco de nova declaração de prisioneiro de consciência
A Amnistia Internacional está preparada para declarar Sleydo’, Sampson ou Jocko prisioneiros de consciência, caso o tribunal condene um ou mais a prisão efetiva ou prisão domiciliária. Se isso acontecer, será apenas a segunda vez que a Amnistia aplica uma declaração de prisioneiro de consciência a uma pessoa detida pelo Canadá.
Em julho de 2024, o chefe Dsta’hyl, um chefe de ala (clã Likhts’amisyu) da nação Wet’suwet’en, tornou-se a primeira pessoa detida pelo Canadá a ser declarada prisioneiro de consciência pela Amnistia Internacional. Na altura, o defensor da terra de 68 anos estava a cumprir uma pena de 60 dias de prisão domiciliária após ter sido condenado por desrespeito ao tribunal por alegadamente violar a injunção judicial da Colúmbia Britânica.
Agentes da RCMP prenderam o chefe Dsta’hyl em outubro de 2021, durante um bloqueio da Morice Forest Service Road, com o objetivo de impedir a construção do oleoduto CGL através do território Wet’suwet’en.
A Amnistia Internacional está preparada para declarar Sleydo’, Sampson ou Jocko prisioneiros de consciência, caso o tribunal condene um ou mais a prisão efetiva ou prisão domiciliária.
Na véspera da sua libertação da prisão domiciliária, em setembro de 2024, o chefe Dsta’hyl agradeceu aos simpatizantes de todo o mundo e exortou-os a manter a pressão sobre o Canadá para que respeite os direitos da nação Wet’suwet’en.
“O governo federal e a província têm o poder de emitir uma declaração a reconhecer a nossa propriedade de 22 mil quilómetros quadrados de território”, afirmou, numa declaração por escrito.
“A sua relutância em fazê-lo está para além da minha compreensão. Chegaram ao ponto de assinar a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e fazer outras promessas, mas isso são cortinas de fumo para apaziguar a população. Não cumpriram a sua palavra. É aqui que as pessoas podem pressionar o governo e forçá-lo a reconhecer finalmente os nossos direitos”, concluiu o chefe.
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