31 Março 2020

A pandemia de COVID-19 não olha a fronteiras. É por isso que, no sul da Ásia, uma das regiões mais pobres e populosas do mundo, a Amnistia Internacional apela às autoridades nacionais para colocarem os direitos humanos no centro das respostas à crise de saúde pública, ao intensificar os esforços para proteger os grupos marginalizados e vulneráveis em maior risco. Nestes incluem-se os trabalhadores pagos ao dia, as pessoas deslocadas devido a conflitos armados, os profissionais de saúde e quem se encontra em prisões.

“É preciso proteger os trabalhadores que ficam em casa e perdem os meios de subsistência, as pessoas que não têm casa devido aos conflitos armados e definham em campos sobrelotados, os prisioneiros que estão em celas com tantos outros e, não menos importante, os corajosos médicos e enfermeiros que nunca tiveram os recursos necessários e agora estão a colocar em risco a própria vida”

Biraj Patnaik, diretor para o sul da Ásia da Amnistia Internacional

Proibições de entradas nos países ou ordens de recolher obrigatório têm sido implementadas para controlar a propagação do novo coronavírus. Mas, onde vivem mais de 600 milhões de pessoas em situação de pobreza e as instalações de saúde são inadequadas, há riscos redobrados.

O Paquistão registava 1026 casos, a 25 de março, e sete mortos, seguido da Índia com 606 casos e dez vítimas. A cada dia que passa, os números aumentam, estimando-se que sejam bem superiores devido ao escasso número de testes disponíveis.

“À medida que os casos de COVID-19 no sul da Ásia aumentam, os líderes da região devem prestar especial atenção aos mais vulneráveis ​​e marginalizados nesta crise. É preciso proteger os trabalhadores que ficam em casa e perdem os meios de subsistência, as pessoas que não têm casa devido aos conflitos armados e definham em campos sobrelotados, os prisioneiros que estão em celas com tantos outros e, não menos importante, os corajosos médicos e enfermeiros que nunca tiveram os recursos necessários e agora estão a colocar em risco a própria vida para salvar outros”, lembra o diretor para o sul da Ásia da Amnistia Internacional, Biraj Patnaik.

Acesso à informação

A ausência de informação para fazer face a esta crise ou, nos casos mais graves, a manipulação dos seus efeitos prejudicam a eficácia de qualquer resposta de saúde pública. As pessoas que vivem em áreas rurais, onde as taxas de alfabetização são baixas e o acesso a cuidados clínicos é muito limitado, são particularmente afetadas.

No Afeganistão, as informações demoram a chegar a zonas remotas ou afetadas pelo conflito armado. No geral, o acesso a cuidados de saúde já é reduzido em todo o país e, agora, reflete-se na fraca oferta de testes. As mulheres estão entre as mais afetadas devido às tradições locais que as proíbem de aceder a alguns cuidados de saúde.

Na zona de Bazar de Cox, no Bangladesh, onde o primeiro caso de COVID-19 foi relatado na última semana, falta informação aos refugiados rohingya. Além disso, os campos onde vivem estão sujeitos a apagões contínuos nas telecomunicações e correm rumores de que, caso sejam contratados, os empregadores podem ser mortos pelas autoridades.

Refugiados e deslocados internos

O sul da Ásia tem uma das maiores populações de refugiados do mundo, incluindo três milhões de afegãos no Paquistão e mais de um milhão de rohingyas no Bangladesh.

No Afeganistão, o conflito armado já obrigou ao deslocamento de mais de dois milhões de pessoas. O país recebe ainda milhares de cidadãos que são devolvidos, à força, de nações vizinhas, como o Irão.

O “distanciamento social” não é possível nos campos de refugiados rohingya, no Bangladesh, já que os abrigos estão muito próximos uns dos outros. Para recorrerem a serviços básicos, estas pessoas são também obrigadas a caminhar. O acesso à saúde é, geralmente, limitado e não existem urgências médicas nas proximidades.

Trabalhadores da economia informal

A maioria dos trabalhadores sobrevive através da chamada “economia informal”, dependendo, muitas vezes, de salários pagos ao dia. A Organização Internacional do Trabalho estima que esta prática represente 80 por cento do emprego na região.

Vendedores ambulantes, motoristas, trabalhadores da construção civil, de plantações de chá e da limpeza, pescadores, cozinheiros e empregadas domésticas são algumas das profissões mais recorrentes. Muitos são migrantes internos e vivem longe da família.

“É preciso proteger os trabalhadores que ficam em casa e perdem os meios de subsistência, as pessoas que não têm casa devido aos conflitos armados e agora definham em campos sobrelotados, os prisioneiros que estão em celas com tantos outros e, não menos importante, os corajosos médicos e enfermeiros que nunca tiveram os recursos necessários e agora estão a colocar em risco a própria vida”

Biraj Patnaik, diretor para o sul da Ásia da Amnistia Internacional

À medida que as restrições entram em vigor, grande parte deixa de ter meios de subsistência. Numa região onde pontificam baixos rendimentos e sistemas de seguridade social muito limitados, as alternativas são diminutas. Recentemente, no Sri Lanka, havia filas à porta de lojas de penhores, prova de que a atual situação já está a afetar muitas pessoas.

Alguns países, como a Índia, o Paquistão e o Sri Lanka, já anunciaram pacotes de estímulos económicos. Contudo, estão mais direcionadas para as indústrias. Isto quer dizer que existe uma necessidade de implementação de medidas específicas voltadas para as pessoas que trabalham no setor informal, em conformidade com o direito à seguridade social, para que possam ter direito a condições de vida adequadas.

O setor da saúde

Os oito países localizados na região do sul da Ásia apresentam números de médicos per capita muito baixos, nota o Banco Mundial. No Afeganistão, por cada mil pessoas, há 0,3 médicos; nas Maldivas, no Paquistão e no Sri Lanka, a média é de um.

Os últimos tempos mostram que os profissionais de saúde de países como Afeganistão, Bangladesh, Índia, Nepal e Paquistão estão a erguer a voz, mostrando preocupações sobre a falta de equipamentos de proteção individual para tratar doentes infetados com a COVID-19.

“Tratar pacientes sem proteção é como um suicídio”

Asfandyar Khan, presidente do Instituto de Ciências Médicas do Paquistão

A carga sobre os trabalhadores da saúde e outros que prestam assistência às unidades clínicas vai aumentar, à medida que cresce o número de contágios. Por isso, é necessário tomar medidas para aliviar quem está na linha da frente e tem de suportar longas horas de trabalho, fadiga e sofrimento psicológico.

“Os profissionais de saúde da linha da frente são os heróis dos quais dependemos nesta crise. Estão a colocar a saúde dos outros em primeiro lugar. O mínimo que podem esperar é receber o equipamento de proteção de que precisam. Os Estados têm a obrigação de garantir a sua proteção, sem esquecer a formação e o apoio psicossocial adequados para eles e para as suas famílias”, defende Biraj Patnaik.

Riscos nas prisões

Sobrelotação é um dos sinónimos para as prisões localizadas no sul da Ásia. O Bangladesh, por exemplo, o número de reclusos representa mais do dobra da capacidade das infraestruturas. Neste caso particular, 70 por cento da população prisional ainda está à espera de ser julgada.

No Nepal, a taxa de ocupação supera os 150 por cento. Contas feitas, são três vezes mais o número de reclusos que deveriam de estar nas prisões do país.

Quem ali vive é, frequentemente, sujeito a condições desumanas, incluindo pouca ventilação e falta de saneamento. No início deste ano, uma comissão de inquérito do Paquistão alertou para o acesso limitado a cuidados de saúde, relatando que 1823 reclusos sofriam de hepatite, 425 de HIV e 173 de tuberculose. Todos estes casos correspondiam a doenças contraídas nas prisões.

No Sri Lanka, dois homens foram mortos e outros feridos por guardas prisionais, há cerca de duas semanas, na sequência de protestos relacionados com a COVID-19, em Anuradhapura. O Paquistão já relatou casos positivos da doença, em concreto na prisão de Camp Jail Lahore, onde há quase três vezes mais reclusos do que a capacidade permitida. Também aqui a maioria ainda aguarda julgamento.

“Devem ser feitos esforços para reduzir, urgentemente, a sobrelotação, considerando a libertação dos mais velhos e daqueles que podem estar aptos para a liberdade condicional antecipada ou que não representem uma ameaça à segurança pública”

Biraj Patnaik, diretor para o sul da Ásia da Amnistia Internacional

De acordo com as leis e normas internacionais de direitos humanos, as autoridades devem garantir que os presos tenham acesso imediato a cuidados de saúde e condições para usufruir dos mesmos padrões disponíveis na restante comunidade, como testes, medidas de prevenção e tratamento para combater o novo coronavírus.

Entretanto, alguns países aceitaram libertar prisioneiros, incluindo o Bangladesh, a Índia, o Paquistão, o Nepal e o Sri Lanka. No entanto, são necessárias mais políticas efetivas e consistentes face aos padrões recomendados.

“As prisões do sul da Ásia são um peso na consciência da região. Estão sobrelotadas, representam violência, há insalubridade e não têm assistência médica adequada, o que coloca os reclusos em alto risco de infeção. Devem ser feitos esforços para reduzir, urgentemente, a sobrelotação, considerando a libertação dos mais velhos e daqueles que podem estar aptos para a liberdade condicional antecipada ou que não representem uma ameaça à segurança pública. As pessoas acusadas de um crime que aguardam julgamento também devem ser consideradas nestas libertações. Quem não pode ser abrangido por estas medidas, deve receber o mesmo atendimento disponível, incluindo transferências para instalações médicas, caso necessitem de cuidados especializados”, sublinha o diretor para o sul da Ásia da Amnistia Internacional, Biraj Patnaik.

 

 

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